27 Julho 2017
“Dar um nome às vítimas dessas torturas é uma tarefa muito difícil, mas crucial para restaurar dignidade individual a uma memória que, de outro modo, permaneceria esquecida em uma vala comum.”
A opinião é do médico italiano Sergio Harari, do Hospital San Giuseppe, de Milão, em artigo publicado por Corriere della Sera, 26-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muitas gerações de médicos se formaram estudando com o Pernkopf, um dos mais famosos atlas de anatomia humana, rico em imagens que ilustram de modo extraordinário órgãos e aparelhos, mas poucos sabem que alguns desses projetos eram assinados com suásticas. A dúvida é de que detentos nos campos de concentração do Terceiro Reich tenham sido assassinados para serem usados como preparados anatômicos, inspiração para as ilustrações do texto.
É um artigo doloroso e terrível que o historiador Philip Ball acaba de escrever para a Lancet, no qual nos lembra aquilo que aconteceu e nos ajuda a refletir sobre muitas coisas que esquecemos. Como a cumplicidade das empresas farmacêuticas alemãs que concordavam com médicos ambiciosos e sem escrúpulos (que, em muitos casos, mesmo depois da guerra, continuaram as suas imperturbáveis carreiras acadêmicas) experimentações de novos fármacos sobre os internos, infectados propositalmente.
Em dezembro de 1943, a própria Lancet publicou uma pesquisa do alemão Erwin Ding sobre a vacina para o tifo. O estranho era que a infecção tinha ocorrido em centenas de indivíduos em um arco de tempo muito curto, tanto que o comentador do estudo tinham assinalado essa particularidade, deixando transparecer a dúvida de uma contaminação de massa.
Os estudos e os experimentos citados por Ball são muitos. Muitas vezes, trata-se de exposições a situações extremas para avaliar as resistências físicas às quais os soldados em guerra podiam ser submetidos. Poupo ao leitor as descrições.
As estimativas sobre as vítimas são difíceis. Avalia-se que podem ter sido entre 15 mil e 27 mil, em parte judeus, mas também muitos ciganos. Ball escreve que esta não era uma pseudociência, mas uma verdadeira ciência sem ética nem moral. Eu não sei se a definição de ciência, entendida como progresso dos conhecimentos, também pode incluir isso.
Uma iniciativa importante, financiada pelo Wellcome Trust e promovida por um renomado historiador da medicina, Paul Weindling, quer hoje dar um nome às vítimas dessas torturas, uma tarefa muito difícil, mas crucial para restaurar dignidade individual a uma memória que, de outro modo, permaneceria esquecida em uma vala comum.
Esse terrível pedaço da história nos lembra da importância do consentimento informado do paciente, fruto do Código de Nüremberg, um ponto de virada para a moderna ética médica, que impõe o respeito do paciente e a total ausência de qualquer forma de coerção. Na memória presente e futura.
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Por que é preciso dar um nome às vítimas da medicina nazista. Artigo de Sergio Harari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU