09 Mai 2016
Em um ano, o mundo virou de cabeça para baixo. E Angela Merkel chegou nessa sexta-feira ao Vaticano para o seu quarto encontro com o Papa Francisco, depois dos meses mais difíceis, mas também mais revolucionários da sua carreira. Embora a chanceler não tenha mostrado uma enorme criatividade na escolha dos presentes para Bergoglio – CDs de música, desta e da última vez –, a diferença entre a cúpula de fevereiro de 2015 e a de sexta-feira não poderia ser maior.
A reportagem é de Tania Mastrobuoni e Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 07-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre as questões mais delicadas, Merkel e Bergoglio sempre estiveram em sintonia (e a chanceler tem com o papa argentino uma relação melhor do que tinha com Ratzinger). Mas mais do que nunca hoje, quando a Europa está dilacerada pela mais grave crise dos migrantes da sua história, a filha de um pastor protestante e o chefe da Igreja Católica se sentem próximos.
Todo o cerimonial da visita testemunha que, para o Papa Francisco, já é ela o interlocutor privilegiado na Europa. A ligação entre os dois foi o cardeal Walter Kasper, que, na manhã dessa sexta-feira, a acompanhou a uma missa celebrada por ele no altar da cátedra da Basílica de São Pedro. No fim, eles conversaram por alguns minutos: Kasper, o Vaticano, é expoente de um progressismo inteligente, de uma Igreja para os últimos, acima de tudo. E, no Vaticano, Merkel estava acompanhada por Annette Schawan, antiga e fidelíssima amiga e ex-ministra da Educação, que acabou em tempestade midiática por causa de uma tese de doutorado copiada, mas nomeada, depois, apesar das polêmicas, como embaixadora junto à Santa Sé.
Talvez não seja por acaso que todas as autoridades tiveram que esperar muito tempo para a chegada no salão do papa e de Merkel, depois do face a face. E que a chanceler tenha sido recebida pelas autoridades vaticanas por um aplauso estrondoso, como se fosse a rainha de um continente já cansado, dilacerado por forças centrífugas, e que ela está tentando manter unidas.
Se o papa quer telefonar para a Europa, parafraseando Kissinger, ele sabe que o prefixo é o de Berlim. Exatamente como Obama também reconheceu recentemente, no G5 de Hanover.
O encontro entre Merkel e Francisco foi longo – 25 minutos – e tocou vários temas, mas, no fim, o papa lhe presenteou um medalhão com o Anjo da Paz. E ela o acolheu sublinhando que "hoje em dia, na Europa, precisamos muito dele". Bergoglio sabe que a Alemanha é uma potência econômica: para ele, o dinheiro é perigoso, e o seu esforço é levar a primeira economia do continente – e com Merkel, sobre isso, há pontos de vista semelhantes – a uma política de integração, da inclusão dos pobres, de uma abertura para todos.
O papa se informou sobre a Síria, sobre os refugiados vindos de lá. A sua ideia é de que estamos diante de um paradoxo que evidencia as responsabilidades de instituições e governantes que não conseguem gerir o fenômeno das migrações com a clarividência e o planejamento que a situação requer.
Merkel, com a sua recusa de introduzir um teto aos migrantes, reiterado no difícil Congresso da CDU de dezembro passado, com a sua insistência a evitar muros e buscar soluções comuns, compartilha o pensamento de Francisco.
Naquele congresso, ela já havia abandonado a sua linguagem simples, direta – que alguns definem como pastoral – para lembrar com palavras altas as ideias de Adenauer e de Kohl, para chamar o partido novamente aos seus valores fundamentais, ao cristianismo e à ideia de que não se deve pensar em multidões de migrantes, mas em "seres humanos individuais" que chegam, muitas vezes, fugindo de guerras e desespero.
E a mensagem do papa para Merkel foi alinhada com o que a diplomacia pontifícia sempre apoiou: manter a Europa coesa. Uma mensagem clara e encorajadora contra todo populismo e tendo os últimos sempre presentes. Como confirmação disso, Merkel declarou que Francisco "nos exortou a ter em mente três coisas: a capacidade de diálogo, capacidade de integração e a capacidade de fazer alguma coisa. Eu acho que fazer alguma coisa é a tarefa atribuída a nós, agir para manter a Europa coesa".
E ainda: "Trata-se de um mandato para que nós ajamos, para manter a Europa unida, quer se trate da moeda, quer se trate da proteção das nossas fronteiras externas e, em particular, a humanidade e o dever humanitário da Europa de não esquecer".
Neste ano, Bergoglio irá à Suécia para os 500 anos da reforma de Lutero. Uma escolha que o afasta mais uma vez da ala do catolicismo mais conservador, mas parte da sua coragem sempre foi a de olhar para além da ortodoxia, para captar as intuições de renovação até mesmo no herege de Eisleben.
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O entendimento do papa com Merkel "para frear os populismos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU