12 Mai 2017
“Quando alguém é ordenado na Igreja anglicana e se torna pároco de uma comunidade, não podemos dizer que nada tenha acontecido, que tudo é “inválido”. O presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, cardeal Francesco Coccopalmerio, acaba de colocar em dúvida a determinação do Papa Leão XIII na bula Apostolicae curae, na qual proclamava que as ordenações anglicanas “são absolutamente nulas e sem efeito”.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 11-05-2017. A tradução é do Cepat.
De acordo com o Tablet, Coccopalmerio – uma das autoridades mais importantes na Igreja no que diz respeito à interpretação das leis canônicas – defendeu que a Igreja reconsidere sua negativa em reconhecer o sacerdócio da Igreja da Inglaterra. Fez isto na última entrega das atas das chamadas Conversações de Malines - um foro de diálogo católico-anglicano -, um volume para o qual o purpurado contribuiu com um trabalho.
Para o cardeal, no centro do assunto não estão apenas as realidades pastorais às quais os sacerdotes anglicanos se entregam sem reserva, como também um conceito de “validade” na Igreja católica que é muito inflexível.
“A questão da validade... não é uma questão de lei, mas de doutrina”, escreve Coccopalmerio. “Tivemos e ainda temos uma compreensão muito rígida da validade e da invalidade: isto é válido e aquilo não. Dever-se-ia poder dizer: ‘isto é válido em um determinado contexto, e aquilo é válido em outro’”. “Isto se trata da vida de uma pessoa e o que ofereceu... são coisas muito importantes!”, afirma.
Uma base importante na qual se apoia o purpurado para apresentar seu argumento são as mostras de carinho, em tempos recentes, entre diferentes papas e os arcebispos de Canterbury, os cabeças da Igreja anglicana. Nestas ocasiões, cabe recordar, fizeram trocas de objetos litúrgicos, tais como cruzes peitorais. No encontro histórico de 1966, por exemplo, entre o Papa Paulo VI e o então arcebispo de Canterbury, Michael Ramsey – reunião que abriu a etapa moderna de aproximação entre as duas comunidades eclesiais –, o bispo de Roma entregou a seu homólogo não só seu anel episcopal, como também um cálice.
(Foto: Religión Digital)
“O que significa quando Papa Paulo VI deu um cálice ao arcebispo de Canterbury?”, questiona-se Coccopalmerio em seu trabalho. “Se foi para que celebrasse com ele a Ceia do Senhor, a Eucaristia, foi para que a celebrasse validamente, não é?”. O cardeal prossegue que, em sua avaliação, o presente de uma taça que continha o Sangue de Cristo “é mais forte” que o de uma cruz peitoral, “porque um cálice não só é utilizado para beber, como também para celebrar a Eucaristia”. “Com estes gestos, a Igreja católica já intui, já reconhece uma realidade”, declara o purpurado.
Contudo, não é só o cardeal Coccopalmerio que defende que a postura da Igreja católica sobre as ordenações anglicanas deve mudar. Também agia assim – ainda que em menor grau – o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Joseph Ratzinger, segundo o trabalho que é publicado, no presente volume, pelo outrora bispo anglicano da Europa, Geoffrey Rowell.
Sobre as ordens anglicanas, o bispo Rowell cita o cardeal Ratzinger, no transcurso das Conversações de Malines, ao efeito que “não podemos fazer nada acerca das palavras de Leão XIII, mas há, não obstante, outras formas de olhar as coisas”. “Quando uma comunidade eclesial, com seu ministério ordenado, em obediência ao mandamento do Senhor, celebra a Eucaristia, os fiéis se encontram nos lugares celestiais, e ali se alimentam de Cristo”, teria dito em certa ocasião, segundo Rowell, o hoje em dia Papa emérito.
Mas, a verdadeira novidade que surge deste último volume do foro católico-anglicano são as declarações do cardeal Coccopalmerio. Palavras que, inclusive, poderiam desencadear em um gesto histórico da Igreja católica para com a Anglicana, neste ano em que se celebra o 500º aniversário da Reforma de Lutero.
“Hoje, as Igrejas estão divididas, ou, ao contrário, dizem que estão divididas porque carecem de elementos comuns que, no entanto, não são fundamentais, pois não são questão de fé”, afirma o purpurado, em relação ao atual estado das relações ecumênicas. “Dizemos: ‘não tem esta realidade, que é questão de fé, por conseguinte estamos divididos’. Mas, na verdade não é nenhuma questão de fé; só aparentamos que seja”. Uma situação menor que merece clareza, acrescenta, que merece que se reexamine até que grau a Igreja católica poderia reconhecer o sacerdócio anglicano.
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Cardeal da Cúria Romana abre a porta ao reconhecimento do sacerdócio anglicano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU