25 Mai 2011
O lançamento do estudo do John Jay College sobre as causas dos abusos sexuais cometidos por padres católicos sinaliza o fim da investigação de cinco anos e de 1,8 milhão de dólares dos bispos dos EUA sobre a instituição que governam e sobre os padres a seu cargo. Mas o novo estudo dificilmente acalma as questões fundamentais que têm perseguido a Igreja e seus líderes desde que a crise se tornou pública pela primeira vez em meados da década de 1980.
A reportagem é de Tom Roberts, publicada no sítio National Catholic Reporter, 23-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.
As conclusões do estudo foram imediatamente contestadas pelas vítimas de abuso, por seus advogados e por aqueles que mantêm um enorme arquivo de documentos relacionados com o escândalo. Entre as razões que alegam afirmam que o relatório deveria ser abordado com cautela ou ceticismo estão:
- Persistem dúvidas sobre a confiabilidade dos dados de base que sustentam tanto o estudo mais recente, quanto um outro estudo sobre a natureza e a extensão do escândalo que foi divulgado em 2004, porque os pesquisadores se basearam principalmente nas denúncias dos bispos. A confiabilidade dessa informação é posta em questão em diversas frentes e foi mais recentemente desafiada por um relatório do Grande Júri que alegou que as autoridades da arquidiocese da Filadélfia não denunciaram dezenas de padres confiavelmente acusados. As dúvidas sobre a confiabilidade dos números ainda ganharam credibilidade de um dos pesquisadores do John Jay em uma recente entrevista.
- A conclusão de que o comportamento dos padres foi influenciado e refletiu a turbulência na cultura norte-americana durante os anos 1960 e 1970 é posta em questão, ou pelo menos qualificada, dizem os especialistas, dadas as revelações de escândalos semelhantes disseminados no Reino Unido e em vários países europeus. As dimensões do escândalo nesses países surgiram nos últimos meses, em um momento em que os pesquisadores do John Jay estavam concluindo a pesquisa sobre a Igreja dos EUA.
- A falta de qualquer olhar em profundidade sobre a dinâmica institucional, particularmente a cultura clerical/hierárquica, um elemento que alguns pensam ser essencial para entender por que e como o abuso de crianças foi encoberto e tolerado por tantos anos.
Além das dimensões limitadas do estudo – que abrangeu os anos de 1950 a 2010 e se concentrou sobre o comportamento dos padres –, persistem questões sobre o papel dos bispos na proteção dos perpetradores e na transferência os padres abusivos.
Terence McKiernan e Anne Barrett Doyle, do BishopAccountability.org, site que mantém um arquivo enorme de documentos sobre a crise, afirmou em uma entrevista que os números básicos do estudo eram suspeitos desde o início, porque nos casos em que a aplicação da lei foi envolvida, como na Filadélfia e em Los Angeles, o número de padres envolvidos em abuso é muitas vezes maior do que o que foi inicialmente relatado.
Margaret Leland Smith, analista de dados do estudo, foi questionada no dia 5 de abril, durante um programa de dois dias sobre abusos sexuais na Marquette University Law School, em Milwaukee, sobre as críticas de o estudo ter se baseado em dados relatados pelos próprios bispos que, em muitos casos, estão sendo investigados. Ela respondeu que os pesquisadores não estavam envolvidos em "um processo de investigação judicial. Não foi um processo de auditoria dessa forma".
O que é certo, disse, é que o padrão do abuso e suas características – crescendo ao longo dos anos 1960 e 1970 e diminuindo nos anos 1980 – "repetiram-se de diocese a diocese, região a região, em todo o país".
"Quer a contagem inclua tudo ou não, o fato de todas as acusações, quase todas as que tivemos, terem sido apoiadas por evidências e meios substanciais significa que é possível fazer uma inferência de que pode ter havido outras denúncias que as dioceses não submeteram porque não as consideraram substanciais. Eu não tenho nenhuma evidência de uma coisa ou outra sobre isso".
E brincou: "Vou entrar em apuros por causa isso".
Apenas algumas semanas depois das novas revelações na Filadélfia, ela acrescentou: "Parece ser uma inferência lógica, dados os eventos recentes, não posso afirmar". Na Filadélfia, o Grande Júri e um investigador independente descobriram que pelo menos duas dezenas de padres deveriam ter sido considerados confiavelmente acusados, mas não haviam sido denunciados.
Oportunidade perdida
Em uma declaração do dia 18 de maio, McKiernan chamou o relatório de "uma oportunidade tragicamente perdida e uma outra mancha sobre uma instituição já abalada pelas revelações na arquidiocese de Filadélfia. Há apenas uma esperança para redimir esse processo agora, e é que os bispos divulguem publicamente todos os dados que o John Jay College esteve usando, de modo que outros estudiosos possam analisar os dados devido aos problemas e começar a tirar suas próprias conclusões".
Richard Sipe, ex-padre que estudou para lidar com problemas mentais dos padres e escreve extensivamente sobre o celibato e o sacerdócio, disse que saúda o relatório como um estudo importante, "porque delineia a geografia dos problemas da Igreja Católica com a sexualidade humana e como eles impactam o seu clero".
Ele disse que um dos maiores valores do estudo é que ele instiga outras pesquisas e mostra áreas onde a pesquisa precisa ser feita. Entre os pontos fracos do estudo, disse, está a sua incapacidade de dar conta da cultura clerical, exceto de uma forma "muito pequena, não essencial".
"Que outro grupo de homens se dedica de maneira férrea a um voto de perfeita e perpétua castidade?", questionou.
Ele disse que o estudo também falha ao não fazer uma séria investigação sobre os elementos institucionais peculiares ao catolicismo – sigilo, clericalismo, autoritarismo – que estão surgindo, de forma semelhante à experiência nos Estados Unidos, enquanto o escândalo de abuso sexual é revelado em outros países.
Mudança sociocultural dos anos 1960?
O padre dominicano Thomas Doyle, que há muito tempo defende as vítimas de abuso do clero e, atualmente, presta consultoria a advogados dos demandantes internacionalmente, disse que o relatório não possui dados importantes "sobre o aumento do número de casos de abuso que estão surgindo e que ocorreram antes dos anos 1960". Ele disse que, em seu trabalho com os advogados dos Estados Unidos, viu "casos de centenas de adultos em seus 60 e 70 anos que recém-começaram a surgir".
Ele disse que, enquanto o estudo do John Jay se limita aos Estados Unidos e aos anos 1950 a 2010, há sinais em outros países de que o abuso dentro da instituição ocorreu muito amplamente antes do período estudado. No Reino Unido, por exemplo, dezenas de pessoas na faixa dos 60 e 70 anos começaram, pela primeira vez em suas vidas, a contar sobre os abusos sofridos em escolas católicas privadas. "São incidentes que aconteceram e que não tiveram nada a ver com as mudanças socioculturais dos anos 1960 e 1970".
O estudo, segundo ele, está totalmente dedicado ao comportamento dos padres e faz pouco questionamento do porquê os bispos se comportaram dessa forma. Nesse sentido, disse, o relatório "ignora o ponto essencial, que é: quando o abuso e abusador se tornaram conhecidos das autoridades da Igreja, por que foram autorizados a continuar fazendo o que faziam?".
Os relatórios em andamento sobre abuso sexual em outros países "desconstroem a teoria" das causas apresentadas no relatório. "Os padrões que vimos são similares em todos os países: quantidades significativas de abusos sexuais de grupos vulneráveis e a pressão de uma cultura religiosa sobre as vítimas e sobre os pais contra dizer qualquer coisa".
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As limitações do estudo americano sobre pedofilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU