06 Setembro 2012
Para o catolicismo, é cada vez mais difícil manter unidas as suas próprias almas variadas: como se pode ver nos milhares de particulares até mesmo na circunstância da morte de Martini.
A opinião é do historiador e jornalista italiano Ernesto Galli Della Loggia, professor do Instituto Italiano de Ciências Humanas de Florença (SUM), em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 02-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Luigi Giussani, Carlo Maria Martini: em poucos anos, o Duomo de Milão assiste aos funerais de duas figuras entre as mais importantes do catolicismo italiano da segunda metade do século XX. Duas personalidades muito diferentes, mas cada uma representativa de duas almas diferentes desse Catolicismo.
Giussani, todo fogo, agitado por um entusiasmo a seu modo ascético e ao mesmo tempo informal; ao contrário, Martini, controlado e "lógico", homem de palavra escrita muito mais do que falada. Giussani, defensor de um catolicismo combativo, apaixonado pela realidade criatural de Cristo, mas realizado no seu pleno autorreconhecimento com a Igreja; ao invés, Martini, empenhado em tentar plantar a cruz na atormentada fronteira da modernidade, em busca de uma perigosa transação com ela, com as heresias e os hereges que a habitam.
E, depois, um simples padre de um lado, um príncipe da Igreja de outro: mesmo no seu cargo – tão contraditório com relação às suas inspirações pessoais – se espelhou a extraordinária multiplicidade de ideias, de movimentos da alma e de capacidades criativas que desde sempre caracteriza a Instituição romana, compondo a sua igualmente extraordinária vitalidade.
Por muito tempo, no entanto, para esse Catolicismo, é cada vez mais difícil manter unidas as suas próprias almas variadas: como se pode ver nos milhares de particulares até mesmo na circunstância da morte de Martini que – salvo uma mensagem insolitamente longa do papa – Roma e suas hierarquias parecem registrar com ostentada frieza.
É o drama de uma Igreja que, graças ao Concílio, acreditou poder se repacificar com a modernidade, curar as contradições e as divisões que ela lhe havia provocado. Mas que, justamente em torno ao Concílio e ao seu significado, viu se reacender como nunca as disputas e se produzir novas feridas. Por isso, agora, o povo de Deus se parece cada vez mais a uma federação de povos diversos: aqueles arquiconvencidos de que a Igreja traiu o Concílio; aqueles, ao contrário, que foi o Concílio que trai o depositum fidei recebido, jogando-o às urtigas; e aqueles, por fim, que, encerrados dentro dos muros de algum movimento, estão persuadidos da autossuficiência do patchwork religioso ao qual estão filiados. O resto dos fiéis, que no entanto é a maioria, é como se não existisse, ao invés, e assim não consegue encontrar uma forma de ter voz.
Martini sai de cena no momento em que essa divisão na base – que ele mesmo representou com feroz ânimo de parte – está chegando, no entanto, a uma clamorosa divisão na cúpula, testemunhada pelos indícios cada vez mais numerosos de ásperas lutas que agitam a própria Santa Sé e que não se parecem em nada com um episódio passageiro.
A Igreja que ele deixa, enfim, é uma Igreja que, submetida a abalos demais nos seus fundamentos, começa a ver crepitar também a compacidade da sua própria estrutura institucional, minada por regras que não respondem mais ao seu propósito e que, ao invés, estão provando ser destrutivas. Uma consequência certamente não prevista por ele: e para a qual, no seus muitos escritos, se buscaria em vão um possível remédio.
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Uma federação de povos diversos. Artigo de Ernesto Galli Della Loggia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU