10 Novembro 2010
Fui aluno do padre Ellacuría na Universidade Centro-Americana "José Simeón Cañas" - UCA, durante meus estudos de filosofia. Se me lembro bem, cursei com ele umas quatro matérias. De uma delas, certamente tenho especial recordação. Hoje quero contar brevemente por que revivo essa experiência que marcou minha visão sobre o nosso reitor mártir no que se refere ao seu modo de ensinar.
A opinião é de Carlos Ayala Ramírez, diretor da Rádio Ysuca, da Universidade Centro-Americana "José Simeón Cañas" - UCA, do El Salvador, em artigo para o sítio Adital, 08-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 18 de agosto de 1982 – tenho registrado em meus velhos apontamentos –, começamos as aulas de Metafísica da Realidade IV. O professor era o padre Ellacuría, e ele se apresentou no primeiro dia de aula sem o programa da matéria. Não se tratava de um esquecimento ou de uma improvisação, mas sim de um desafio: fazer com que produzíssemos.
O padre nos disse mais ou menos estas palavras: "Vocês e eu vamos pensar e produzir sobre uma realidade problemática, fundamental, atual e que tem graves consequências para a vida social e política: a ideologia".
Depois, ao melhor estilo socrático, formulou algumas perguntas problematizadoras: o que a inteligência humana tem que lhe permite a possibilidade de ideologias específicas? Que diferenças existem entre ideologia, ideologização e desideologicação? Poderá haver na realidade uma ideologia não ideologizada? Também fez algumas advertência metodológicas: não partamos de respostas propostas nos manuais ou nos catecismos ideológicos. Pelo contrário, esse tipo de respostas são as que nós temos que pôr em questão como ponto de partida metodológico. Partamos, isso sim, conscientes da nossa "ignorância" com relação ao tema e de nossa necessidade de saber sobre ele, por causa das consequências políticas, sociais, culturais, epistemológicas e éticas que isso supõe.
O curso pretendia dois objetivos fundamentais: chegar a um produto filosófico sobre o problema da ideologia e seu vínculo com a inteligência, e iniciarmos ou avançar no processo do filosofar pessoal. O padre Ellacuría disse que se conseguíssemos esses dois objetivos, não só teríamos um curso de muito proveito para as pessoas que participavam dele, mas também se alcançaria uma certa resposta a um problema fundamental teórico-político que incide nas condutas sociais, tanto nos momentos de crise como nos momentos de aparente estabilidade.
Terminou sua primeira aula desse ciclo fazendo-nos uma sugestão: fazer um diário no qual formaríamos nossas próprias reflexões em torno do tema da ideologia. Uma espécie de "diário filosófico". No final do curso, deveríamos mostrar em um trabalho sistemático o conhecimento produzido. Por sua parte, ele se comprometia a uma tarefa semelhante. E, com efeito, hoje conhecemos esse escrito: "Ideologia e inteligência".
A partir de um assunto que continua sendo espinhoso (a ideologia), o padre Ellacuría ensinou aos alunos e alunas desse curso a aprender a pensar e a aprender como saber. Dois aspectos que são condição de possibilidade para uma inteligência que pretende ser crítica, criativa e livremente parcial com a causa dos pobres.
E se alguém se pergunta como eu fui no trabalho que me coube apresentar, só direi que o padre me fez observações interessantes que mais tarde me levaram a fazer minha monografia de graduação sobre o tema "Historização do conceito de democracia nos partidos políticos do El Salvador" (1985).
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A forma de ensinar de Ignacio Ellacuría - Instituto Humanitas Unisinos - IHU