27 Novembro 2012
A sigla KAICIID diz alguma coisa para você? Significa "King Abdullah Bin Abdulaziz International Centre for Interreligious and Intercultural Dialogue" (Centro Internacional para o Diálogo Inter-Religioso e Intercultural Rei Abdullah Bin Abdulaziz), ou seja, o centro para o diálogo inter-religioso e intercultural sob o patrocínio do rei da Arábia Saudita, Abdullah, recém-instituído em Viena.
A reportagem é de Heiner Boberski, publicada no sítio Wienerzeitung.at, 23-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para a sua abertura no dia 26 de novembro eram esperadas personalidades importantes de todo o mundo. Ao lado do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, tomariam a palavra representantes de alto nível das religiões mundiais. Base para o centro é o acordo de direito internacional entre Espanha, Áustria e Arábia Saudita, cujo rei assegura os primeiros três anos de vida da instituição, com um financiamento de até 15 milhões de euros.
Desde o início, choveram críticas sobre a criação desse centro. Elmar Kuhn, secretário-geral da organização humanitária Christian Solidarity International (CSI), em julho de 2012, falou de um erro grosseiro, enquanto entre os wahabitas da Arábia Saudita os direitos humanos são pisoteados. O professor de religião islâmica Ednan Aslan, de Viena, lembrou as carências do sistema judiciário da Arábia Saudita e a falta de direitos para os trabalhadores estrangeiros no país.
A Arábia Saudita é um dos estados islâmicos em que estão previstas penas duríssimas, que vão até à morte, por blasfêmia (crime que, naturalmente, pode ser facilmente atribuído a pessoas que não se gostam) ou por renúncia do Islã, e é um país onde é severamente proibido o culto público de outras religiões. E justamente um país, para o qual a liberdade religiosa é uma palavra desconhecida, deve ser qualificado como responsável para levar adiante a compreensão recíproca entre as religiões? Quanto devemos ser ingênuos para não ter dúvidas disso?
"Nada de política, nada de influência. Somos um centro de diálogo", afirma o secretário-geral do KAICIID, Faisal Ben Abdulrahman Bin Muaammar, primeiro vice-ministro da cultura saudita. Ele defende que a Arábia Saudita não irá exercer nenhuma influência sobre o trabalho do Centro. Os representantes das cinco religiões mundiais – cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo e hinduísmo – presentes no Conselho de Administração do KAICIID se oporiam a qualquer influência política. Ele também afirma que as críticas ao novo Centro não existem só na Áustria, mas também na Arábia Saudita. Isso também foi confirmado por Martin Rupprecht, pároco católico em Viena, grande conhecedor do Islã. O rei saudita, após uma visita ao Papa Bento XVI, em 2007, insiste no diálogo inter-religioso, e por isso é atacado duramente pelos islamistas do seu país.
O fato é que a desconfiança em ambos os lados é grande e, ao menos em parte, compreensível. Discriminação de minorias religiosas ocorrem quase em toda parte do mundo. Atualmente, no entanto – embora nem sempre tenha sido assim –, violentas perseguições e pogroms não ocorrem em países de cultura cristã, mas sim na África e na Ásia, onde não são só os muçulmanos que são contra os cristãos (por exemplo no Iraque, no Sudão ou no Egito), mas também hindus contra cristãos e muçulmanos (na Índia), ou budistas contra muçulmanos (na Birmânia/Miammar).
Mas é uma boa notícia que países islâmicos, como agora o presidente egípcio Mohamed Morsi, por ocasião da eleição do novo papa copta Tawadoros II, afirmem solenemente que não querem tolerar discriminações religiosas.
Em uma entrevista à Kathpress, o secretário-geral do CSI, Elmar Kuhn, continua considerando o Centro como uma situação crítica, mas também como uma oportunidade. "Se fosse implementado um autêntico diálogo, isso poderia escancarar as portas, finalmente, para uma convivência respeitosa e pacífica no nosso mundo globalizado".
Os representantes das outras grandes religiões se expressaram com igual prudência. Sem dúvida, é muito perceptível a necessidade de instituições que se preocupem com a conciliação entre as diversas orientações de fé. Foi isso que destacou o superior dos beneditinos, Notker Wolf: "Onde não há nenhum diálogo, as religiões se confrontam. Em primeiro lugar, é preciso que elas se conheçam reciprocamente, mas sempre com a premissa de que as convicções de fé do outro sejam toleradas e consideradas positivamente por cada um". Wolf acredita que o fundamentalismo e o terrorismo são, em primeiro lugar, problemas psicológicos, e não religiosos. "Os muçulmanos também temem o terror", diz Wolf.
Esse eclesiástico, que também é fã de rock pesado e que toca guitarra com gosto, recorda o assassinato de sete monges franceses na Argélia, há cerca de 15 anos, por terroristas islâmicos. Ele acrescenta, porém, que, anteriormente, na mesma região, os mesmos grupos haviam matado 52 imãs, que, aos olhos dos islamistas, pareciam ser muito "amigos dos cristãos".
O fato de que muçulmanos favoráveis ao diálogo vivam em perigo nos países árabes, ou mesmo coloquem em risco a sua vida, deveria nos tornar conscientes da realidade, para além do ceticismo com relação ao centro KAICIID. Portanto, demos uma chance ao novo Centro, levando em conta que, para um diálogo sério entre as religiões e as diversas concepções do mundo, não há verdadeira alternativa.
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Dar uma chance ao diálogo inter-religioso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU