Por: Ricardo Machado | 19 Abril 2017
O fio que liga a tenra infância, com suas dúvidas e fantasias, ao tempo presente se constrói ao longo de toda uma existência. Carolina Joana da Silva, quando criança gostava dos tempos de cheia no pantanal, porque era época de abundância, entristecia-se na época vazante, de estiagem. Foi a dúvida sobre do destino das águas que a transformou em professora e pesquisadora. “Eu sempre me perguntava para onde iam as águas o pantanal, pois na enchente era muito bom e na estiagem muito ruim. Eu não aceitava que ela ia embora”, conta Carolina, professora doutora e pesquisadora da Universidade do Estado do Mato Grosso – UNEMAT, ao inciar sua conferência Impactos ambientais e contrassensos no pantanal brasileiro. O evento realizado na noite da terça-feira, 18-4-2017, integra a programação da 14ª Páscoa IHU e ocorreu na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
E foi a inquietação infantil que a levou a estudar o meio ambiente em sua complexidade. Durante sua exposição, a professora chamou atenção para o fato de que, embora o pantanal possua uma certa extensão territorial e geográfica bastante definida, ele se conecta a vários outros biomas por meio dos ciclos das chuvas e pelas conexões hidrológicas. “Nós somos unidos à Amazônia pelas águas, pelas chuva, pelos rios voadores. O desmatamento na Amazônia vai influenciar as águas do Pantanal, que vai influenciar o Cerrado, que vai influenciar o Pampa por meio do Aquífero Guarani”, explica.
Além disso, o Pantanal funciona como uma espécie de represa, o que cria um ambiente favorável a certos animais. “Ainda que no pantanal não haja uma biodiversidade de fauna tão rica quanto na amazônia, podemos perceber no pantanal a abundância de algumas espécies. Não há 10 mil espécies, mas as que se vê na região pantaneira são de grandes populações”, compara. Ainda que o imaginário sobre o pantanal, quando se refere à matriz econômica esteja muito associado à pecuária, a professora desmistifica essa imagem. “Quando se fala em Pantanal, o que vemos na TV são aqueles programas com imagens de bois e boiadeiros como a expressão econômica mais pulsante. No entanto, isso está mudando, porque o turismo tem se tornado a economia mais forte e é o turismo de biodiversidade. Isso é a expressão de um valor que vem mudando”, pontua.
Carolina Joana da Silva, da Unemat, discutiu as complexidades do bioma pantanal (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
O Pantanal é reconhecido por ser um espaço de fluxos de água, mas o interesse em construir barragens na região, o que já é uma realidade no Alto Xingu, tem se transformado em uma das principais ameaças, distinguíveis, ao menos, em três níveis: locais, regionais e globais. “As ameaças locais ao pantanal são as pequenas barragens, inclusive, aquelas feitas para criar uma espécie de ancoradouro para barcos de turismo; as ameaças regionais se referem ao desejo de se construir hidrelétricas e seus vários projetos em andamento; no âmbito nacional e global as principais ameaças ao pantanal dizem respeito ao aquecimento global, que diminuiu a extensão da estação chuvosa”, descreve Carolina.
A questão energética parece ser o calcanhar de aquiles do pantanal. “O Brasil tem, como política pública, uma tendência à produção energética focada na matriz hídrica, o que é uma simplificação. Em um país com seis biomas, poderíamos discutir o que cada bioma pode oferecer mais à matriz energética com o menor impacto possível, pois o pantanal, definitivamente, não é lugar para represar água”, acentua.
Mesmo o Brasil sendo signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que prevê a preservação de territórios que garantam as formas de vida das populações indígenas, e da Convenção de Ramsar, que trata da preservação das áreas úmidas, o que se percebe é um avanço contra os direitos sociais e ambientais construídos nas últimas décadas. “Nosso ministro [da agricultura] Blairo Maggi é o maior produtor de soja do país. O que está acontecendo no Brasil é muito grave e isso que ainda nem abrimos o pacote das hidrelétricas. O que se percebe, em longo prazo, é como as políticas e os processos de corrupção trazem um impacto ambiental tremendo”, avalia Carolina. “Atualmente é muito difícil discutir a agricultura . As pessoas que chegaram lá [no Mato Grosso] começaram como agricultores e foram dominando a economia e agora dominam a política”, complementa.
O fluxo dos acontecimentos não permitem que se veja tudo que está em jogo no cenário político e ambiental, como exemplifica a conferencista ao traçar um paralelo entre a moratória da soja e as hidrelétricas do Alto Xingu. “Quando olhamos para Belo Monte, percebemos, só agora, que no fundo foi construído só para a corrupção. E enquanto estávamos discutindo a moratória da soja para que os produtores não entrassem na floresta, eles foram lá e colocaram as hidrelétricas bem no coração dela”, lamenta a professora. Olhando para trás, Carolina lembra que inclusive nos governos de esquerda não houve um preocupação ambiental profunda. “Os governos passados de esquerda não têm uma cultura ambiental, no máximo uma cultura de mudança social”, frisa.
Ao encerrar a conferência, Carolina lembra que o pantanal, com suas “ilhas”, ou regiões mais elevadas, repletas de florestas não são fenômenos naturais, mas resultado de um manejo complexo e cuidadoso das populações indígenas que transitaram naquela região há pelo menos mil anos. E é dessa visão mais ampla que ela propõe, em um misto de otimismo e expectativa, um olhar científico (e, por que não, político) ao pantanal. “Queremos um pantanal ambientalmente protegido por inteiro, não somente a planície, mas juntamente com sua bacia, inclusive com a parte alta onde estão as hidrelétricas”, finaliza.
Carolina Joana da Silva durante evento no IHU
Foto: Ricardo Machado | IHU
Carolina Joana da Silva é graduada em História Natural pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, mestra em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa e doutora em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos – Ufscar. Atualmente leciona na Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat.
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O desafio de se proteger um pantanal por inteiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU