O
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidiu que os militares acusados de torturar presos políticos na
Oban (Operação Bandeirante) durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus supostos crimes já prescreveram.
A reportagem é de
Bernardo Mello Franco e publicada pelo jornal
Folha de S. Paulo, 30-11-2011.
A decisão beneficia quatro ex-agentes do regime. Entre eles está o tenente-coronel reformado
Maurício Lopes Lima, que foi apontado como torturador pela presidente
Dilma Rousseff em depoimento à Justiça Militar, em 1970.
A Procuradoria Regional da República recorreu ontem ao TRF contra a decisão. No processo, os réus negaram a participação em maus-tratos.
O Ministério Público Federal pedia que os militares fossem responsabilizados na esfera cível, já que a Lei de Anistia livra os ex-torturadores de qualquer condenação penal.
A ação pedia que eles fossem declarados responsáveis por maus-tratos a 20 presos políticos, incluindo
Dilma, e obrigados a devolver a aposentadoria e a restituir os cofres públicos por indenizações a vítimas do regime.
Para a Procuradoria, os militares ainda poderiam ser condenados com base no tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, assinado pelo Brasil. O documento considera imprescritíveis os crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
Ao julgar o caso, a 6ª Turma do TRF se amparou na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a validade da
Lei de Anistia, em abril do ano passado.
"Não reconhecendo o STF a aplicação do referido tratado sobre os crimes de tortura (...), não existem fundamentos para afirmar que os seus efeitos civis possam ter repercussão", escreveu o relator do processo, o juiz federal convocado
Santoro Facchini.
De acordo com o magistrado, a ação não apontava a tortura como "fato ocasional ou delimitado", e sim como "prática sistematizada e institucionalizada" da ditadura.
O voto foi aprovado por unanimidade na sessão de 27 de outubro, e a decisão foi publicada no último dia 10.
Segundo o Código Civil, os crimes descritos em ações civis públicas como esta prescrevem em até dez anos.
O Exército instalou a
Oban em julho de 1969 na
rua Tutoia, no Paraíso (zona sul).
Quando os nomes dos réus apareceram na lista de torturadores divulgada pela
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em 1975, o órgão já não operava mais.
MODELO
No livro "
A Ditadura Escancarada", o jornalista
Elio Gaspari descreve a
Oban como "instituição modelar de repressão" do regime.
Por isso, esta ação era considerada uma das mais importantes do grupo de trabalho
Memória e Verdade do Ministério Público Federal, que investiga crimes da ditadura.
Atuaram na
Oban alguns dos principais acusados de torturas no período, como os majores
Waldyr Coelho e
Bernoni Albernaz e o delegado
Sérgio Paranhos Fleury.
A Procuradoria processou quatro remanescentes do órgão: os militares reformados
Homero César Machado,
Innocêncio Beltrão e
Maurício Lopes Lima e o ex-capitão da PM
João Thomaz.
A ação se baseou em documentos dos órgãos de espionagem e no livro "
Brasil Nunca Mais", organizado pela Arquidiocese de São Paulo.
A obra cita o depoimento em que
Dilma aponta
Lima como torturador. Em 2009, ela disse à Folha que o militar não a torturou, mas "entrava na sala e via tortura".
Acusado por Dilma, ex-agente comemora decisão
"Está começando a se fazer justiça." Foi assim que o tenente-coronel reformado
Maurício Lopes Lima, 76, comemorou ontem a decisão do TRF que o livra de responder a processo por tortura.
Ele foi apontado como responsável por maus-tratos a presos políticos em depoimento da presidente
Dilma Rousseff à Justiça Militar em 1970, ano em que ela foi presa por militar contra o regime.
"A acusação é inverídica. Mas jornalista só entende a palavra do terrorista", disse
Lima por telefone, de seu apartamento próximo à praia no Guarujá (litoral de SP).
"O terrorista falou, é verdade. A direita falou, é mentira. Quem faz isso é o Partido Comunista", afirmou.
Mantendo a pregação dos tempos da Guerra Fria, o militar negou as acusações de torturar na
Oban (Operação Bandeirante) e sustentou que
Dilma e os demais presos que o responsabilizaram por maus-tratos teriam mentido.
"Eles combinavam os depoimentos na cadeia. A
Dilma exerceu o direito de não criar provas contra si para se livrar do processo", disse.
"Esse pessoal estava contra o Brasil. Quando você fala em comunista, não pode admitir que seja brasileiro."
O tenente-coronel criticou a criação da
Comissão da Verdade, que foi sancionada por
Dilma no dia 18.
"Ela vai colocar sete comunistas ilibados lá?", perguntou. "Vai ser uma lenga-lenga. Revanchismo total."
Apesar dos protestos, ele disse que Dilma tem mantido posição equilibrada no debate sobre os crimes da ditadura. Mas aproveitou para criticar o ex-presidente
Lula, cujo governo idealizou a
Comissão da Verdade.
"Ela vem se portando de maneira digna, muito melhor do que o
Lula. Não está deixando a coisa sair pelos extremos", afirmou.
O militar também atacou a Procuradoria. "O Ministério Público, como é ignorante em assuntos de verdade, foi procurar as declarações [dos ex-presos] na Justiça Militar", disse. "Qual é a ideia de abrir uma ação 40 anos depois?"
Em dezembro passado,
Lima relatou à Folha ter integrado a ação que levou à morte dos guerrilheiros
Antônio dos Três Reis de Oliveira e
Alceri Maria Gomes da Silva, metralhados em maio de 1970 no Tatuapé (zona leste de SP).
Foi a primeira vez que um militar admitiu participação no episódio. Os guerrilheiros são considerados desaparecidos até hoje.
Ontem, o tenente-coronel reformado disse não ter procurado os ex-colegas da
Oban após saber da decisão do TRF. "Por que eu ia procurá-los agora? Só se fizerem uma festa", disse, aos risos.
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TRF livra militares de ação por tortura. Acusado por Dilma, ex-agente comemora decisão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU