11 Dezembro 2012
Um biógrafo diz que o renomado diretor norte-americano, no fim de sua vida, evitou a religião. "Não é verdade", diz um jesuíta. "Eu estava lá".
A opinião é do jesuíta norte-americano Mark Henninger, professor de filosofia da Georgetown University. O artigo foi publicado no jornal The Wall Street Journal, 07-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Eu lembro que, quando eu era jovem, eu assistia ao programa "Alfred Hitchcock Presents", em preto e branco, na TV, e ficava encantado desde o início pela caricatura desenhada em nove linhas do perfil rotundo do famoso diretor de cinema. O tema musical malicioso definia o clima, enquanto Hitchcock aparecia em silhueta a partir da borda direita da tela e depois caminhava até o centro, substituindo a caricatura. "Boa noite". Seguiam-se as suas introduções jocosas, tão diferentes de qualquer outra coisa da televisão.
Tais emoções de infância voltaram novamente quando, no início de 1980, eu entrei em sua casa em Bel Air para vê-lo dormindo em uma cadeira em um canto da sua sala de estar, vestido em um pijama preto azeviche.
Na época, eu era um estudante de graduação em filosofia na Universidade da Califórnia e era (e continuo sendo) um padre jesuíta. Um colega padre, Tom Sullivan, que conhecia Hitchcock, disse em uma quinta-feira que, no dia seguinte, ele iria ouvir a confissão de Hitchcock. Tom perguntou se na tarde de sábado eu o acompanharia para celebrar uma missa na casa de Hitchcock.
Eu fiquei estupefato, mas é claro que eu disse que sim. Naquele sábado, quando encontramos Hitchcock dormindo na sala de estar, Tom gentilmente o sacudiu. Hitchcock acordou, olhou para cima e beijou a mão de Tom, agradecendo-lhe.
Tom disse: "Hitch, este é Mark Henninger, um jovem padre de Cleveland".
"Cleveland?", perguntou Hitchcock. "Vergonhoso!"
Depois de conversarmos por um tempo, todos cruzamos a sala através de um corredor até o seu escritório, e lá, com a sua esposa Alma, celebramos uma missa tranquila. À minha frente, estavam os volumes encadernados de os roteiros de seus filmes Os Pássaros, Psicose, Intriga Internacional, e outros – uma grande distração. Hitchcock havia se afastado da Igreja por algum tempo, e ele dizia as respostas em latim, na forma antiga. Mas a visão mais marcante foi que, depois de receber a comunhão, ele chorou silenciosamente, com lágrimas escorrendo pelas suas enormes bochechas.
Tom e eu voltamos várias vezes, sempre nas tardes de sábado, às vezes juntos, mas eu me lembro de ir sozinho uma vez. Eu fico um pouco com a língua presa perto de pessoas famosas e achei um pouco estranho bater papo com Alfred Hitchcock, mas o fizemos, prazerosamente, em sua sala de estar. Em certo momento, ele disse: "Vamos rezar a missa".
Ele tinha 81 anos e tinha dificuldade para se movimentar, por isso eu o ajudei a se levantar e assisti-o ao longo de todo o corredor. À medida que caminhávamos devagar, eu senti que tinha que dizer algo para romper o silêncio, e o melhor que eu consegui foi: "Bem, Sr. Hitchcock, o senhor viu algum filme bom ultimamente?". Ele fez uma pausa e disse enfaticamente: "Não, não vi. Quando eu fazia filmes, eles eram sobre pessoas, não sobre robôs. Robôs são chatos. Vamos, vamos rezar a missa". Ele morreu logo depois dessas visitas, e a sua missa fúnebre foi na Igreja Católica do Bom Pastor, em Beverly Hills.
Alfred Hitchcock voltou ao noticiário recentemente, graças a um retrato aparentemente pouco lisonjeiro dele em uma nova produção de Hollywood. Alguns de seus biógrafos também não têm sido bons. A religião, também, está muito no noticiário, também apresentada muitas vezes sob uma luz pouco lisonjeira, porque crenças conflitantes estão em questão em guerras e terrorismo. A violência provoca algumas pessoas a rejeitar a religião. Para muitos que experimentam a religião só dessa forma – em segunda mão, na mídia, de longe – tal reação é a de um grau compreensível.
O que eles perdem é que a religião é um questão intensamente pessoal. Santo Agostinho escreveu: "Magnum mysterium mihi" – eu sou um grande mistério para mim mesmo. Por que exatamente Hitchcock pediu para que Tom Sullivan o visitasse não está claro para nós e, talvez, não estava completamente claro para ele. Mas algo sussurrou em seu coração, e as visitas respondiam a um profundo desejo humano, a uma necessidade humana real. Quem de nós não tem essas necessidades e desejos?
Algumas pessoas consideram suspeitas essas voltas à religião no fim da vida, um sinal de fraqueza ou de que a pessoa está "perdendo o autocontrole". Mas nada concentra mais a mente do que a morte. Há uma longa tradição que remonta a tempos antigos de memento mori, lembrar-se da morte. Por quê? Eu suspeito que, ao enfrentar a morte, podemos finalmente ver com sobriedade, seja claramente ou não, verdades perdidas durante anos, o que finalmente vale a nossa atenção.
Sopesar a vida com a sua parte de feridas sofridas e infligidas em tal perspectiva e buscar a reconciliação com um Deus que experimentamos e que perdoa me parece ser profundamente humano. A extraordinária reação de Hitchcock ao receber a comunhão foi o rosto da humanidade e da religião reais, distantes das manchetes... ou dos atuais cineastas e biógrafos.
Um dos biógrafos de Hitchcock, Donald Spoto, escreveu que Hitchcock deixou dito que ele "rejeitava sugestões de que ele permitia que um padre (...) viesse para uma visita, ou celebrasse um ritual discreto e informal em casa para o seu conforto".
O fato de que, nos dias finais do diretor do filme, ele tenha deliberada e exitosamente permitido que estranhos acreditassem exatamente no contrário do que aconteceu, é Hitchcock puro.
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O final surpresa de Alfred Hitchcock - Instituto Humanitas Unisinos - IHU