01 Março 2017
Jesuítas estadunidenses consideraram a decisão de continuar com a construção do oleoduto de Dakota, avaliado em $3.8 bilhões, "moralmente inaceitável", citando a fala do Papa Francisco de que "a água é um direito humano fundamental".
A reportagem é de Kevin Clarke, publicada por América, 23-02-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
De acordo com a declaração dos Jesuítas de 23 de fevereiro, a tribo Standing Rock Sioux e as nações tribais do Missouri "têm levantado sérias preocupações sobre possíveis ameaças ao seu abastecimento de água e seus direitos legítimos como governos soberanos que devem ser consultados e ouvidos para autorização".
"Jesuítas trabalharam e ministraram aos povos nativos por séculos", disse Timothy Kesicki, S.J., presidente da Conferência Jesuíta, organização que os representa no Canadá e nos Estados Unidos. "Somos solidários aos povos nativos de Standing Rock e do mundo todo na defesa dos direitos humanos e ambientais frente a projetos da indústria extrativa."
Os jesuítas "convidam as pessoas de boa vontade, bem como membros do Congresso, para pressionar o governo a voltar atrás em sua decisão e apreciam que os membros das Comissões de Recursos Naturais da Câmara e do Senado tenham o feito".
De acordo com Robert Brave Heart, vice-presidente executivo da escola Red Cloud Indian School na reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, o oleoduto "representa uma grave ameaça para a saúde e bem-estar, não somente aos Húnkpapȟa Lákȟota de Standing Rock e outros povos nativos, mas também a milhões de pessoas que dependem da água do Mníšoše [Rio Missouri] e dos grandes sistemas do Ȟaȟawakpa [Rio Mississippi]. Este é apenas mais um exemplo dos incontáveis atos de genocídio, racismo e injustiça que os povos indígenas deste continente sofreram nos últimos 500 anos. Apesar disso, ainda estamos aqui e vamos continuar lutando pelos nossos direitos, liberdade e dignidade!".
Segundo Timothy Kesicki, S.J., "devemos priorizar as necessidades das pessoas acima do lucro, a promoção da dignidade humana e do cuidado com a criação e a busca pelo desenvolvimento humano integral."
Rodney Bordeaux, diretor de operações da St. Francis Mission na Reserva Rosebud, disse: "Assim como os nossos antepassados, precisamos ser firmes, cuidadosos e pró-ativos em nossos esforços para proteger nossos direitos. Standing Rock nos deu visibilidade mundial e temos de dar continuidade a isto de uma forma positiva, através de sua oração e orientação."
De acordo com um relatório da Associated Press, algumas dezenas de pessoas permanecem em terras federais próximas do canteiro de obras do oleoduto, apesar dos apelos de autoridades para que os chamados protetores da água abandonem o acampamento, que muitos ocuparam por meses. A maioria dos manifestantes saiu da área antes de 22 de fevereiro, prazo imposto pelo Corpo de Engenheiros das Forças Armadas. O governador de North Dakota, Doug Burgum, disse que os demais manifestantes "terão outra oportunidade de sair [em 23 de fevereiro] sem serem presos".
O Corpo de Engenheiros alertou os manifestantes para deixarem o local antes que a terra inundasse com a chegada da primavera.
A Associated Press informou que 18 guardas nacionais e dezenas de policiais preparados para o confronto entraram no campo por dois lados, ao redor do meio-dia do dia 23 de fevereiro, juntamente com vários policiais e veículos militares. Um helicóptero e um avião sobrevoaram o local.
Cerca de vinte pessoas foram presas na primeira meia hora da operação, de acordo com Levi Bachmeier, assessor de Burgum.
Quando concluído, o oleoduto levará petróleo através do lago Oahe, um reservatório ao longo do rio Missouri, atravessando Iowa até um centro de distribuição em Illinois. O lago Oahe e o rio Missouri fornecem água potável para a tribo Standing Rock Sioux e região e também para milhões de pessoas que vivem nas proximidades.
Os jesuítas, em conjunto com a Escola Red Cloud Indian School na reserva de Pine Ridge e a St. Francis Mission na Reserva Rosebud, declararam que estavam profundamente preocupados com a decisão do Corpo do Exército de emitir uma servidão permitindo que o gasoduto atravesse o Rio Missouri ao norte da reserva da tribo Standing Rock Sioux. Essa decisão veio em resposta a um memorando do presidente Donald J. Trump, em 24 de janeiro, pedindo ao Corpo do Exército para agilizar a análise e a aprovação do oleoduto.
Os jesuítas escreveram: "suspender o processo da Declaração de Impacto Ambiental previamente solicitado pelo governo Obama, que determinaria a segurança e os impactos ambientais e climáticos da tubulação e das rotas alternativas, é moralmente inaceitável. Principalmente considerando a determinação anterior do corpo do exército de que a travessia do oleoduto afeta os direitos dos tratados tribais, necessitando de mais estudos e diálogo com as tribos."
O Padre Kesicki acrescentou: "A injustiça que os nativos da reserva Standing Rock Sioux estão enfrentando é emblemática das constantes preocupações das comunidades indígenas nacionais e mundiais devido a uma economia excludente. Como destacou a Companhia de Jesus na recente 36ª Congregação Geral, 'o sistema econômico atual tem um caráter predatório e descarta recursos naturais e pessoas... Os rumos do desenvolvimento precisam mudar para ser sustentáveis.' Devemos priorizar as necessidades das pessoas acima do lucro, a promoção da dignidade humana e do cuidado com a criação e a busca pelo desenvolvimento humano integral."
Embora as autoridades do Vaticano tenham advertido que o Papa Francisco não quis abordar especificamente o conflito da Standing Rock, ele declarou, em 15 de fevereiro, que os grupos indígenas precisam consentir antes que qualquer atividade econômica afete suas terras ancestrais. O papa falou sobre o assunto após encontrar-se com os representantes dos povos indígenas em uma reunião da ONU sobre agricultura em Roma. O Papa Francisco disse que conciliar o direito ao desenvolvimento econômico e a proteção das culturas e territórios indígenas continua sendo um grande desafio.
"A respeito disso, o direito ao consentimento prévio e informado deve prevalecer sempre", disse ele. "Só assim é possível garantir a cooperação pacífica entre as autoridades governamentais e os povos indígenas, superando confrontos e conflitos."
Embora o oleoduto não tenha sido diretamente mencionado, em uma carta ao secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, em 17 de fevereiro, os Presidentes da Comissão episcopal de Justiça e Desenvolvimento Humano e da Comissão Internacional de Justiça e Paz pediram que o governo Trump cuidasse da criação internamente e mundialmente, defendendo investimentos federais em desenvolvimento de energias limpas e sustentáveis. Os bispos acrescentam que a necessidade de cuidar do meio ambiente ecoa o chamado do Papa Francisco para ajudar as pessoas mais pobres e vulneráveis a se adaptarem aos efeitos da mudança climática.
"A tradição judaico-cristã sempre entendeu o ambiente como um presente de Deus, e todos somos chamados 'a proteger a nossa casa comum', disseram os bispos Frank J. Dewane, de Venice, na Flórida, e Oscar Cantú, de Las Cruces, no Novo México. A carta também foi assinada por Sean L. Callahan, presidente da Catholic Relief Services.
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Para Jesuítas, construção do oleoduto de Dakota é "moralmente inaceitável" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU