31 Outubro 2012
Na internet, a técnica não se impõe, mas se interpõe na experiência multissensorial do sagrado. Gera-se uma complexa atividade técnico-simbólica na qual os “bits” são afetados pelos imaginários diversos, mas, também, pela complexidade do mistério.
Publicamos aqui um trecho da apresentação de Antonio Fausto Neto, pós-doutor em comunicação e professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), ao livro E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Ed. Santuário, 2012), de Moisés Sbardelotto.
Fausto Neto é doutor em Ciências da Comunicação e da Informação pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, França, e pós-doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É também cofundador da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós).
Eis o texto.
As novas tecnologias, transformadas em meios de comunicação, não ficam restritas à ambiência da midiatização, seguindo apenas os postulados das lógicas dos seus “inventores”. São apropriadas pelas estratégias dos diferentes campos sociais, lhes impondo destinos que obedecem outras racionalidades, permeadas pelas singularidades de suas práticas (políticas, culturais, científicas, associativas, religiosas etc.). Este dado empírico que cresce celeremente, no âmbito da organização social, está atravessado por muitas questões, revelando surpresas e pondo em questão paradigmas e discursos determinísticos, através dos quais fenômenos emergentes, como a internet, estão sendo analisados. (...)
É neste contexto de “contatos” e de formulações de novas hipóteses, para além do postulado determinístico que aparece – numa primeira versão como pesquisa para a produção de uma dissertação de mestrado – o livro aqui apresentado. Esta pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação – PPGCom – da Unisinos (Rio Grande do Sul), estuda as relações do campo religioso com a internet. O autor se interessa pelo ambiente católico brasileiro online, no qual se promove e se incentiva a relação e o vinculo do fiel com seu Deus.
Mostra-se, aqui, a relação dos fieis com uma oferta de práticas de religiosidades, que extrapola os templos e que escapa das mãos dos atores religiosos, se manifestando na ambiência da internet, segundo o trabalho dos próprios fiéis.
Sua proposta não visa a analisar o que há de teológico no tecnológico, nem analisar as bases teológicas ou filosóficas do tecnológico. Nem examinar uma prática pastoral por parte de agentes religiosos, mas sim uma realidade nova para a Igreja Católica e que se manifesta através de um complexo processo de midiatização. Para tanto, descreve processos através dos quais emerge um novo fiel, o “fiel-internauta” que, por força dos protocolos ensejados por novas tecnologias convertidas em meios, fiel desponta como um “coconsagrador”, ao assumir um novo trabalho simbólico, numa ambiência até então reservada e regulada por protocolos da Igreja .
Trata-se de uma publicação que se insere na nova onda de estudos sobre os processos de midiatização das práticas religiosas no Brasil, chamando atenção para as possibilidades de apropriação da internet no âmbito das práticas religiosas de inspiração católica, particularmente na configuração de um novo “Verbo”, de um novo tipo de “interação comunicacional fiel-igreja” .
Ao se definir por este caminho investigativo, a pesquisa transformada em livro, aponta para questões contemporaneamente importantes. Reconhece a internet como dispositivo dinamizador de novas possibilidades de organização de práticas religiosas, esquivando-se de um discurso abstrato e/ou generalizador. Contrariamente a esta perspectiva, prioriza as relações das tecnologias com seus modos de existências, que são atribuídos por lógicas e postulados advindos das práticas sociais e do seus respectivos funcionamentos. A internet é, neste caso, um objeto referido pelas motivações e demandas de prática de um determinado campo social (o religioso), e suas operações dependem de injunções de várias lógicas: as do sistema tecnológico, as do campo religioso (em termos institucionais) e, também, as dos atores-fiéis.
Para estudar esta modalidade de interação entre os fiéis e o sagrado, pelo agenciamento da internet convertida em meio, o autor faz um percurso amplo e cuidadoso, que se materializa nas diversas fases de sua pesquisa. Discute o fenômeno da midiatização digital da religião, construindo quatro cenários: religião ou internet; religião e internet; religião na internet; religião pós-internet. Faz uma densa reflexão sobre a especificidade de cada um destes ângulos, estabelecendo, porém, um ponto de inflexão: o eixo da técnica convertida em meio e, especificamente, o complexo trabalho técnico-discursivo que é feito pelo fiel para construir vínculos entre o sagrado e o profano.
Descreve, a partir de sites católicos brasileiros, marcas e passos através dos quais se constitui um novo caminho, cada vez mais midiatizado, pelo qual se realizam novos contatos entre o fiel e Deus. Dos processos e de suas manifestações, resultam as “novas materialidades do sagrado”, uma vez que a construção desta modalidade de experiência de religiosidade se faz em torno de complexas operações tecnocomunicacionais, envolvendo, como por exemplo, dimensões digitais e hiperdiscursivas.
O livro é um registro de uma problemática duplamente contemporânea: a intensa transformação de tecnologias emergentes em meios de comunicação, fenômeno que desafia os instrumentos de pesquisa disponíveis para observá-lo na sua mutação e dinâmica; e um outro fenômeno que é esta “Igreja do Futuro” que se tece nas plataformas digitais online. (...)
Este livro, além do rigor da pesquisa acadêmica – especialmente a riqueza observacional e do dialogo do seu autor com outras fontes – estipula uma instigante proposta aos estudiosos sobre a temática da midiatização das práticas sociais, especialmente para as investigações que envolvem a internet e suas novas formas de funcionamento. Independentemente do caráter das instituições, a internet faz um “desembarque” no âmbito de diferentes práticas. Mas trata-se de uma “chegada” submetida a múltiplas injunções de operações de sentidos, como aquelas que os fiéis realizam nos sites aos quais têm acesso, segundo suas estratégias de apropriação. Como diz muito bem o autor, a técnica não se impõe, mas se interpõe na experiência multissensorial do sagrado. Gera-se uma complexa atividade técnico-simbólica na qual os “bits” são afetados pelos imaginários diversos, mas, também, pela complexidade do mistério.
Um livro não apenas voltado para o leitor universitário, mas que se destina a todos os leitores enquanto atores desta nova ordem complexa que envolve os mundos comunicacional e religioso. Pesquisa na forma de livro que abre horizontes para a compreensão sobre a religião (do fiel) que se constitui na internet.
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A religião (do fiel) que se constitui na internet. Artigo de Antonio Fausto Neto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU