18 Dezembro 2014
A mulher que representa dezenas de milhares de irmãs católicas dos Estados Unidos disse esperar que a divulgação de um relatório sobre a polêmica investigação de seis anos por parte do Vaticano da vida e do trabalho das religiosas possa levar a "um maior perdão e reconciliação" entre as irmãs e as lideranças da Igreja.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 16-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Questionada sobre as irmãs que continuam com raiva por causa do processo de investigação, a Ir. Sharon Holland, das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, disse estar preocupada com essas irmãs e quer ouvi-las.
"Às vezes, quando estamos temerosas e nos sentimos impotentes, externamos isso na raiva", disse Holland, presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR).
"Eu acho que vamos ter que olhar para o próprio documento (…), movermo-nos a um maior perdão e reconciliação onde for necessário", disse. "Temos de ouvir uns aos outros e tentar entender de onde as pessoas vêm."
Holland, cuja LCWR representa 80% das cerca de 57 mil irmãs norte-americanas, estava respondendo a uma pergunta do NCR em uma coletiva de imprensa do Vaticano na terça-feira passada por causa da divulgação do relatório de uma investigação do Vaticano sobre as irmãs católicas dos EUA, conhecida como visitação apostólica.
Mais tarde, em uma entrevista exclusiva de 20 minutos com o NCR, Holland disse esperar que as irmãs se concentrem mais no resultado do relatório do que na forma como a investigação começou.
"Provavelmente, não há nenhuma resposta satisfatória real para o porquê de isso ter acontecido, em primeiro lugar", disse ela. "Eu não sei como podemos reconstruir isso. A única coisa que eu acho que nós temos que insistir é o resultado, e o resultado não é só o relatório, mas também a nossa experiência do processo."
A investigação vaticana, conhecido formalmente como visitação apostólica, foi lançada pela Congregação para os Religiosos do Vaticano, em 2008, com a aprovação do Papa Bento XVI. O relatório de terça-feira da investigação traz um tom positivo em relação à vida e ao trabalho das irmãs, mas também inclui várias críticas ocultas, mas duras, em relação a elas.
Holland, respeitada canonista, atuou como membro da equipe da Congregação para os Religiosos do Vaticano entre 1988 e 2009, deixando a função pouco depois que a visitação apostólica foi lançada. Ela disse na entrevista ao NCR que o processo da visitação resultou em uma compreensão mais profunda do estado da vida religiosa nos EUA.
"É o fim da visitação, mas é o começo de outra oportunidade de ir mais fundo e de ver aonde isso nos leva", disse.
Holland também abordou a investigação vaticano separada do seu grupo por parte Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
Como parte dessa investigação doutrinal, o Papa Bento XVI, em 2012, nomeou o arcebispo de Seattle, Peter Sartain, como o supervisor da LCWR por cinco anos, dando-lhe amplo poder para reformar os seus estatutos, programas e afiliações.
"A avaliação e o mandato doutrinal foram dados em uma janela de cinco anos", disse Holland. "Estamos no terceiro ano. E eu diria que estamos trabalhando muito bem, em estreita colaboração com os delegados, especialmente com o arcebispo Sartain, que é uma espécie de liderança em tudo isso."
"Estou muito esperançosa de que vamos avançar para uma boa resolução nisso", disse. "Eu sinto que estamos trabalhando bem juntos e que vamos chegar a uma conclusão sobre isso. Obviamente, não posso dizer quando ou exatamente como."
Eis a entrevista.
Você pode falar sobre qual é a sensação de ter concluído essa investigação depois de seis anos? No fim da sua fala na coletiva de imprensa, você mencionou que isso pode expressar a alegria do Evangelho. O que você quer dizer com isso? O que você acha alegre nisso?
Acho alegre o fato de ter se chegado àquela que eu considero como uma resolução muito positiva. Eu achei o relatório realmente muito objetiva e encorajador. É desafiador, mas afirmativo. E, para mim, isso é uma coisa muito positiva. Eu não estava na liderança no momento em que ela começou. Eu tive algum envolvimento com ela quando os materiais chegaram à nossa congregação. Eu tinha voltada para casa naquela época. Eu ainda estava trabalhando aqui em Roma quando ela foi anunciada. Então, quando eu cheguei em casa, as pessoas estavam trabalhando no questionário. Eu não estive tão envolvida ativamente, até os tempos mais recentes.
Você não estava na liderança da LCWR ou na ordem há seis anos, mas obviamente você e muitas irmãs estavam esperando por isso. Como o clima da visitação mudou nesse tempo? Na coletiva de imprensa, muitos mencionaram a apreensão inicial, mas o clima em torno dela mudou?
Eu acho que provavelmente mudou de forma diferente para pessoas diferentes. É um pouco difícil dizer o que 50 mil religiosas pensam. Provavelmente, desde que foi anunciado que o relatório estava chegando, aumentou o interesse novamente. Algumas pessoas pensavam que talvez nunca haveria um relatório. E dessas muitas pessoas você pode ter muitos pensamentos diferentes sobre as coisas. Eu diria que o anúncio de que o relatório estava vindo, tornou as pessoas realmente conscientes dele e aumentou o interesse por ele novamente. Eu acho que ele não estava na mente de todos constantemente, porque houve um grande lapso de tempo desde que soubemos que o relatório da Madre Clare Millea tinha começado e depois mais nada, por razões que foram explicadas nesta manhã. As pessoas continuam com as suas vidas e, depois, quando ele surge de novo, elas dizem: "Agora vamos ter alguma coisa".
É quase algo no pano de fundo?
Eu acho que não estava no topo da mente das pessoas.
Eu perguntei antes o que você poderia dizer para as irmãs que ainda estão com medo ou ainda têm um pouco de raiva sobre isso. Você falou sobre ouvir uns aos outros, ter uma atitude de perdão. Além disso, o que você diria para as irmãs que pensavam que o processo era injusto? Isso porque talvez as razões para a investigação não estavam sempre muito claras, porque algumas das coisas ainda eram sigilosas – o relatório da Madre Millea para a Congregação não será tornado público. O que você diria para as irmãs que sentem ou pensam isso?
Eu suponho que você tenha que continuar falando sobre isso e fazendo perguntas. Eu acho que é bastante normal que as centenas de páginas do relatório sobre todas as congregações não seriam tornadas públicas a todos, porque há a confidencialidade, a privacidade e o respeito pelos institutos individuais. Eu não acho que, pensando concretamente, não faria sentido enviar a todas nós as centenas de páginas do relatório. Provavelmente não há nenhuma resposta satisfatória real para por que isso aconteceu, em primeiro lugar. Eu não sei como podemos reconstruir isso.
Acho que devemos insistir no resultado, e o resultado não é apenas o relatório, mas também a nossa experiência do processo. E algumas pessoas comentaram sobre isso nesta manhã, eu acho, de que o trabalho em conjunto dentro de um instituto reavaliando, olhando para as constituições, para a missão, para a espiritualidade, para nós mesmos foi proveitoso e profundo para as nossas vidas. Nós temos uma grande colaboração entre institutos nos Estados Unidos, mas, mais uma vez, ela foi fortalecida enquanto as congregações conversavam entre si e falou sobre: "Como vocês estão fazendo isso e como estão gerindo isso?".
Então, houve um fortalecimento dessa colaboração, um reforço da nossa verdadeira crença na nossa vida religiosa e na sua importância na Igreja e na promoção da missão da Igreja. E eu diria que algo bastante inesperado de tudo isso foi o surgimento de um interesse, da preocupação e do apoio dos leigos que acreditam no que estamos fazendo, no que somos e que trabalham conosco nos ministérios. Nós não pedimos isso, mas isso surgiu e foi outro fruto, que pode ser considerado como outra parte da comunhão eclesial. Eu gostei de que, no relatório, quando se fala da comunhão eclesial, fala-se de todos na Igreja – clero, religiosos, leigos, juntos, em comunhão.
Algo que eu notei ao participar das assembleias da LCWR e ao falar com os membros e com os leigos que apoiam as irmãs é que os leigos certamente olham para a LCWR como um modelo de liderança colaborativa, uma espécie de processo que envolve muitas vozes. Você viu as irmãs trabalhando nesse sentido para o Vaticano nesse processo?
Bem, é certamente o processo que usamos. E nós os usamos nos nossos institutos e usamos na LCWR. Muitas vezes, falamos de um processo contemplativo de tomada de decisão, que leva tempo para o silêncio, a oração e a reflexão, bem como para o diálogo e para a escuta uma da outra. Sentimos que ele está dando frutos – que estamos mais atentas ao Espírito dessa forma e que há uma maior comunhão para se chegar a decisões delicadas às vezes. Eu acho que talvez ele [o cardeal João Braz de Aviz, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica] não está usando a mesma língua, mas acho que o cardeal prefeito também está falando sobre diálogo, relações e a cultura do encontro de Francisco. Eu acho que todas essas coisas estão um pouco relacionadas.
Um aspecto do relatório que me surpreendeu foi a sua admissão bastante franca de que o número de religiosas nos EUA nos anos 1960 era uma aberração. Essa é a primeira vez que vejo isso por parte do Vaticano. Você acha que o problema está resolvido agora? Se sim, como vocês, como religiosas, reimaginam a vida religiosa nesta época, quando não há mais 125 mil irmãs?
Eu não sei se alguma coisa fica completamente resolvida, mas acho que essa foi uma observação importante, porque o pico das vocações nos anos 1960 está resultando em um pico de idosas agora. E é apenas um fato. Eu acho que a aparição do fato no relatório diz que não esperamos encontrar alguma solução mágica para se ter tantas noviças quanto tínhamos nos anos 1960. A Igreja mudou. Temos muito mais trabalho colaborativo com os leigos nas escolas, na área da saúde, em todos os tipos de coisas. Os leigos na Igreja têm um papel importante agora, que não era imaginado antes do Vaticano II. Então, sim, nós ainda queremos vocações se uma pessoa é chamada para a vida consagrada. Mas não apenas para fazer o trabalho. Podemos envolver muitas de nós no ministério. Mas há algo único no chamado a uma vida consagrada, totalmente entregue a Deus no serviço e no ministério. Não é só querer vocações para fazer o trabalho, mas um chamado real.
E é aí que o relatório fala sobre as associações leigas e a continuidade do carisma em associações leigas de religiosos.
Sim, é algo interessante que foi evoluindo, porque muitos de nossos colaboradores no ministério não são formalmente leigos associados ao instituto. Portanto, há a relação de associados, que, de alguma forma, querem esse tipo de vínculo conosco, mas há também um grande corpo de associados, colaboradores no ministério, que estão continuando o trabalho no espírito do instituto, que não estão necessariamente associados. Há muitos tipos diferentes de relações.
Estamos falando de carisma, de identidade, de mudanças na compreensão da vocação religiosa ao longo de 50 anos. Parece-me que esse relatório está estimulando conversas que talvez não tinha a intenção, que estão realmente falando de coisas profundas sobre a vida religiosa. É uma boa leitura?
Sim. É por isso que eu pensei que era importante dizer que temos que ler, estudar, rezar e discutir o documento. E a forma como ele será implementado, desdobrado, a forma como ele dará fruto pode ser diferente em institutos diferentes, em termos daquilo que realmente chama a atenção deles. É um fim para a visitação, mas é um começo de outra oportunidade para ir mais fundo e para ver aonde isso nos leva.
Quase como uma conversa tão ampla quanto a Igreja?
Sim.
Eu sei que o mandato apostólico e o doutrinal mandato à LCWR são coisas diferentes, mas eu sei que muitas pessoas pensam neles quase como dois pilares que vêm à sua mente ao mesmo tempo. Você pode nos dizer algo sobre onde se encontram as conversas sobre o mandato doutrinal?
De certa forma, a ideia dos dois pilares não é justa, porque não são inteiramente as mesmas pessoas. Mas a avaliação e o mandato doutrinal receberam uma janela de cinco anos. Acho que estamos no terceiro ano. E eu diria que estamos trabalhando muito bem, em estreita colaboração com os delegados, especialmente com o arcebispo Sartain, que é uma espécie de liderança nisso. Estou muito esperançosa de que vamos avançar a uma boa resolução para isso. Os estatutos da conferência – acho que isso é conhecido – serão revisto e estão sendo aprovados. Acho que eles ainda estão em um escritório lá em algum lugar, esperando pela aprovação final, mas eles estiveram ocupados com a visitação. Mas eu sinto que estamos trabalhando bem em conjunto e que vamos nos mover em direção a uma conclusão sobre isso. Obviamente, eu não posso dizer quando ou como exatamente.
Então, as constituições da LCWR estão sendo analisados pela Congregação para a Doutrina da Fé, é isso?
Elas já passaram por um processo inteiro com a subcomissão dos delegados, foram aprovadas pela nossa assembleia, foram aprovadas, eu acho, pela Congregação para a Doutrina da Fé, e cabe à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica a aprovação final dos estatutos de uma conferência. Então, essa parte do mandato está indo bem no seu caminho.
Você falou com o arcebispo Sartain sobre o relatório da visitação, sobre o que está acontecendo hoje?
Eu acho que não conversamos com ele desde que se anunciou que o relatório estava saindo. Não é precisamente o mandato dele, mas ele certamente vai se interessar. Tenho certeza de que ele está prestando atenção ao que está acontecendo.
Você é alguém que tem um histórico único. Você está na liderança da LCWR e da sua ordem, mas já trabalhou antes aqui no Vaticano. Você tem alguma intuição específica sobre o funcionamento do Vaticano aqui, que poderia ser útil que as irmãs ou os leigos soubessem no contexto do relatório de hoje?
Eu não sei o que eu poderia dizer em geral, mas, de vez em quando, em conversas sobre a visitação apostólica, algo que eu aprendi trabalhando aqui é uma informação útil para interpretar algo ou para dizer que se trata de um procedimento normal, ou apenas protocolo, como as coisas vão. Às vezes, como as pessoas não sabem grande parte de como as coisas acontecem aqui, as coisas podem ser mais alarmantes do que precisam ser, ou elas podem atribuir outras motivações para coisas que realmente não têm qualquer significado particular. Não é algo de que eu possa dar um exemplo concreto exatamente, mas, tendo estado no sistema por um longo tempo, você chega a ter uma sensação de como as coisas funcionam ou não funcionam.
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