21 Outubro 2016
Por volta das 15h de domingo 16, detentos do Primeiro Comando da Capital (PCC) arrebentaram muros e celas da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, capital de Roraima, e invadiram a ala 12, onde ficavam integrantes de uma facção rival.
A reportagem é de Ingrid Matuoka, publicada por CartaCapital, 21-10-2016.
Sete homens foram queimados e outros três foram decapitados. Todas as vítimas faziam parte do Comando Vermelho, segundo Lindomar Sobrinho, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima: “Os agentes agiram de pronto e pararam a carnificina. Se eles não tivessem agido, teria sido muito maior”, disse a CartaCapital.
Em contato direto com o presídio, Sobrinho afirma que as consequências da rebelião são imprevisíveis, mas que os detentos já falam em revanche ao grupo rival. “Estão dizendo que não vão deixar de graça”, conta. Os próprios presos informaram que o ataque foi motivado por rivalidade entre as duas facções.
Guerra de facções
CV e PCC são as maiores organizações criminosas do Brasil, sendo a primeira, fundada na década de 1970, originária do Rio de Janeiro, e a segunda, criada em São Paulo em 1993, após o Massacre do Carandiru.
Por anos, CV e PCC tiveram relações amistosas, mas há indícios de que a trégua se rompeu. Horas depois do ataque em Boa Vista, na segunda-feira 17, uma rebelião na penitenciária estadual Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho (RO), deixou oito presos mortos.
Quando as agressões começaram, havia apenas oito agentes para quase mil presos, segundo conta Anderson Pereira, presidente do Sindicato dos Agente Penitenciários de Rondônia, a CartaCapital.
Se o presídio de Porto Velho seguisse a recomendação de cinco detentos para cada agente, estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, deveria haver 200 efetivos no local. "Só não morreu mais gente porque muitos conseguiram fugir", diz Pereira, que afirma estar preocupado com as ameaças de retaliação. "Os presos ainda estão juntos porque os pavilhões continuam destruídos, pode ter uma fuga ou outra rebelião".
Para o sindicalista, a precariedade da infraestrutura do presídio é um dos fatores que possibilitou o ataque. "Se você chutar um portão, ele cai, porque esse lugar foi inaugurado em 1984 e nunca reformaram", diz.
Na terça-feira 18, 25 homens tentaram invadir a Unidade Prisional 4 (UP-4) em Rio Branco (AC) para matar presos. Na madrugada de quarta-feira 19, as casas de Privação Provisória de Liberdade III e IV, em Itaitinga, e a Penitenciária Francisco Hélio Viana, em Pacatuba, ambos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (CE), tiveram conflitos.
No Acre, estado que passa por uma onda de homicídios desde o fim de semana, o secretário de Segurança Pública, Emylson Farias, confirmou que as mortes têm ligação com as facções criminosas que estão brigando por território. No Ceará, segundo o jornal O Povo, detentos estariam pressionando por transferência para outras unidades, diante do temor de conflito se instaurar entre as grandes facções criminosas.
As informações corroboram as afirmações de analistas segundo os quais a trégua foi mesmo rompida. Para Guaracy Mingardi, especialista em crime organizado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o avanço do PCC na região Norte nos últimos anos, contra os interesses do Comando Vermelho, é uma das motivações do confronto.
“No Paraná, tem um indivíduo do PCC que já batizou por telefone mais de mil presos no Norte e Nordeste, e as facções de lá, menores, se aliaram ao Comando Vermelho para tentar resistir”, diz a CartaCapital. O "batismo" é uma espécie de cerimônia de entrada na organização.
A existência da trégua, explica Mingardi, fez com que os prisioneiros não estivessem separados, o que possibilitou a rebelião. Agora, com ações no Acre, Ceará e Rondônia, outros presídios estão em alerta para possíveis ataques mútuos. “O problema é que em alguns sistemas prisionais não adianta só ficar de olho, porque é pouco agente e muito preso”, diz.
Para Mingardi, há uma possibilidade de o confronto fortalecer facções menores, uma vez que no Rio de Janeiro membros do PCC abrigaram-se junto aos Amigos dos Amigos (ADA), e que o PCC tem mais chances de prevalecer sobre o CV por ser mais organizado e ter mais recursos.
Isso depende, contudo, de um terceiro fator: “Se os dirigentes do sistema penitenciário favorecerem um lado ou outro, aí a coisa muda de figura, e quem for minoria perde, mas a direção do sistema também pode falar que não vai dar guarida para ninguém.
Toda guerra é assim. A gente sabe como começou, mas não sabe como vai acabar”.
Na segunda-feira 17, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, tratou a situação como grave, mas episódica. "Obviamente que a situação é gravíssima, com mortes, mas vamos ver se persiste ou não e, a partir daí, tomar as medidas necessárias. Não foi pedido [o reforço da Força Nacional de Segurança] porque foi uma situação pontual," afirmou.
Em entrevista à BBC Brasil, a socióloga e professora da Universidade Federal do ABC Camila Nunes Dias afirma que além dessa medida, se o poder público quiser enfrentar o problema, "não poderá fugir de uma política de descarcerização".
"É evidente que o Estado não controla a população carcerária. Quem exerce o controle nas cadeias são as facções. Isso vale para o País todo. O Estado é conivente com isso - e mais do que isso, o Estado depende do controle das facções para continuar mantendo sua política de encarceramento", disse a pesquisadora à BBC.
O cenário de São Paulo é exemplo desta situação. Apesar de a cúpula do PCC estar situada no estado, Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, acredita que a situação na metrópole é diferente do que está acontecendo ao Norte.
“O PCC tem domínio dos presídios [paulistas], enquanto o CV é muito pequeno, tanto em quantidade quanto em organização", disse a CartaCapital. "Por enquanto, a situação deve permanecer igual, a não ser que o PCC decida agir sobre os integrantes do CV que estão aqui”.
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Carnificina em presídio de Roraima poderia ter sido muito maior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU