A Ascensão de Jesus não é um “período sabático” até a segunda vinda

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

06 Mai 2016

"Uma das grandes realizações do movimento litúrgico do século XX foi a redescoberta da centralidade do Mistério Pascal de Jesus Cristo para a vida, o pensamento e a prática cristãs", escreve Robert P. Imbelli, padre da Arquidiocese de Nova York e autor do livro “Rekindling the Christic Imagination”, em artigo publicado por Crux, 05-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Certamente, a restauração do Tríduo Pascal na década de 1950 desempenhou um papel-chave na percepção renovada do cumprimento da salvação na morte e ressureição do Senhor. Este tema do Mistério Pascal permeia os documentos do Concílio Vaticano II. Ele serve como o cantus firmus para a própria autocompreensão e missão do Concílio no mundo.

Nesse sentido, a constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia professa: “Esta obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus, prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão, em que ‘morrendo destruiu a nossa morte e ressurgindo restaurou a nossa vida’”.

Mas observe: este texto ensina algo que frequentemente tendemos a ignorar, a saber: que a Ascensão do Senhor é um momento integrante de seu Mistério Pascal.

Por vezes, nós limitamos o “Mistério Pascal” à morte e ressureição de Jesus Cristo. Mas a Ascensão gloriosa não é algo secundário, um adendo; ela é a culminância do Mistério Pascal. Se Jesus “vive e reina para todo o sempre”, como confessa toda conclusão das orações litúrgicas, então ele “vive” por causa de sua ressureição, mas “reina” por causa de sua Ascensão.

Ao trazer a sua humanidade para dentro do próprio coração da divindade, a Ascensão de Jesus torna possível a sua presença salvífica universal.

O apóstolo Pedro proclama essa notícia maravilhosa, esse kerygma, em seu famoso discurso de Pentecostes à multidão reunida em Jerusalém. Com estas palavras ele conclui: “Deus ressuscitou a este Jesus. E nós todos somos testemunhas disso. Ele foi exaltado à direta de Deus, recebeu do Pai o Espírito prometido e o derramou: é o que vocês estão vendo e ouvindo”.

Quando perguntado por alguns que o ouviam: “Irmãos, o que devemos fazer?”, Pedro responde: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados; depois vocês receberão do Pai o dom do Espírito Santo”.

Por sua Ascensão à direita do Pai, Jesus torna-se o chefe do seu Corpo, a Igreja. Para o Espírito Santo, que anima a Igreja, está o dom de Cristo ascendido. Essa Ascensão torna possível o Pentecostes.

Mais do que isso, o dom do Espírito não é algo que ocorre uma única vez, seja no Pentecostes, seja no Batismo ou na Confirmação de alguém. O Senhor ascendido é a fonte permanente dos dons espirituais que animam e edificam o seu Corpo.

O capítulo quarto da Carta aos Efésios ensina: “subiu às alturas (…) distribuiu dons aos homens”. A Ascensão anuncia a atuação contínua de Jesus, que “está sempre vivo para interceder em favor [de nós]”.

Portanto, é um equívoco considerar a Ascensão como a ausência de Jesus, como se ele estivesse agora longe em “período sabático” até a segunda vinda. Em vez disso, por sua Ascensão, Jesus está presente de um jeito novo, libertando homens e mulheres através dos sacramentos para a vida nova no Espírito.

A presença do Cristo ascendido é uma presença transformadora. Ela permite que aqueles que o recebem tornem-se, eles mesmos, humanos mais plenos, ao tornarem-se mais verdadeiramente presentes.

Apesar de todas as maravilhas que a tecnologia contemporânea possibilita, apesar de todos os avanços nos modos de comunicação que inventa, paradoxalmente ela traz também o perigo de um novo isolamento e uma nova separação. A expressão mais surpreendente deste perigo é a de duas pessoas num restaurante, cada uma absorta em seu iPhone, ignorando a presença da pessoa que se senta à frente.

A real presença de Jesus, que a Ascensão estabelece, exige de nós atenção concentrada e paciência respeitosa. Estas são qualidades não cultivadas facilmente em um mundo de mensagens instantâneas e de sobrecarga induzida de estresse.

Para contrariar os nossos sentidos físicos perigosamente atrofiados, a crença na Ascensão de Cristo promove um ascetismo que fortalece aquilo que a tradição espiritual chama de “os sentidos espirituais”. Estes são olhos que veem e línguas que cantam a bondade absoluta e a glória de Deus no rosto de Jesus Cristo.

Na exortação apostólica Amoris Laetitia, o Papa Francisco insiste na importância do “olhar contemplativo” na vida familiar, olhar pelo qual consideramos e respeitamos a unicidade e a dignidade do outro: esposo, esposa, filhos, avós.

Um tal olhar contemplativo e amoroso forma-se e foca-se na escola da celebração e contemplação eucarística. Aí, discerne-se a presença de Cristo pelos olhos da fé nas realidades terrenas de pão e vinho. Aí, aprendemos a partir da presença total de Cristo a estarmos plenamente presentes com ele e com o outro.

A magnífica Carta aos Colossenses exorta os primeiros cristãos: “procurem as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus”. Ela assim postula uma visão e uma prática de Ascensão.

Conforme deixa claro o restante do capítulo três desta carta, as “coisas do alto” acolhem as virtudes do amor, da compaixão, do perdão e da ação de graças ao modo de Jesus Cristo. Uma tal visão não se retira deste mundo, mas promove a transformação contínua das pessoas em Cristo.

A Ascensão de Cristo não distancia o Senhor do mundo que ele criou e das pessoas que redimiu. Pelo contrário, ela garante a sua promessa: “Eis que estou com vocês todos os dias, até o fim do mundo”.