24 Mai 2017
Michael Haneke passeia pelo Festival de Cannes como se fosse sua casa. Na realidade, poderia ser sua segunda residência.
Toda a sua carreira está ligada à competição. Desde seus primeiros filmes, O Sétimo Continente e O Vídeo de Benny, que participaram da Quinzena dos Diretores, aos dois últimos, A Fita Branca e Amor, que ganharam a Palma de Ouro. Ele ri. Não é homem de muitas palavras. Prefere que sejam os filmes a contar suas próprias histórias. E em Happy End mostra a queda de uma família da alta burguesia francesa, um grupo com seus divórcios, suas solidões, seus filhos abandonados... e rodeados pela última onda de refugiados, já que vivem em Calais.
A reportagem é de Gregorio Belinchón, publicada por El País, 23-05-2017.
Esta é a quarta vez que Haneke filma com Isabelle Huppert, e a segunda com outra lenda do cinema francês, Jean-Louis Trintignant, que, aos 86 anos, discorreu sobre sua felicidade de ter atuado com o cineasta: “Sempre é um prazer trabalhar com Michael. Ele é muito bom na exploração psicológica. É um diretor muito preciso”. Sobre o final, aberto, no qual acaba submerso no mar, o ator explicou: “Filmamos a cena em três dias, e é muito ambíguo. Michael decidiu que seria assim, e, por isso, eu também estou contente”. E começa a rir. A seu lado, Haneke completa a descrição. “A água estava fria, o mar o congelava e não estávamos seguros de que tínhamos alcançado sua força visual”. Ao que o ator respondeu: “Pedi aos produtores que gravássemos o final já em Cannes, onde o tempo estaria melhor, e assim já ficaríamos por aqui”.
Haneke fez algumas descrições mais detalhadas de sua maneira de trabalhar. Por exemplo, com a violência, e com o fato de no filme haver diferentes momentos explosivos e um grande acidente laboral: “Nos meus filmes sempre há tomadas longas.
Não gosto de mostrar a violência em primeiro plano. Para mim, a distância é a maneira mais correta de mostrá-la”. Em Happy End há uma presença constante das redes sociais, que o cineasta explica assim: “O mundo mudou muitíssimo nos últimos 20 anos. Submergiu em águas turbulentas. Não se pode descrever o mundo atual sem as redes sociais, mas não é esse o assunto do filme”. Mas em seguida destacou: “As redes sociais não são a vida real. Sua superficialidade marca as relações atuais”.
Curiosamente, quando acabou Amor, o diretor escreveu um roteiro que estava mais relacionado com as novas formas de comunicação, Flashmob. “Perdi dois anos nesse filme e decidi não fazê-lo, não tinha ele claro na cabeça. É verdade que alguns detalhes daquele roteiro estão neste”. O diretor escreve seus roteiros rapidamente e logo teve um novo: “Decidi olhar para a frente. Junto os personagens e suas vivências, e crio a trama. Não é tão fácil quanto parece porque na realidade não há grandes surpresas nem artifícios em Happy End. Mas, sim, queria que ficassem claras as linhas que sobrevoam o argumento. Minha aposta é mostrar o menos possível para que seja a imaginação do espectador que complete o filme”.
Essas lacunas a serem preenchidas pelos espectadores são o que levam Haneke a rejeitar muitas perguntas. Quando lhe pediram que aprofundasse a sequência na qual um grupo de refugiados subsaarianos acaba comendo em uma festa familiar, cortou a questão: “Não quero responder sobre os imigrantes, porque é você quem tem que responder a essa pergunta. Eu coloco pistas para o espectador e ele tem que encontrar suas respostas”. Fez o mesmo quando o moderador pediu a uma atriz que comentasse seu personagem, pouco delineado na tela: “Não descreva sua personagem. Essa é uma pergunta horrorosa que nunca se deve fazer”. O elenco completo, que o rodeava na entrevista, incluindo Isabelle Huppert, Mathieu Kassovitz e Toby Jones, tampouco trouxe à conversa mais do que um “Que prazer trabalhar com Michael, sempre estarei a postos quando ele me chamar de novo”.
Michael Haneke falou mais de seu trabalho com o diretor de fotografia, e após um longo discurso, resumiu, voltando à sua famosa precisão: “Em uma filmagem gosto que os atores me surpreendam, e não os aspectos técnicos”
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Michael Haneke: “O mundo submergiu em águas turbulentas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU