19 Junho 2008
Efeito estufa e bem-estar: Severino replica ao “ambientalista cético” Lomborg. A polêmica: O estudioso dinamarquês: insistir na atualização do protocolo de Kioto é um desperdício de recursos. O artigo é de Emanuele Severino, um filósofo italiano de fama internacional. Suas obras mais recentes são L’identità della follia [A identidade da loucura] (Rizzoli) e Oltrepassare [Ultrapassar] (Adelphi). Bjorn Lomborg é um estatístico dinamarquês, autor de Stiamo freschi [Estamos imunes] (Mondadori). Também escreveu O ambientalista cético, publicado pela editora italiana Mondadori em 2003.
O artigo de Emanuele Severino foi publicado pelo jornal Corriere della Sera – 03/06/2008.
Eis o artigo.
Após o fim da União Soviética tornou-se dominante – embora discutida faz algum tempo – a convicção que o capitalismo seja a forma social atualmente indiscutível. São muitas as confirmações. Por exemplo, o fato de que a única “superpotência” mundial permaneça em campo, os EUA, e seja ao mesmo tempo o lugar por excelência do desenvolvimento capitalista. Ou então, a paradoxal adoção do capitalismo pela própria China “comunista”. Ou também a consciência de que o suporte teórico do socialismo real, ou seja, o marxismo, pertença agora ao passado da indagação filosófica e econômica. Uma confirmação deste modo de pensar é a própria mobilização contra o capitalismo por parte das forças que sentem ser esta sua incumbência, entre aos quais o Islã, a Igreja católica, os movimentos ecológicos e “de esquerda”, que vêem no capitalismo o principal responsável pela devastação da Terra.
Que isto seja cientificamente comprovado é, todavia, um tema pacífico. Além disso, quanto mais a mídia, os políticos, ou os ambientalistas vão há algum tempo anunciando à opinião pública o perigo de uma iminente catástrofe provocada pela crescente industrialização, tanto mais a ciência oficial tende a inocentar esta última de toda responsabilidade. Exemplo notável desta tendência é o livro do cientista dinamarquês Bjorn Lomborg, que Mondadori recém publicou com o título Estamos imunes. Porque não devemos preocupar-nos demasiado com o aquecimento global. O livro é claro, compacto, impressionante pela quantidade e qualidade das informações. Se não me engano, o autor jamais usa a palavra “capitalismo”, mas se preocupa em dissipar a suspeita que ele escreva por conta de qualquer multinacional do petróleo. Sua tese de fundo é, de fato, que a acusação ao capitalismo de devastar a Terra e o conseqüente propósito de destroná-lo não tenham nenhum fundamento científico.
Há mais de trinta anos os meus escritos desenvolvem, ao invés, a tese de que também o capitalismo está destinado à decadência, como o era o socialismo real e como o são todas as outras grandes forças da tradição ocidental (e oriental). Em Declínio do capitalismo (Rizzoli, 1993) sublinho que, mesmo supondo que o caráter destrutivo do capitalismo não tenha nenhum respaldo científico, também neste caso a convicção da existência desta destrutividade está, no entanto, se difundindo visivelmente (nem Lomborg o nega, antes o invectiva vivazmente), e a ponto de tomar pé no próprio mundo capitalista, a ponto de induzi-lo a mudar de direção e, finalmente, a renunciar a si próprio. O maior inimigo do capitalismo é o próprio capitalismo, e não seus adversários declarados. Mas, Lomborg sustenta, junto a tantos outros, que a ciência possa estar com a partida vencida sobre o “obscurantismo” (e se esforça de muitos modos para fazer-la vencer); o que implica que, contrariamente a quanto sustento, não haja nenhuma destinação do capitalismo à decadência. E então?
Ele mostra, de modo persuasivo, os graves perigos que há no fato de que, em nível mundial, a única iniciativa política para reduzir o aquecimento do planeta seja o protocolo de Kioto (de 1997), que provavelmente será renovado dentro de poucos anos. Este protocolo estabelece que entre 2008 e 2012 os países industrializados reduzam em vinte por cento a emissão de anidrido carbônico. Lomborg mostra detalhadamente que, mesmo que seja efetuada durante todo o século 21, a aplicação do protocolo teria um custo elevadíssimo e uma eficácia muito baixa, ou seja, uma redução muito baixa das mortes devidas ao aquecimento global, um perigo, aliás, por certo cada vez mais grave. Tal redução seria muito baixa em relação ao número das vítimas de enfermidades ou do frio: “problemas bem mais urgentes”, estes últimos, que no entanto podem ser enfrentados “com uma despesa muito mais baixa e probabilidades de sucesso muito mais elevadas do que o oferecido pelas severas políticas climáticas, que têm um custo de bilhões e bilhões de dólares. Evitando este desperdício irracional, a humanidade pode dotar-se com as tecnologias específica, capazes de reduzir o aquecimento do planeta, porém não promovidas pelo protocolo de Kioto. Na base de todo o discurso de Lomborg está, de fato, a tese de que “o objetivo final não é a redução do gás serra ou do aquecimento global em si, mas a melhoria da qualidade da vida e do ambiente” e que a condição fundamental para realizar este objetivo é constituída pela técnica.
Mas, quando o discurso é impostado deste modo, a convicção de propor soluções que, embora mais racionais, contudo se movam sempre no interior do horizonte da produção capitalista, não deixa de ser uma ilusão. Lomborg a cultiva. O “objetivo final” de qualquer forma de capitalismo não é, de fato, “a melhoria da qualidade da vida e do ambiente”, não é o bem-estar da humanidade, mas é o crescimento indefinido do lucro, também se, para obtê-lo, a produção capitalista deva levar ao mercado aquelas mercadorias que forneçam o que os consumidores consideram que dêem bem-estar e melhoria da qualidade da vida e do ambiente. Mas, - eis-nos no ponto decisivo, - quando se age afim de que o “objetivo final” da produção e distribuição capitalista dos recursos seja o bem-estar da humanidade, age-se para fazer que o capitalismo se torne algo diverso do que ele realmente é, ou seja, age-se para destruí-lo. Age-se assim também quando não se está cônscio do que propriamente se está fazendo, como acontece, por exemplo, à Igreja católica quando incita o capitalismo a assumir como objetivo final o “bem comum” da sociedade. (Age-se assim também quando, seguindo a Igreja, a gente se opõe, como também o fez há alguns dias Giulio Tremonti no jornal Corriere della Sera, à idéia do primado do mercado sobre qualquer outra forma social”; ou quando se limita este primado, augurando, como me parece tenha feito por diversas vezes Mario Monti, que o “objetivo” constituído pela capacidade de competir com os outros países industrializados esteja lado a lado, pelo menos na Itália, com os “objetivos de solidariedade”).
Age-se assim, porque no agir humano uma ação ou um sistema de ações são o que elas são precisamente em virtude do objetivo que elas se propõem; de modo que, se este último é modificado – e, no caso em tela, se atua afim de que o objetivo do capitalismo seja o bem-estar do homem e o “bem comum” e, portanto, o mercado não tenha mais o “primado sobre as outras formas sociais” -, tais ações acabam sendo destruídas e a gente se encontra diante de ações diversas, mesmo que sejam chamadas pelos velhos nomes e se creia que os de antes ainda estejam vivos.
Este discurso vale também para Lomborg, que confia à técnica e às energias alternativas a tarefa de evitar que a produção capitalista, entregue a si mesma, destrua a Terra. Portanto, também ele se empenha por um “capitalismo” que tenha como objetivo final o bem-estar do homem e, conjuntamente, a condição, atualmente imprescindível para a realização de tal bem-estar, ou seja, o desenvolvimento tecnológico.
Também aqui se assinala, pois, ao “capitalismo” um objetivo diverso daquele que faz viver o verdadeiro e próprio capitalismo: também aqui se visa, sem dar-se conta, à destruição do capitalismo. Ou ainda, se – e já que – o capitalismo dá ouvidos a esse tipo de solicitação, é ele mesmo que muda de direção, que renuncia a si mesmo.
Mesmo aceitando a tese de Lomborg, que a ciência redimensione fortemente o caráter destrutivo da produção capitalista, esta tese não é, em todo o caso, um desmentido daquele “declínio do capitalismo” que de minha parte venho sustentando, não é um desmentido do destino do capitalismo em declínio. E, reconhecendo que, sobre esta Terra, ao nosso “objetivo final” pertença o desenvolvimento tecnológico, portanto a eliminação dos limites que o freiam, reconhece-se que o declínio do capitalismo (e de toda outra forma de tradição) é a própria destinação do mundo a um novo “primado”: o da técnica.
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A ilusão do capitalismo eterno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU