25 Fevereiro 2017
Jesus tem algo importante a dizer aos muçulmanos de hoje? “The Islamic Jesus” diz que sim, mas não de um modo que a maioria dos leitores irão supor.
A pergunta acima pode soar como um apelo cristão para evangelizar os muçulmanos, mas o autor Mustafa Akyol é um crente muçulmano cujo livro não mostra a intenção de querer converter alguém. Em vez disso, a maior parte da obra detalha a história de um ramo pouco conhecido do cristianismo primitivo e como ele teria influenciado a religião posterior do Islã.
A reportagem é de Tom Heneghan, publicada por National Catholic Reporter, 22-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
The Islamic Jesus: How the king of the jews
became a prophet of the muslims
(O Jesus islâmico: como o rei dos judeus se tornou um
profeta dos muçulmanos, em tradução livre), de
Mustafa Akyol
St. Martin’s Press, 288 páginas, US$ 26,99
No último capítulo, intitulado “What Jesus Can Teach Muslims Today” (O que Jesus pode ensinar aos muçulmanos hoje), Akyol perpassa os séculos para apresentar algumas ideias provocativas sobre como essa ligação histórica pode ajudar o mundo islâmico na atualidade.
Mas dirigirmo-nos diretamente ao último capítulo significaria deixar de lado a investigação que levou o autor até ele. Tudo começou sete anos atrás, quando Akyol, colunista do jornal turco Hürriyet Daily News e que contribui escrevendo também para The New York Times, ganhou uma edição do Novo Testamento das mãos de um missionário cristão em uma rua movimentada de sua cidade natal, Istambul.
Por curiosidade, ele leu o texto, sublinhando de vermelho passagens com as quais não concordava, e de azul as que ele gostava. Quando chegou à Carta de SãoTiago, todas as marcações ficaram de azul. Em nenhuma parte Tiago diz que Jesus era divino. Ele leu estas passagens para o seu grupo de estudos do Alcorão e seus amigos concordaram. Era como o Jesus islâmico: não o filho de Deus, mas um grande profeta.
Quanto mais o lia, especialmente os numerosos estudos históricos do cristianismo primitivo que ele relata no livro, mais Akyol via uma ligação entre São Tiago e a visão de Jesus que aparece no Alcorão. Como líder do grupo cristão primitivo em Jerusalém, Tiago sustentava a lei judaica e via Jesus como o Messias.
São Paulo, o apóstolo dos Gentios, via Jesus como o Filho de Deus que libertava os cristãos de seguirem a lei judaica como faziam os fariseus. Quando o Concílio de Jerusalém se reuniu para decidir se os convertidos tinham de se tornar judeus primeiramente, o que significava circuncisão para os homens, Paulo prevaleceu e a sua visão de cristianismo acabaria se tornando predominante.
O grupo de Tiago, que ficou conhecido como de cristãos judeus, aos poucos se dispersou após a destruição do Templo. Alguns deles foram para a Arábia, trazendo consigo a crença que tinham – mais tarde denunciada como heresia – de que Jesus era um profeta autor de milagres nascido de uma virgem, mas não divino.
O Alcorão apresenta Jesus como um profeta atrás somente de Maomé. O livro sagrado do Islã conta episódios de sua vida, incluindo histórias de escritos apócrifos não inclusos na Bíblia, mas não se aprofunda detalhadamente nos ensinamentos dados por ele.
É aqui onde Akyol, com a ajuda de dois escritores modernos, dá um salto para o século XXI. O primeiro é o autor iraniano-americano Reza Aslan, cujo livro de 2013 intitulado “Zealot” retrata Jesus como um rebelde judeu contra o domínio romano – e não um reformador religioso.
“Não é esse o Jesus em quem eu e outros muçulmanos acreditamos”, disse Akyol por Skype ao National Catholic Reporter direto da Wellesley College, em Massachusetts, onde é pesquisador visitante sênior. “Nós cremos em um Jesus que não é divino, mas que, não obstante, era sagrado e trouxe uma mensagem de fé”.
O segundo autor é o historiador inglês Arnold Toynbee, quem, em um ensaio de 1948, traçou um paralelo entre os judeus da época de Jesus e os muçulmanos de seus dias. Sob pressão do Império Romano, segundo ele, os judeus se dividiram entre “herodianos” (que se conformavam com o poder superior) e “zelotes” (que apegavam à própria religião e se rebelavam contra os estrangeiros).
Os herodianos modernos eram os governantes seculares do mundo árabe, diz Toynbee, enquanto os zelotes de hoje eram os wahabitas sauditas. Akyol expande o paralelo dizendo que os zelotes de hoje incluem salafistas e jihadis.
Os saduceus de dois mil anos atrás foram as instituições islâmicas conformistas de hoje, continua o autor, e os fariseus eram os islamistas dedicados a defender a Sharia.
O que está em falta aqui, diz ele, é a mensagem que Jesus pregou sobre o Reino de Deus. Este não era uma instituição política ou uma teocracia, mas um reino espiritual. Traduzido para o Islã atual, significa que os muçulmanos não precisam se pôr a encontrar um califado, pois, como escreve, “o califado está dentro de você”.
O autor extraiu uma lição parecida da mensagem de Jesus para focar-se sobre o espírito da Halakha, a lei judaica, ao invés de apenas centrar-se em suas letras. “O caminho a seguir para os muçulmanos é entender que, assim como a Halakha, a Sharia é feita para o homem – e para a mulher, evidentemente –, e não o contrário”, escreve.
Para os céticos que questionam se os teólogos muçulmanos estariam abertos a esta abordagem, Akyol observa que a tradição islâmica inclui pensadores como Abu Ishaq al-Shatibi. Esse estudioso andaluziano do século XIV destacava seguir a “maqasid”, ou intenções, da lei islâmica de uma forma mais flexível, abordagem defendida por alguns islamistas modernos como aqueles da Tunísia.
Asma Afsaruddin, professora da Universidade de Indiana, que leu o livro, nota que o manifesto de 2007 intitulado “Common Word”, que fora assinado por mais de 400 estudiosos muçulmanos, já havia sublinhado o quanto em comum o cristianismo e o islamismo têm. “O livro de Akyol pode ser considerado como tendo sido produzido sobre este insight já aceito pelos pensadores muçulmanos convencionais no mundo islâmico”, disse ela por email ao National Catholic Reporter.
Akyol afirma que não tinha em mente o capítulo final quando começou a escrever o livro, mas ele termina com uma mensagem surpreendente para os cristãos, os muçulmanos e os judeus.
“Como muçulmanos, que chegamos tarde a este cenário, temos discordâncias com os judeus e com os cristãos”, declara o autor no parágrafo final do livro. “Porém temos importantes acordos também. Com os judeus, concordamos em muito sobre Deus. Com os cristãos, concordamos que Jesus nasceu de uma virgem, que era o Messias e que ele é o Filho de Deus. Certamente nós não adoramos a Jesus, como o fazem os cristãos. Ainda assim, podemos segui-lo. Na verdade, devido ao nosso grave mal-estar e à sua brilhante sabedoria, precisamos segui-lo”.
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Escritor muçulmano explora a relevância atual da mensagem de Jesus para o Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU