04 Dezembro 2012
Há uma bomba de gases-estufa prestes a explodir em Doha, onde acontece a conferência da ONU que negocia um acordo climático. São perto de 13 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, quase 2,5 vezes as emissões anuais europeias, e que podem comprometer qualquer acordo para proteger o planeta das mudanças do clima.
A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 04-12-2012.
Rússia, Ucrânia e Polônia são os donos desse problema, que os negociadores tentam resolver antes do fim do encontro, na sexta-feira. O colapso das economias do Leste Europeu, quando se fixavam as regras dos cortes de emissões do Protocolo de Kyoto, gerou a confusão. A União Soviética era a segunda economia do mundo. Comprometeu-se a reduzir suas emissões a partir do mesmo ano-base dos outros, 1990. Mas o colapso econômico após a queda do comunismo deixou a Rússia com um crédito de toneladas de carbono que, efetivamente, não fez esforço para cortar.
O caso de Polônia e Ucrânia é o mesmo. Kyoto introduziu o conceito de licenças de emissão, conhecido pela sigla AAU, em inglês. Uma AAU permite ao país emitir uma tonelada de CO2 equivalente (medida que compara a emissão dos gases-estufa tomando por base o CO2). Na primeira fase de Kyoto, entre 2008 e 2012, os países ricos com metas de corte recebiam AAUs correspondentes às toneladas que poderiam emitir durante os primeiros cinco anos de vigência do protocolo. E podiam comercializar essas licenças entre si.
O caso recebeu, dos ambientalistas, o apelido de "hot air", uma espécie de batata quente no jargão climático. Agora, quando se negocia o segundo período de Kyoto, a começar em 2013, esses países querem carregar seus créditos para o futuro. É o caso da Polônia, que criou um conflito com os parceiros da UE. Os outros países não concordam com a ideia de que essas toneladas de carbono possam ser comercializadas e lançadas à atmosfera em um momento em que o que se procura fazer o inverso.
Connie Hedegaard, comissária de ação climática da UE, lembrou ontem que o a legislação do bloco impede que esse carbono seja comercializado a partir de janeiro de 2013. Mas isso não impediria que outros países, como a Austrália, comprassem as licenças para emitir da Polônia ou da Rússia.
A oposição a que o "hot air" possa ser carregado à segunda fase do Protocolo de Kyoto une, em Doha, governos e ONGs. "É uma questão de integridade ambiental", diz Martin Kaiser, especialista em clima do Greenpeace. "O segundo período de Kyoto não pode permitir nenhuma comercialização dessas emissões." Para Samantha Smith, do WWF, "a Polônia precisa mudar sua posição, e os ministros da União Europeia têm que fazer o que é certo." Um negociador do grupo dos países em desenvolvimento diz que a "questão é séria e precisa de solução urgente."
Os ministros de Meio Ambiente europeus se reuniram em outubro para decidir sobre o tema, mas não houve acordo. A Polônia resistiu à ideia de não poder usar suas licenças de emissão no segundo período de Kyoto. "A Rússia é ainda mais imprevisível. Pode bloquear tudo", teme um negociador. Rússia e Ucrânia têm dois terços desses bilhões de toneladas de carbono - 5,8 bilhões e 2,6 bilhões de toneladas respectivamente, segundo um estudo do Point Carbon.
O caso polonês é ainda mais complexo. Muito dependente do carvão, o governo polonês bloqueia a aspiracão de outras economias do bloco europeu de aumentar sua promessa de cortar emissões, da atual meta de 20% para 30% em 2020. Além de garantir a posição de vanguarda no front climático, os europeus querem estimular seu mercado de créditos de carbono, que vive um momento de superoferta e preços muito baixos. Também já alcançaram 18% de sua meta de 20%, o que torna um corte maior possível de ser cumprido. Peter Altmaier, ministro alemão do Meio Ambiente, disse há poucos dias que quer aprovar a meta de corte de 30% em Doha, mesmo sem apoio da Polônia, país que se candidatou a hospedar a próxima reunião do clima, no fim de 2013.
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Crédito de carbono do ex-bloco comunista ameaça acordo em Doha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU