Por: MpvM | 08 Fevereiro 2018
"A atitude de Jesus em relação ao leproso (bem como aos outros excluídos da sociedade do seu tempo) é uma atitude de proximidade, de solidariedade, de acolhida. Jesus não está preocupado com o que é política ou religiosamente correto. Ele apenas vê em cada pessoa um irmão e irmã que Deus ama e a quem é preciso estender a mão e amar, também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade ou da Igreja? Procuramos integrar e acolher (os estrangeiros, os doentes das mais diversas formas, os pobres, negros, mulheres...) ou ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e de discriminação?"
A reflexão é de Liane Terezinha Berres, religiosa da Congregação Filhas do Amor Divino. Ela possui graduação em teologia pelo Instituto Missioneiro de Teologia, Santo Ângelo, e especialização em teologia da Vida Religiosa pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF de Porto Alegre. Atualmente reside em Cerro Largo/RS, coordena a pastoral vocacional de sua província e atua na formação pastoral na Diocese de Santo Ângelo, RS.
1ª Leitura I – Levítico 13,1-2.44-46
Sl 31,1-2.5.11 (R.7)
2ª Leitura – 1 Cor 10,31-11,1
Evangelho – Mc 1,40-45
A liturgia do 6º domingo do tempo comum apresenta-nos um Deus cheio de amor, de compaixão e de ternura, que nos convida todos, homens e mulheres, a integrar a comunidade dos filhos e filhas amados/as de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos e das irmãs.
A primeira leitura (Lev 13,1-2.44-46) nos apresenta a legislação que definia a forma de tratar com os leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, o ser humano é capaz de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em nome de Deus.
O Evangelho (Mc 1,40-45) nos diz que, em Jesus de Nazaré, Deus desce ao encontro dos seus filhos e filhas vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do “Reino”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projetos todos os mecanismos de opressão dos irmãos e irmãs.
A segunda leitura (1 Cor 10,31-11,1) convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação da humanidade. Daí a importância do convite de Paulo “Sejam meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (I Cor 11,1).
Feita essa introdução geral das leituras, voltamo-nos para a liturgia que, de um lado, apresenta a figura de um leproso – isto é, um homem doente, marginalizado da comunidade santa do Povo de Deus, considerado pecador e maldito – que vem ao encontro de Jesus. Esse leproso é: o excluído, o marginalizado, o intocável, o impuro, aquele de quem fora roubada a dignidade humana, pois já não era mais chamado pelo seu nome e sim pelo nome da própria doença: o leproso. Ele devia andar com roupas rasgadas, despenteado, com barba suja, viver fora do povoado (cf. Lv 13,46). Além do mais, ele não podia mais entrar em contato com os outros: a sua esposa, seus filhos, seus pais, seus amigos, tornando-se assim um morto-vivo. Se ele se aproximava de alguma pessoa, deixava-a impura.
Do outro lado temos Jesus, de quem o leproso se aproxima. Jesus estava na região dos leprosos, fora do acampamento, lugar impuro, onde era proibida a circulação normal das pessoas. O leproso, de joelhos (o que representa o sofrimento de sua situação de vida), pede: “se queres, tu tens o poder de me curar” (Mc 10,40), expressando assim sua esperança em Jesus. A reação de Jesus é estranha, pelo menos de acordo com os padrões judaicos. Em lugar de se afastar do leproso e de acusá-lo de infringir a Lei, Jesus olha-o “compadecido”, estende a mão e toca-o (v. 41). Ao mesmo tempo, Jesus fica irado contra uma sociedade que produz a marginalização, a exclusão, um sistema que não cura, mas que declara pela própria lei quem pode ou não participar da vida social. Jesus acolhe e age com poder e compaixão, neutralizando os mecanismos de marginalização.
O leproso, ao se aproximar de Jesus, reconhece n’Ele sua força misteriosa, seu poder sobre os espíritos maus. Jesus não pensa na lei da proibição de tocar num leproso, mas ele pensa e age com compaixão. Toca o leproso e diz: “Eu quero, sê purificado”. Temos ali a importância do “querer”. O que Jesus quis é o que Deus quer e sonha para a humanidade, e isso aconteceu. Nesse episódio do Evangelho, confirma-se mais uma vez que Jesus cumpre a missão que o Pai lhe confiou: anunciar e tornar realidade o “Reino de Deus”. A proposta do “Reino de Deus” torna-se uma realidade no mundo e na vida da humanidade, não só nas palavras, mas também nos gestos de Jesus.
O leproso, que representa a categoria dos malditos, é reintegrado no convívio social. De ser leproso passa a ser alguém: ser gente, ser homem. Ele deve apresentar-se ao sacerdote, pois são os sacerdotes os que assinam a reintegração das pessoas excluídas à comunidade (Mc 1,44). No fundo, incluir, reintegrar, libertar, despertar a esperança de alguém por Amor é dar-lhe de novo a vida, é fazê-lo renascer.
Agora purificado, mesmo proibido por Jesus, esse homem torna-se um testemunho vivo, missionário do evangelho, da Boa Notícia da Salvação trazida por Jesus. “Por isso Jesus não podia entrar publicamente numa cidade...” (Mc 1,45), e ele foi ocupar o lugar do leproso, nos “lugares desertos”. Jesus revela que aceitar o preço do Amor implica também o caminho da cruz, da rejeição. No evangelho, pelo fato de Jesus deixar o leproso se aproximar dele, e mais ainda, que o toque e o purifique, Jesus se torna leproso por sua vez, isto é, rejeitado pelos outros. O que significa que Jesus Cristo, nos curando, carrega sobre si as nossas doenças, as nossas enfermidades, as nossas feridas, os nossos pecados. Como cristãos e cristãs, discípulos e discípulas de Cristo, nós somos chamados e chamadas a fazer como ele, a libertar as pessoas feridas e a lhes devolver a dignidade, sob o risco de perder a nossa. Mas o Amor deve ir até lá. Por outro lado, não há que ter medo, pois o evangelista conclui dizendo: “E de toda parte as pessoas iam procurá-lo” (Mc 1, 45).
Voltando nosso olhar para a segunda leitura, Paulo faz referência ao exemplo de Cristo, a quem todo o cristão – a começar por ele mesmo – deve imitar. Na verdade, Cristo colocou sempre como prioridade absoluta os planos de Deus, e, como “mestre”, multiplicou os gestos de serviço e fez da sua vida uma entrega total à humanidade, até a morte. É este mesmo caminho que nos é proposto…
Finalizando, recordamos mais uma vez que a liturgia de hoje nos fala de um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, mas, acima de tudo, um Deus que tem atitude. Um Deus que se faz pessoa e desce ao encontro dos marginalizados, excluídos, empobrecidos, e lhes apresenta propostas de vida nova. O Deus que somos convidados a descobrir, a amar, a testemunhar no mundo é o Deus de Jesus Cristo – isto é, esse Deus que vem ao encontro de cada ser humano, que Se compadece do seu sofrimento, que lhe estende a mão com ternura, que o purifica e liberta, que lhe oferece uma nova vida e que o integra na comunidade do “Reino de Deus”.
A atitude de Jesus em relação ao leproso (bem como aos outros excluídos da sociedade do seu tempo) é uma atitude de proximidade, de solidariedade, de acolhida. Jesus não está preocupado com o que é política ou religiosamente correto. Ele apenas vê em cada pessoa um irmão e irmã que Deus ama e a quem é preciso estender a mão e amar, também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade ou da Igreja? Procuramos integrar e acolher (os estrangeiros, os doentes das mais diversas formas, os pobres, negros, mulheres...) ou ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e de discriminação?
O gesto de Jesus de estender a mão e tocar o leproso é um gesto provocador, que denuncia uma Lei iníqua, geradora de discriminação, de exclusão e de sofrimento. Hoje temos leis que são geradoras de marginalização e de sofrimento. Somos capazes de tomar atitudes como Jesus? Ou nos acomodamos e conformamos com essas leis?
O leproso, apesar da proibição de Jesus, “começou a anunciar e a divulgar o que acontecera”. Marcos sugere, desta forma, que o encontro com Jesus transforma de tal forma a vida da pessoa que ela não pode calar a alegria pela novidade que Cristo introduziu na sua vida e tem de dar testemunho. Somos capazes de testemunhar, no meio dos nossos irmãos, em forma de palavra e ação, a libertação que Cristo nos trouxe?
Que o Deus da ternura, compaixão e misericórdia ilumine a vida de nossas Comunidades, famílias e de cada cristão e cristã, que à luz dessa Palavra refletida se coloca mais uma vez a caminho para fazê-la frutificar em gestos de vida e libertação.
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6º domingo do tempo comum - Ano B - Jesus acolhe e liberta os excluídos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU