20 Abril 2017
Entrevista com o padre David Kinnear Glenday, comboniano, secretário da União de Superiores Gerais (USG). A diminuição das vocações e os escândalos deixaram marcas, mas há sinais de esperança. O magistério de Francisco “é fonte de energia para os religiosos”.
A entrevista é de Francesco Peloso e publicada por Vatican Insider, 19-04-2017. A tradução é de André Langer.
Padre Glenday, você tem origens escocesas e desde 2009 é secretário da União de Superiores Gerais; parece que na Europa a vida religiosa sofre uma crônica diminuição de vocações. Concorda?
Vamos admitir que, em geral, na Europa há uma diminuição das vocações. Mas, em primeiro lugar, isso nem sempre é verdade; em segundo lugar, se hoje um jovem francês decide seguir a vida religiosa, isso indica uma escolha muito radical. E então, talvez, é verdade que não há grande quantidade, mas haverá um pouco de qualidade, porque este rapaz, ou esta moça, deve tomar uma decisão semelhante sem muitos apoios sociais ou familiares, com uma convicção extrema. Além disso, creio que os religiosos e as religiosas na Europa vivem o fenômeno atual sem pânico, pensando que talvez este seja o momento para voltar às raízes, para redescobrir a essência da vida religiosa; além disso, existe a convicção de que na Europa a vida religiosa, que se renovou tantas vezes nos séculos passados, voltará a se renovar mais cedo ou mais tarde. E depois, numericamente, quem sabe: pode ser que (digo isso em tom de brincadeira), que talvez antes havia demais. Mas no fundo não se trata de uma brincadeira, porque um aspecto deste fenômeno é que hoje existe a consciência de se poder dedicar ao Senhor em muitos “estados”, inclusive como leigos, por exemplo.
Olhando para além da Europa a coisa muda...
Pessoalmente, não me entusiasmam aqueles que se consolam dizendo: “Beh, somos poucos na Europa, mas somos muitos em outros lugares, na Ásia ou na África...”. Porque se vê muito claramente que fatores que influíram negativamente na Europa começam a chegar a outras realidades e países. Pensemos, por exemplo, na urbanização: a Igreja, na minha opinião, não resolveu o problema da urbanização e creio que também a vida religiosa tem este problema. Eu trabalhei 11 anos em Manila e constatei que hoje é muito mais difícil ter respostas vocacionais do que no passado, porque a desagregação é maior, o ambiente e o contexto social não ajudam, não há formação. Com outras palavras, convém enfrentar as dificuldades europeias, porque isso nos ajudará a enfrentar os mesmos problemas em outros lugares.
Qual é a situação na África?
Em algumas regiões pode-se ainda ter uma boa resposta em termos numéricos, mas evidentemente necessita-se de um discernimento atento para evitar que a atração da vida religiosa se deva a uma falta de alternativas de vida. No entanto, nós combonianos, por exemplo, agora nos encontramos com uma situação em que quase todos os provinciais superiores das Províncias africanas são de origem africana, então: há uma resposta vocacional, inclusive em termos numéricos, capaz de conter uma resposta de consagrados de valor.
Como tem sido recebido o magistério do Papa Francisco pela vida religiosa, considerando que se orienta muito mais para temas sociais, para a relação entre Norte e Sul do mundo?
A recepção em grande medida, diria, foi entusiasta. Além disso, devemos considerar que o próprio Papa é um “religioso” e não apenas no papel; é religioso como pessoa, em sua forma de conceber seu ministério, quer dizer, um ministério de reforma da Igreja, de renovação, que é a semente de qualquer instituto, de qualquer fundador que queria renovar a Igreja. Em consequência, encontramo-nos muito em sintonia; e depois, nos entusiasma e nos desafia pelo impulso missionário que promove, a ideia da Igreja em saída. Outra brincadeira: estávamos acostumados, em relação à Igreja institucional, a nos pensar na vanguarda, mas agora com Francisco nos vemos obrigados a correr atrás dele; não se economizam nem desafios nem pedidos. E também demonstra um vivo interesse pela vida religiosa, reúne-se com grupos de religiosos, sempre se encontrou com as duas uniões (de superiores e de superioras) quando o pediram, e inclusive para diálogos de certa densidade. Por isso, digo que é fonte de energia para os religiosos e, às vezes, também cria esse saudável “desconforto” que é um desafio.
Nos últimos anos surgiram problemas sobre a má gestão financeira por parte de muitos Institutos. O que acha que está acontecendo?
Os problemas que surgiram foram uma espécie de alarma ou de despertador; uma lição que aprendemos é que devemos fazer funcionar os “check and balances” que já existem em nossas constituições. O superior geral não pode agir sozinho em certas coisas, deve contar com o voto do seu conselho; o ecônomo se vê obrigado a referir ao geral e ao conselho. Quando estes e outros mecanismos de garantia não funcionam ou são ignorados, nascem os problemas. Porque algumas coisas teriam sido de fácil solução. Com respeito a outros casos que surgiram, a reação dos institutos envolvidos foi fundamentalmente saudável, embora difícil; trataram de aprender da experiência. Inclusive porque, quando se tratou de coisas muito graves, vivemos um momento de purificação.
Você vive há vários anos na Itália, onde surgiram vários destes escândalos financeiros, mas também é um país do qual saíram muitíssimos missionários...
Os desafios são grandes, assim como as dificuldades, e creio que pode haver uma certa resistência a aproveitar o momento atual como oportunidade, em vez de declínio ou desastre. E depois, não sei quão positivo seja a relação entre a vida religiosa e a Igreja local, creio que poderia crescer o sentimento de comunhão em benefício de todos. Mas ainda há muitos recursos humanos para a vida religiosa. Penso, por exemplo, em todas as famílias franciscanas, que me parece que ainda têm muita vivacidade (também vocacional). Mas também é verdade: a Itália tem muitos missionários no mundo, razão pela qual a situação é de desafio, de oportunidade e, claro, há algumas resistências, mas há muitas possibilidades para o futuro.
Falemos sobre a Irlanda. De grande nação católica a país que viveu uma profunda crise em sua relação com a Igreja e com os institutos religiosos, devido principalmente aos escândalos dos abusos de menores. Como vão as coisas hoje?
Tenho a impressão de que a situação ainda é difícil, tanto para a Igreja como para a vida religiosa. Mas na base, nas paróquias, a prática religiosa ainda é forte, algumas ordens religiosas estão inclusive crescendo, mas isto não quer dizer que não seja um momento muito difícil devido aos problemas que surgiram. E isto está influenciando, mas as pessoas sabem distinguir, sabem dizer: “Houve muitas coisas negativas, mas nem tudo é negativo”. Partindo desta semente positiva, amadurece também a prática religiosa. Mas, claramente, trata-se de um cenário completamente diferente em relação àquele que havia há 50 anos, quando a Irlanda mandava para todo o mundo padre, monjas, irmãos e irmãs.
De qualquer maneira, o Papa irá à Irlanda por ocasião do Encontro Mundial das Famílias de 2018, um fato relevante...
Sim, uma coisa importantíssima, segundo o seu estilo. É evidente que ele, se poderia dizer, quanto mais hostil é o lugar, mais ele quer ir. E depois devemos considerar que houve uma grande renovação do episcopado irlandês, e também que no passado houve relações difíceis entre a Santa Sé e o governo, mas que agora foram superadas.
Padre Glenday, no mundo há cerca de 800 mil religiosas e 200 mil religiosos. Vocês colaboram reciprocamente?
No nível das duas uniões (a dos superiores e das superioras, ndr.), nos reunimos regularmente. Além disso, há algumas comissões comuns nas quais colaboramos: saúde, educação, diálogo, justiça e paz. Também há uma justa autonomia, porque os interesses são diferentes com outras questões.
Francisco falou da hipótese dos “viri probati”, pediu que a questão fosse discutida. Que papel podem ter os leigos na Igreja?
Creio que ainda é um campo que devemos desenvolver mais; quanto ao sacramento da ordem e assim, o Papa disse: “Vamos discuti-lo!”; o que significa que não está proibido, então se pode também pensar que poderia ser uma coisa boa. Mas, claro, toda a questão dos leigos, das leigas, pode ser desenvolvida, há muito a se fazer.
Vocês, como USG, declararam que em algumas regiões do mundo faltam missionários. Vocês trabalham com áreas geográficas específicas?
Infelizmente, falta um planejamento missionário. Existe apenas em nível informal. A Igreja na África fala em “solidariedade pastoral orgânica”, mas nunca se colocou em prática. Aqui, dentro das duas uniões, nasceu uma iniciativa de solidariedade com o Sudão do Sul para desenvolver um trabalho nesse país, e é um pequeno exemplo. E depois há os irmãos maristas e os lassalistas que se uniram para fazer um trabalho com os refugiados sírios no Líbano. Mas, infelizmente, falta um planejamento mundial deste tipo. Somos lentos nestas coisas e temos que trabalhar sobre isso, porque estamos falando de um milhão de pessoas (entre religiosos e religiosas, ndr.), um exército muito presente nas fronteiras, que poderia estar um pouco melhor organizado.
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“Para a vida religiosa, a crise é uma oportunidade de mudança”. Entrevista com David Kinnear Glenday - Instituto Humanitas Unisinos - IHU