26 Abril 2017
O Papa Francisco não vai ao Egito para “defender os cristãos”. A superficialidade e as distorções com as quais se vê os cristãos do Oriente, a partir do Ocidente, também assediam a iminente e difícil visita do Bispo de Roma ao Cairo. Dão a entender que o líder cristão mais acompanhado pelo sistema midiático global sairá de Roma para oferecer um pouco de visibilidade efêmera aos batizados um pouco desafortunados das Igrejas orientais, espalhados em terras muçulmanas. Mas, seria suficiente ver precisamente os coptas, sua história e sua condição presente, para intuir que talvez o Sucessor de Pedro voa ao Cairo movido pelo espírito de mendigo. Como um peregrino que busca repouso nos rostos e nas palavras dos mártires e dos santos, porque são eles que oferecem o testemunho de que “Cristo está vivo” (homilia do Papa Francisco na Basílica de São Bartolomeu, na Ilha Tiberina, durante a liturgia em memória dos Novos Mártires).
A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 24-04-2017. A tradução é do Cepat.
Os coptas não pedem para ser “defendidos” e tampouco procuram protetores estrangeiros. Reivindicam, às vezes, até mesmo de maneira exasperada, a própria fisionomia de cristianismo autóctone. Dizem que são os “verdadeiros” egípcios, que se tornaram cristãos durante a época da pregação apostólica, muito antes da chegada dos conquistadores muçulmanos. Desde então, sempre mantiveram a própria propensão a se arranjarem sós. Sua própria história os distancia de qualquer tentação de se imaginar como representantes do Ocidente cristão in partibus infidelium.
Durante as controvérsias cristológicas do século V, inclusive a adesão às fórmulas monofisitas (que rejeitavam uma distinção muito nítida entre a natureza humana e a natureza divina de Cristo) e a rejeição ao Concílio de Calcedônia foram adotadas pelos coptas como fator de distinção e contraposição em relação aos “calcedônios” ocupantes bizantinos. Quando chegaram os conquistadores muçulmanos, os coptas os receberam como libertadores.
A forte pegada autóctone dos coptas voltou a surgir com força quando nasceu o Egito moderno, com a massiva participação nas diferentes passagens do processo de emancipação nacional. Grande parte deles, com a benção do Patriarca Cirilo V, envolveram-se no movimento nacionalista contra a dominação britânica, entrando em massa (após a Primeira Guerra Mundial) no Wafd, o bloco nacionalista que levaria o Egito a sua independência. Sua luta comum com os muçulmanos contra os estrangeiros foi sincera e convencida: os coptas não viam nenhum benefício na perpetuação do protetorado britânico, que lhes parecia parte do jogo do proselitismo protestante e das Igrejas ocidentais. Nessa época, o bispo Sergio incitava à revolta, a partir da catedral do Cairo, e a abria aos muçulmanos, depois que o governo, sob a ala britânica, tinha fechado a mesquita de al-Azhar.
Convencidos também da consistência numérica (na atualidade, estima-se que são cerca de 10 milhões, mas eles afirmam ser muito mais), os coptas nunca se submeteram docilmente à condição de minoria remota, essa que o direito muçulmano reserva aos dimes, os que acreditam nas demais religiões abraâmicas. Sua visibilidade social, alimentada pelo “despertar espiritual” de matriz monástica, que se verificou durante o século passado, expressa-se em manifestações exuberantes. Sua devoção não ficou encerrada em seus corações, nem no silêncio de suas igrejas: as peregrinações, os jejuns comunitários, as conferências, as catequeses para jovens nas igrejas em que se pronunciam hábeis pregadores são expressão ordinária de sua vida comunitária.
Na era Mubarak, com sua companhia eclesial estruturada, os coptas representaram (com a Irmandade Muçulmana) a única realidade popular capaz de oferecer redes de proteção social, de saúde e educacional aos próprios fieis. E o perfil não marginal da comunidade copta sempre teve um peso, inclusive nas últimas décadas, no complexo jogo de suas relações com o poder político e com a maioria muçulmana.
Em outros países árabes, como Iraque e Síria, os regimes autoritários “pan-arabistas” representaram portos de sobrevivência para as comunidades cristãs locais. Contudo, para os “volumosos” coptas egípcios nunca foi assim. Após a revolução de 1952, justamente o regime de Nasser, ao insistir na identidade “árabe-muçulmana, tratou de relegá-los à condição marginal de entidade “estrangeira”, assimilando-os com outras comunidades cristãs não autóctones. Durante os anos 1970, para encontrar consensos em sua marcha para se distanciar do socialismo nasseriano filossoviético, o presidente Sadat se abriu ao islã conservador, anunciando a intenção de islamizar a legislação. A mobilização dos coptas, em 1980, contra uma proposta de lei que previa a condenação à morte em caso de apostasia, inaugurou um período de tensões que acentuaram a fenda de mútuo ressentimento entre a comunidade copta e o regime, com Sadat, que fez prender oito bispos e obrigou o Patriarca Shenouda III a se exilar, durante anos, no mosteiro de Anba Bishoy.
Inclusive, na formal proclamação dos princípios do laicismo, sob Sadat e depois sob Mubarak, prosseguiu a marginalização dos cristãos pelos quadros das instituições públicas. Em 1910, entre os funcionários públicos, os coptas representavam 45%, ao passo que no Parlamento, em inícios dos anos 1990, os coptas eram somente 7 de 454. Após as chamadas Primaveras Árabes e o parêntese islamista de Mohamed Morsi, o novo homem forte do Egito, o presidente ex-general Abdel Fattah al-Sisi, demonstra sinais inéditos de atenção e consideração para com a Igreja copta. Durante os últimos anos, ela se tornou o objetivo da violência dos grupos islamistas e dos massacres perpetrados pelo terror jihadista.
Nas relações mais que milenares entre os coptas e os muçulmanos egípcios aconteceu de tudo. Os primeiros governadores muçulmanos garantiram aos coptas um lugar nenhum pouco marginal no interior da nova ordem islâmica. Depois, com os soberanos mamelucos começaram as violências e, sob o domínio dos sultões turcos, os coptas foram reduzidos ao status de minoria étnico-religiosa tolerada e submetida, segundo o sistema otomano das Millet.
No Egito moderno, o crescimento da Irmandade Muçulmana e do islã político contribuíram para a marginalização política dos coptas. Diante do aumento da violência contra os cristãos, durante as últimas décadas (com um saldo aproximado de mais de 1.800 cristãos assassinados nos últimos 35 anos), os coptas nunca esconderam ou minimizaram as perseguições sofridas, mas denunciaram claramente a falta de proteção por parte dos onipresentes aparatos policiais. Contudo, os líderes leigos e eclesiásticos da Igreja copta sempre evitaram reagir à violência com acusações genéricas e indiferenciadas à comunidade muçulmana.
Em suas intervenções oficiais, os líderes coptas sempre chamaram à concórdia inter-religiosa como garantia da unidade do país, reivindicando a própria comunidade de destino com os muçulmanos. E sempre evitaram se identificar excessivamente com o Ocidente. Com os muçulmanos, muitos coptas compartilham também a desconfiança frente aos modelos da modernidade ocidental, considerados como fatores de ateísmo prático e de perda da identidade comunitária. Durante as últimas décadas, esta linha “realista” só tem sido contestada e colocada em dificuldades pelo ativismo de alguns setores da diáspora copta nos Estados Unidos, Canadá e Austrália.
As redes do terror têm muito claro qual é o caminho para desestabilizar o Egito e sabem que passa pela deliberada provocação de enfrentamentos confessionais entre os coptas e os muçulmanos. No entanto, já em 1981, quando os ataques contra cristãos provocaram 17 mortes em Zawiya-el-Hamra, o Conselho comunitário da Igreja copta se referia a um Egito em que “os minaretes e os campanários se abraçam”, e onde a unidade nacional havia nascido com as batalhas em que “o sangue do muçulmano se misturou com o sangue do cristão”.
Desse modo, os cristãos coptas se distanciam das armadilhas do sectarismo. E, sobretudo, continuam tendo uma visão cristã frente aos casos martiriais que vivem em carne e osso, evitando protestos e recriminações “perseguicionistas”. Diante dos últimos massacres de coptas, perpetrados pelos terroristas em duas igrejas, no Domingo de Ramos, o Patriarca Tawadros II consolou os irmãos convidando-os a considerar que as vítimas, justamente por ter morrido nesse dia, levaram “os ramos de palma e de oliveira ao próprio Cristo”, e no momento do martírio, passando através da dor, chegaram “à alegria gloriosa da Ressurreição”.
Se esta é a história passada e recente da Igreja copta, talvez deveriam considerá-la certos auto-eleitos “protetores” tresnoitados, que com suas fúrias militantes mortificam e insultam os cristãos do Oriente, tratando-os como agentes sequestrados em terras estrangeiras.
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O tesouro dos Coptas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU