28 Janeiro 2011
"Massa jovem desempregada, comida cara e exemplo da Tunísia são algumas causas do protesto de rua no Egito", escreve Vinícius Torres Freire, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 28-01-2011.
Eis o artigo.
O sol está quente no deserto do Saara, ou pelo menos no norte da África. Como se sabe, a ditadura da Tunísia estremeceu, há protestos na Argélia, os mumificados Egito e Iêmen vivem tumultos nas ruas.
Saber o que se passa nesses lugares mais ou menos esquecidos é que está difícil. O grosso da imprensa ocidental não vai muito além de contar mortos e dar destaque a idiotices como dizer que os protestos foram organizados por meio de "redes sociais e celulares". De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones. Mas passemos.
O que se passa? As revoltas no sul do Mediterrâneo afetam países árabes sob ditaduras mais ou menos estáveis e sem oposição relevante organizada (afora a Argélia). Houve o efeito contágio, o bom exemplo da revolta na Tunísia. Mas já houve muita revolta na Argélia e nada aconteceu nos vizinhos; já houve uma oposição islâmica mais forte no Egito, hoje quietinha e reprimida, e nada aconteceu nem no Egito. Há, de novo, inflação da comida. Mas a inflação da comida foi pior em 2008. É o efeito "limiar", de revolta acumulada com a pobreza e fome?
A economia do Egito não está em crise. Desde 2005, cresce em média mais de 6% ao ano, como quase todo o mundo "emergente" ou quase isso (embora o crescimento da renda per capita seja menos significativo, pois a população cresce a 2% ao ano, o dobro da taxa brasileira).
A economia vai bem, o povo vai mal. Mais de 40% é pobre (daquela pobreza Banco Mundial, de viver com menos de US$ 2 por dia); a pobreza voltou a aumentar depois de 2008. Dois terços vivem sob uma espécie de programa Fome Zero. O PIB per capita equivale a um terço do brasileiro. Afora alguns subsídios para subsistência, o Estado não tem muitos recursos de proteção social -a receita de impostos é de apenas 15% do PIB.
Desde 2005, o desemprego flutua entre 9% e 11%, já em si alto, ainda mais se considerada a baixíssima participação das mulheres na força de trabalho. Mas, como diz um diplomata brasileiro mais entendido em Egito, o problema seria a "bronca dos jovens", que ora parecem liderar os protestos, um tanto desorganizados. Cerca de 90% dos desempregados têm menos de 30 anos. O desemprego entre os jovens de 20 a 25 anos costuma ser o triplo ou o quádruplo da média nacional.
Sim, voltemos à inflação da comida. No pico da crise de 2008, chegou a quase 30% ao ano (a inflação geral média nos últimos cinco anos foi de 12%, já muito alta, e deve ser de 11% em 2011); agora, anda pela casa dos 20%. O país importa metade do milho e do trigo que consome, alimentos básicos. O preço de quase todas as commodities, comida, combustíveis, metais e minérios, está de novo na direção do recorde.
Economia apenas não explica revoluções, claro. O Egito é uma desgraça socioeconômica faz tempo e, de resto, a economia passou a crescer bem depois de meados dos anos 2000. Aparentemente, a geração do boom demográfico egípcio dos anos 1990 é que não tem a mesma paciência dos seus patrícios mais velhos. Desocupada, imensa, essa geração viu o "mau exemplo" da Tunísia e resolveu tomar satisfações.
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Sol quente no deserto do Saara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU