11 Outubro 2012
A sociedade hoje parece admitir que as mudanças que a atravessam depois de cerca de 50 anos têm consequências antropológicas. A uma moral natural, à inviolabilidade da natureza humana, opõem-se a livre escolha e toda a gama de recomposições de si mesmo. A Igreja não tem outra escolha do que tentar refundar um consenso não sobre valores, mas sobre o laço social.
A opinião é de Olivier Roy, professor do Instituto Universitário Europeu de Florença, na Itália, diretor do programa ReligioWest, e autor de La Sainte Ignorance, em artigo publicado no jornal Le Monde, 28-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A condenação do casamento homossexual pela Igreja Católica é, à primeira vista, lógica. Não só porque a homossexualidade é rejeitada na Bíblia: a Igreja, com efeito, fez alguns progressos na sua abordagem aos homossexuais, agora percebidos como indivíduos, no melhor caso, dignos de respeito, no pior, de compaixão.
A rejeição do casamento homossexual pela Igreja vem, acima de tudo, do fato de que ele parece ser (ao contrário dos PaCS – Pactos Civis de Solidariedade) uma falsificação do "verdadeiro" casamento. Portanto, é no sentido e na função do casamento que se centra o debate. Mas o que é curioso nos argumentos usados por ambos os lados é que se tem a impressão de assistir a um debate em frontes invertidos.
O argumento a favor do casamento homossexual é, no fundo, largamente cristão. De fato, por que os homossexuais gostariam de se casar se eles justamente não foram atraídos por aquilo que pode significar o casamento em oposição aos PaCS ou ao "amor livre", como se costumava dizer?
A exigência do direito ao casamento, para além de um igualitarismo abstrato, é a rejeição daquilo que, há muito tempo, é percebido como uma marca da homossexualidade (em todo caso, masculina): o nomadismo sexual e a promiscuidade em todos os sentidos, em outras palavras, a cultura dos backrooms e das saunas. Por oposição, querer o casamento é rejeitar a dissociação entre amor e sexualidade, é querer inscrever o casal na duração, não somente os cônjuges, mas os seus descendentes (nesse sentido pode-se falar de um deslizamento dos ambientes homossexuais para o conservadorismo social, a promoção da família e a busca de respeitabilidade, o que se traduzirá politicamente por uma passagem à direita, desde que a lei seja votada).
Essa homenagem do "vício" à "virtude" deve ser vista como uma boa notícia para os defensores do casamento. Claro, isso não funciona, mas a Igreja não tem saída: como definir o casamento de outra forma do que a sublimação da sexualidade no amor e na fidelidade, que se tornou assunto dos homossexuais?
Certamente, a Igreja evoluiu em sua concepção do casamento: nos Evangelhos, trata-se sobretudo de conter o "ato carnal", se não é possível sublimá-lo na abstinência. Foi só pouco a pouco que o casamento se tornou um valor em si: o amor dos esposos é agora definido como um reflexo do amor de Cristo, a fidelidade como um valor em si mesma, e a felicidade conjugal como um objetivo tão sadio quanto santo.
A irrupção da liberação sexual, justamente no século XX, levou a Igreja a refinar o seu discurso, valorizando a harmonia entre sexualidade e amor na fidelidade do casal, que permitiria uma verdadeira autorrealização, em oposição a uma liberdade sexual que depreciaria tanto o amor quanto o corpo, gerando tédio, fadiga e aversão de si.
Agora, nos argumentos da Igreja contra o casamento homossexual, o amor, de repente, cai no esquecimento, e por uma boa razão: ele é o leitmotiv dos pretendentes ao anel homonupcial.
O que a Igreja diz então? Que o casamento homossexual ameaça os fundamentos antropológicos da nossa sociedade e que o amor não pode se expressar senão nos limites desse modelo antropológico. O cardeal Philippe Barbarin fala de "mudança de civilização" e declara que a família se fundamenta "nesse amor complementar e duradouro entre homem e mulher: é uma questão em sentido sociológico, antropológico do termo. Profundamente, há uma escolha de civilização que concerne ao modelo familiar, assim como ao fim da vida", enquanto Dom Bernard Podvin, porta-voz da Conferência dos Bispos da França, declara que o amor homossexual "coloca uma questão antropológica".
Em certo sentido, esse é o senso comum: nunca houve consenso na Igreja ou na sociedade sobre o fato de que o casamento se fundamenta no amor (basta ler 1Coríntios 7, 1-2). Mas o que há de mais profano do que um assunto antropológico? Então, um aviso a todos os ex-jovens casais que se submeteram aos cursos de preparação para o casamento e à pastoral dos noivos: era melhor ler Lévi-Strauss do que conciliar o Evangelho, a poesia de Paul Eluard e a ternura.
Afinal, se o casamento é definido pelo amor dos parceiros, ele já não podia ser apresentado como fundamento antropológico da sociedade, que é o grande argumento das culturas que levam adiante o casamento arranjado, do hinduísmo aos judeus ultraortodoxos: o casamento é um assunto demasiado sério para ser confiado à subjetividade dos jovens nubentes.
É difícil para a Igreja contestar que duas pessoas do mesmo sexo possam se amar, e também é difícil se opor à "esterilidade" do casal homossexual, porque ela pode ser superada pela adoção ou por técnicas de procriação artificial. Assim, só resta o argumento antropológico: a apologia de uma ordem natural que deve escapar à manipulação. Mas por que utilizar um argumento tão profano?
A Igreja, cuja mensagem religiosa parece inaceitável, busca agora um argumento compreensível para aqueles que, crentes ou não, rejeitam a autoridade do sagrado e as normas da Igreja. E esse argumento só pode ser profano, isto é, "cientificista". Convocam-se as ciências sociais para inscrever a verdade no fato, ao invés do valor ou do sentido. Se na primeira metade do século XX crentes e não-crentes compartilhavam valores comuns (apologia da família, criminalização da homossexualidade, rejeição do aborto), esse consenso desapareceu: a cultura secular dominante não compartilha muito mais coisas com o cristianismo, ela se tornou mais pagã do que profana.
A sociedade hoje parece admitir que as mudanças que a atravessam depois de cerca de 50 anos têm consequências antropológicas. A uma moral natural, à inviolabilidade da natureza humana, opõem-se a livre escolha e toda a gama de recomposições de si mesmo. A Igreja não tem outra escolha do que tentar refundar um consenso não sobre valores, mas sobre o laço social.
Mas esse último consenso também não existe mais, como descobrem todos os populistas que tentam definir uma "identidade" do povo, identidade reduzida a alguns marcadores pobres. Mas é realmente papel da Igreja se lançar em uma busca identitária nos fundamentos antropológicos da sociedade?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Do amor cristão à antropologia profana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU