01 Novembro 2011
Análise de um artigo provocador de um ativista que vê no peer to peer um modelo alternativo ao neoliberalismo.
A análise é de Francesco Antonelli, publicada no jornal Il Manifesto, 23-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante o meu curso de sociologia geral, enquanto eu falava dos paradigmas da pesquisa científica, um estudante me perguntou: "Se a ciência moderna se baseia no conceito de publicidade, de partilha das descobertas, como isso se concilia com o fato de as indústrias utilizarem os conhecimentos para fazer lucro que, depois, permanece com elas?".
No seu imediatismo, trata-se de uma questão repleta de radicalidade que investe sobre o âmbito do conhecimento em geral e que vai ao âmago das contradições do capitalismo contemporâneo. Para o estudante em questão, assim como foi para mim, uma leitura estimulante certamente é o Manifesto Telecomunista, de Dmytri Kleiner (Ed. Ombre Corte, 139 páginas).
Nos últimos anos, lemos dezenas de "manifestos", que têm a dupla finalidade de repropor uma alternativa forte de sociedade e atualizar o conteúdo do Manifesto de Marx e Engels, sobretudo na indicação das novas subjetividades do conflito. Também neste caso, o assunto em questão, não mais explorado nos seus contornos, mas já dado como consolidado, é o complexo dos trabalhos do conhecimento.
Dmytri, tanto no seu percurso de vida como membro do coletivo alemão Telekomunisten – é preciso ler o texto ou dar uma volta na web para captar toda a originalidade dessa experiência –, quanto como estudioso militante, se confronta diretamente com a ambivalência da rede e do capitalismo cognitivo, em vez de evitá-lo como fazem, infelizmente, muitos estudiosos radicais.
Conforme observado na introdução, e em consonância com a impostação metodológica de Marx, Dmyitri aproveita, de um lado, as oportunidades e as potencialidades que a rede torna possíveis em termos de compartilhamento e de multiplicação colaborativa do conhecimento. De outro lado, o que é destacado é o constante movimento de apropriação dessa riqueza, naturalmente comum e gratuita, transformada em mercadoria pelas grandes indústrias culturais e informáticas contemporâneas – como fez sistematicamente, por exemplo, a Apple: o desenvolvimento das forças produtivas é bloqueada pelas relações de produção, que hoje assumem a fundamental forma jurídica do copyright.
A cerca jurídica do imaterial (progressiva desapropriação dos bens e espaços públicos, ou commons) é o que separa artificialmente o produto do consumidor de software, de produtos culturais e assim por diante, limitando a possibilidade de geração de novos conhecimentos, riquezas também materiais e, sobretudo, a sua distribuição mais justa em um mundo que, ao contrário, torna-se cada vez mais desigual.
Do reconhecimento da esquizofrenia do trabalhador do conhecimento, nasce a originalidade e a força política da proposta de Dmytri e a sua ruptura com a própria ideia de revolução ou também de reformismo, compartilhada por uma parte significativa dos movimentos socialistas e comunistas do século XX: para superar essa situação, é preciso começar de baixo e não do alto, da esfera material e não do Estado. Desenvolvendo as formas alternativas de organização da produção do imaterial – como as comunidades à la Telekomunisten – para que, mais aderentes à lógica e às potencialidades da rede, elas se tornem não só mais justas socialmente, mas também superiores economicamente. A fim de realizar, no fim do movimento, uma revolução do sistema que nasce do interior do próprio sistema, na exigência de recomposição da alienação sofrida pelo trabalhador do conhecimento contemporâneo.
Dmytri oferece uma interessante conjugação do reformismo radical: se a classe operária diferia da burguesia como ator portador, sobretudo no plano econômico, de um modelo superior de produção, se não através da mediação da política, o trabalhador do conhecimento é exatamente um sujeito semelhante que o revolucionário e o intelectual de Trier jamais pode conhecer, obviamente.
Certamente, essa superioridade econômica da comunidade fundamentada na lógica peer to peer – e, portanto, só parcialmente ligada à tradição da autogestão ou, também, do movimento cooperativo, se não no plano das finalidades gerais – deve ser totalmente demonstrada. Assim como deve ser totalmente demonstrada o fundamento da sua análise da estrutura de classes contemporânea: a categoria do trabalhador do conhecimento, de fato, apresenta uma profunda estratificação interna e não é monolítica como Dmytri pensa.
O roteirista de séries como Lost não ganha e não têm os mesmos interesses de um trabalhador precário da universidade italiana. O fato de que, no plano político, prevalece a condição comum de criadores de símbolos e da sua utilização em um processo político-econômico, como a criação das comunidades, é um erro puramente voluntário, que se transmite à crítica que Dmytri faz das formas alternativas ao copyright, como o copyleft (você pode utilizar livremente um bem cultural contanto que o novo produto derivado leve consigo a mesma liberdade) ou os creative commons (o criador do produto pode escolher quais limitações devem ser aplicadas à sua utilização).
O ponto, totalmente político, medida sobre a qual deve se basear, em última análise, a avaliação de um "manifesto", é o reconhecimento flexível da função autoral, garantida em ambos os regimes alternativos, que Dmytri – embora, nesse ponto, o autor seja muito ambíguo – pareceria querer dissolver: não falemos tanto do reconhecimento econômico, mas sim do social.
Se não queremos cair na utopia, um ponto desse tipo não pode ser liquidado pela ideia de que todos os trabalhadores do conhecimento sejam reabsorvidos por uma única figura única, o prosumer, e por uma única e pura vontade coletiva de criação. Ao contrário, é preciso acertar as contas – até para uma melhoria da crítica ao copyright – justamente com o porte individualista dos trabalhadores do conhecimento e com as suas articulações internas. Em um estreito confronto com aquela ambivalência da rede, da qual o próprio Dmytri faz parte.
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"Manifesto Telecomunista": o compartilhamento e a sociedade de livres e iguais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU