24 Setembro 2012
Jacques Attali, ex-conselheiro de François Mitterrand, presidiu, durante o mandato de Nicolas Sarkozy, a comissão que leva seu nome com o intuito de reformar a França “para liberar o crescimento”. Ele lamenta que poucas dessas medidas tenham sido implantadas, e garante que elas continuam sendo atuais, no contexto da crise das finanças públicas.
A entrevista é de Claire Gatinois, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 20-09-2012.
Eis a entrevista.
O governo francês tem razão em defender o tratado europeu?
Esse tratado é uma necessidade histórica, representa uma etapa indispensável da construção europeia. Ele instaura um formalismo, que já existia parcialmente com o Tratado de Maastricht, insistindo na ideia de que os países devem fazer com que suas gestões orçamentárias sigam a mesma linha. Para isso, devem admitir uma coerência na preparação desse orçamento com uma intervenção das instâncias comunitárias europeias.
Será preciso ir mais longe: conseguir a união bancária, a união fiscal, social, democrática etc. Isso levará dez, vinte anos. Mas, se essas etapas fracassarem, a zona do euro acabará se extinguindo.
A menção de uma meta de déficit estrutural (levando em conta a evolução da economia) é um avanço?
É algo excelente. Eu preferiria que insistissem mais nesse ponto. A austeridade, em período de recessão, acentua a queda da economia, reduz as receitas fiscais e se torna contraproducente. É preciso parar de calcular a meta de déficit público e de dívida em relação ao produto interno bruto. Isso não tem sentido. É preciso pensar em termos de receitas fiscais. Assim como para uma pessoa física, precisamos calcular sua capacidade de pagamento em relação às suas rendas! Um outro ponto do tratado, importante, é levar em consideração não a redução do déficit em valor absoluto, mas o esforço feito. Infelizmente, ainda estamos focando no número de déficit “bruto” de 3%.
A França deverá abandonar essa meta de 3%?
Não mesmo. A França não pode abrir mão dela unilateralmente, ela perderá toda sua credibilidade. A longo prazo, as finanças públicas devem estar equilibradas. Dito isso, a curto prazo, e considerando a intensidade excepcional da crise, é preciso estabelecer a questão da trajetória de restabelecimento das contas com nossos parceiros europeus.
François Hollande foi eleito condenando a austeridade. Ele convenceu?
Por sua ação, mas também pelas circunstâncias, ele conseguiu uma mudança radical. Antes de sua eleição, a austeridade absoluta era a única política. Hoje, o Banco Central Europeu (BCE) mudou de conduta dando meios aos Estados e aos bancos de ter liquidez. Foi um imenso avanço. Nós nos salvaremos todos juntos e teremos problemas todos juntos. Só que o BCE oferece ajuda aos países contanto que eles conduzam reformas. Quais? Quem define a política? Isso continua vago, e não necessariamente democrático.
O relatório da comissão que o senhor presidia durante o mandato de Nicolas Sarkozy propunha reformas. Nenhuma foi realmente aplicada.
Isso não é verdade. Essa comissão, composta por personalidades de esquerda, de direita, de estrangeiros, de representantes dos sindicatos e do patronato entregou dois relatórios. Um em 2008 e outro em 2010, para insistir na urgência das reformas. No final, digamos que um terço das propostas foi implementada: quebra amigável do contrato de trabalho, desregulação do comércio, reforma da Alta Autoridade da Concorrência, grande empréstimo, agrupamento das universidades...
Além disso, Nicolas Sarkozy retomou em seu programa outras ideias do relatório, mas sem aplicá-las. Nós propúnhamos, entre outras coisas, cortes orçamentários e impostos novos que representavam 30 bilhões de euros por ano durante três anos. Isso deve ser feito este ano. Se tivéssemos feito esse esforço já no orçamento de 2010, a França teria uma credibilidade bem superior junto aos mercados e a seus parceiros europeus.
Por que isso não foi feito?
Provavelmente por falta de coragem política. Mas se os políticos tiverem medo da revolta dos franceses, eles terão a revolução.
Como o senhor avalia a ação de Mario Monti, presidente do conselho italiano, que implementou algumas das reformas defendidas por sua comissão, da qual ele é membro?
Ele tem uma coragem imensa. Na França, os governos têm tempo, mas ele tem somente seis meses antes das próximas eleições. Ele enfrentará uma decepção da população, inevitável, pois as reformas não terão efeito a curto prazo. Mas ele está mudando profundamente a sociedade italiana, de maneira positiva.
Quais serão as reformas urgentes para a França?
A reforma das coletividades territoriais. Nós temos 38 mil comunas, sete níveis de coletividades. É preciso reduzir esse número, seus poderes e seus compromissos orçamentários. A distribuição das bolsas-família também deve ser revista para concentrar as ajudas às pessoas que realmente precisam.
A formação profissional, que custa mais de 30 bilhões – com muito desperdício – deverá ser dedicada principalmente às pessoas que correm o risco de perder o emprego. A reforma da política da moradia, que pressupõe uma retomada de controle por parte do Estado sobre o domínio das propriedades, é também uma prioridade. É preciso simplificar o Estado e fazer com que a economia se torne mais “positiva”, orientada para os setores do meio ambiente e da responsabilidade.
As escolas primárias também devem ser mais adaptadas a cada bairro. A identidade de tratamento não significa igualdade de oportunidades. Por fim, é preciso melhorar nossa competitividade, reduzir os encargos das empresas, compensando com um aumento do IVA [imposto sobre valor agregado] ou da CSG [contribuições sociais].
É a vitória das teorias liberais?
De jeito nenhum. Sou a favor de um Estado forte, justo e eficaz. Isso não quer dizer um Estado obeso. A força do Estado não está em publicar leis que permaneçam sem ser aplicadas. Só que quando o Estado não tem mais dinheiro, ele faz leis, e quando faz leis demais, ele não as aplica.
Se a França, que ainda está sendo poupada pelos mercados, não agir, ela estará em perigo?
A dívida pública francesa atingiu um limite absoluto. Os mercados continuam benevolentes pois estão com a impressão – justificada, espero – de que reformas profundas e corajosas serão conduzidas. É possível, com um presidente que tem mais quatro anos e meio ainda pela frente e uma maioria que tem tudo para se permitir ser impopular provisóriamente. Mas os investidores podem perder confiança em março ou abril, quando eles avaliarão a credibilidade da realização do orçamento de 2013.
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Os políticos franceses temem a revolta? Entrevista com Jacques Attali - Instituto Humanitas Unisinos - IHU