01 Setembro 2016
Dilma Rousseff não é mais presidenta do Brasil. Às 13h33 desta quarta-feira, o Senado Federal a condenou pelo crime de responsabilidade por delito fiscal e aprovou seu impeachment por 61 votos contra 20. Com o resultado, a petista reeleita em 2014 com 54 milhões de votos para cumprir um mandato até o fim de 2018, teve seu tempo no poder encurtado.
Em uma inusual votação em separado que está provocando controvérsia, os senadores decidiram manter os direitos políticos de Rousseff, sem ainda ter consenso se isso significa que ela segue elegível ou que apenas pode ocupar cargos públicos nos próximos oito anos. Com a destituição, assume o vice Michel Temer (PMDB), que ocupava a presidência interinamente desde maio, até 31 de dezembro de 2018.
A reportagem é de Afonso Benites e Talita Bedinelli e publicada por El País, 31-08-2016.
Desde que teve o processo de impeachment admitido pelos deputados, em abril, a primeira mulher eleita presidenta do país, herdeira política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, viveu uma contagem regressiva para preparar sua mudança do Palácio da Alvorada e retornar para Porto Alegre (RS), onde vive sua família. Agora, ela terá um mês para fazê-la e desocupar a residência oficial do chefe do Poder Executivo brasileiro.
Mais do que os crimes dos quais foi formalmente acusada, a agora ex-presidenta que encerra um ciclo de 13 anos do PT no poder, acabou sendo julgada pelo "conjunto de sua obra", uma formulação controversa que provocou debate sobre a natureza e a disparidade de crimes previstos na lei do impeachment, usada pela segunda vez desde a redemocratização. No Congresso, Dilma acabou sendo avaliada pelo escândalo de corrupção da Lava Jato, que desviou bilhões de reais da Petrobras, mas nos quais não foram encontradas suas impressões digitais, pela crise econômica e por sua inabilidade política, que ficou patente em votos dados a favor do impeachment por ao menos sete senadores que foram ministros de gestões petistas.
Descrita, inclusive por alguns dos que a rodeiam, como uma articuladora política desafinada, ela conseguiu afastar boa parte de seus aliados. Dos nove partidos que estavam em sua coligação eleitoral de 2014, seis apoiaram oficialmente seu impeachment. E todos eles acabaram contemplados com cargos importantes politicamente na gestão de Temer. Sem apoio no Congresso Nacional e sem conseguir apresentar medidas impulsionar o crescimento econômico, ela não teve condições de superar a pior crise das últimas oito décadas, responsável por gerar uma multidão de quase 12 milhões de desempregados.
Os poucos que ficaram ao lado de Rousseff até o último dia classificaram este processo de um golpe parlamentar e afirmavam que o país enfrenta uma "eleição indireta". Diziam que a oposição criou um terceiro turno eleitoral e buscou detalhes legais para tentar destituí-la do cargo. Conseguiram ao caracterizar três decretos de crédito suplementar e uma suposta operação de crédito com instituições públicas (que apelidaram de pedaladas fiscais) como crime de responsabilidade. O pedido formal de impeachment foi assinado por três advogados. O ex-petista Hélio Bicudo, o peessedebista Miguel Reale Júnior e a professora Janaína Paschoal e os opositores frisaram que essas falhas foram apenas o índice das graves manobras administrativas que, em sua avaliação, levaram o país à grave crise econômica.
Entre os vencedores da jornada estão os principais responsáveis pela articulação política da destituição: o PSDB – liderado pelo senador Aécio Neves, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, ainda que agora em acomodação no novo Governo – e os peemedebistas Eduardo Cunha, que foi o presidente da Câmara dos Deputados que autorizou a abertura do processo, e o próprio vice-presidente da República, Michel Temer. As multitudinárias manifestações de rua que se iniciaram em 2015 e mobilizaram milhões de cidadãos pelas principais cidades do país, o financiamento empresarial capitaneado principalmente pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e a falta de soluções para a crise financeira estimularam os congressistas a votarem pela perda do mandato de Rousseff.
O impeachment, em certa dose, acabou se transformando em um recall, como no parlamentarismo, argumentam alguns dos apoiadores dela e analistas. Nos seis longos dias do julgamento final no Senado, ao qual Dilma Rousseff foi pessoalmente se defender, a tônica foi se posicionar sobre a questão mirando o registro histórico. Os senadores defendiam sua decisão num país ainda dividido, ao contrário do consenso social gerado na destituição de Fernando Collor em 1992. Cristovam Buarque (PPS-DF), já na madrugada de quadra, resumiu em seu voto a favor do impeachment: "Meu caro Lindbergh, nossos fantasmas se encontrarão nos livros de história, e eu espero estar do lado bom, junto com você", disse o senador ao ex-companheiro de PT e agora oponente Lindberg Farias.
Rousseff demonstrou baixa capacidade de reação nos nove meses em que durou o processo. Foi particularmente tardia na reta final. Só a uma semana de seu julgamento final ela acenou com a possibilidade de apoiar um plebiscito que consultaria a população sobre o encurtamento do mandato presidencial e sobre a realização de uma reforma política. Uma das razões pela demora foi exatamente a falta de apoio de seu próprio partido, o PT. A legenda e movimentos sociais de sua base, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) eram contra essa proposta, apoiada por 62% da população.
Ao assumir o Governo em definitivo, Temer terá contra si duas espadas sobre sua cabeça. Uma é a cassação da chapa Dilma/Temer em um processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral. Este processo, iniciado pelo PSDB, pede que os vencedores da eleição de 2014 sejam cassados por causa de abuso de poder durante a campanha eleitoral. O TSE não consegue prever quando ocorrerá esse julgamento. Se for neste ano, e ambos forem condenados, o Brasil terá de passar por uma nova eleição direta para a escolha de um presidente em um mandato-tampão. Se uma condenação ocorrer a partir de 2017, as eleições serão indiretas. Assim, o mesmo conservador Congresso Nacional que destituiu Rousseff escolherá o novo presidente do Brasil.
A outra possibilidade contra Temer está dentro do próprio Legislativo. Há ao menos dois pedidos de impeachment contra ele por também ter assinado decretos de crédito suplementar no momento em que ocupou interinamente a presidência quando Rousseff precisou viajar ao exterior. Este caso tem menor chance de prosperar porque, ao menos por enquanto, a maioria dos deputados e senadores são aliados do peemedebista. Os humores das ruas e as primeiras medidas econômicas do novo chefe de Estado ditarão o futuro do Brasil.
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Queda de Dilma sela o fim da era PT no poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU