26 Junho 2012
Nos blocos de apartamento precários e casas de cimento escurecido que se enfileiram pelas ruas empoeiradas da Índia urbana, há um novo símbolo de status orgulhosamente à mostra. O ar condicionado se tornou um sinal de entrada na classe média em muitos países em desenvolvimento, um item imprescindível no dote das noivas.
A reportagem é de Elisabeth Rosenthal e Andrew W. Lehren, publicada no The New York Times e reproduzida pelo Portal Uol, 25-06-2012.
É mais barato do que um carro, e pode-se argumentar que muda mais a vida nos vastos países equatoriais da Ásia e da África, onde o resfriamento do ambiente pode ajudar uma criança a estudar ou um trabalhador a dormir antes de um turno na fábrica.
Mas à medida que os ar condicionados brotam prodigiosamente das janelas e fachadas de lojas por todo o mundo, os cientistas estão ficando cada vez mais alarmados com o impacto dos gases que os fazem funcionar. Todos são agentes potentes para o aquecimento global.
As vendas de ar condicionado estão crescendo 20% ao ano na China e na Índia, à medida que a classe média cresce, as unidades se tornam mais acessíveis e as temperaturas esquentam, uma consequência da mudança climática. Muitas cidades de crescimento rápido da Ásia são quentes demais e úmidas – a possível demanda de Mumbai foi estimada em um quarto da demanda de todos os Estados Unidos.
Os gases de ar condicionado são regulados principalmente por um tratado internacional de 1987 chamado Protocolo de Montreal, criado para proteger a camada de ozônio. Ele reduziu os danos causados à proteção vital, que bloqueia os raios ultravioletas causadores de câncer, obrigando o uso de gases progressivamente mais benignos. Os antigos resfriadores CFC, que prejudicam em muito a camada de ozônio, tem pouco ou nenhum efeito nisso.
Mas os gases têm um efeito que o tratado de ozônio ignora em grande parte. Quilo a quilo, eles contribuem para o aquecimento global milhares de vezes mais do que o dióxido de carbono (CO2), o gás padrão do efeito estufa. De fato, os principais cientistas na área acabaram de calcular que se todos os equipamentos que entrarem no mercado mundial usarem os novos gases atualmente empregados nos ar condicionados, até 27% do aquecimento global seria atribuível a esses gases em 2050.
Então a terapia para curar desastres ambientais no mundo é semear outro. "Há pouquíssimo tempo para fazer alguma coisa, para agir", disse Stephen O. Andersen, co-presidente do painel de conselho técnico e econômico do tratado. Os números estão indo para a direção errada.
As concentrações atmosféricas dos gases que substituíram os CFCs, conhecidos como HCFCs, que são levemente prejudiciais à camada de ozônio, ainda estão subindo rapidamente numa época em que muitos cientistas anteciparam que deveriam estar caindo à medida que o tratado os reduz.
Os níveis desses gases, dos quais depende a indústria de ar condicionado, em expansão no mundo em desenvolvimento, mais do que dobraram nas últimas duas décadas para altas recordes, de acordo com a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. E as concentrações de gases novos que não destroem a camada de ozônio, conhecidos como HFCs, também estão aumentando meteoricamente porque os países industrializados começaram a substituí-los há uma década.
Todos os novos ar condicionados dos EUA usam um gás de resfriamento HFC chamado 410a, rotulado "ecologicamente correto" porque não afeta o ozônio". Mas seu efeito de aquecimento é 2.100 maior do que o do CO2. E o tratado não pode controlar o aumento desses gases de resfriamento porque regula apenas os gases que destroem a camada de ozônio
O cronograma do tratado exige que dezenas de países em desenvolvimento, incluindo a China e a Índia, também comecem a trocar os gases HCFCs por outros com menos impacto sobre o ozônio a partir do ano que vem. Mas os EUA e outros países ricos estão persuadindo-os a escolher gases que não aqueçam o planeta.
Esta semana no Rio de Janeiro, a secretária de Estado Hillary Rodham Clinton esteve presente na Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU, também conhecida como Rio +20, onde propostas para eliminar gradualmente os HFCs por causa de seu efeito no aquecimento global foram debatidas.
Mas ela enfrenta resistência, porque os EUA estão essencialmente dizendo aos outros países para fazer aquilo que não fizeram: saltar esta geração de gases de resfriamento. O problema é que atualmente não há alternativas prontamente disponíveis que não afetam a camada de ozônio para os aparelhos de ar condicional que também não tenham um forte efeito de aquecimento – embora haja muitas no horizonte.
Quase todas as companhias químicas e de ar condicionado – incluindo a DuPont Co., gigante química dos EUA, e a Daiken, uma das líderes entre as manufatureiras de eletrodomésticos do Japão – desenvolveram aparelhos de ar condicionado e gases que não contribuem para o aquecimento global. As companhias já até construíram fábricas para produzi-los.
Mas estes produtos requerem aprovações regulatórias antes que possam ser vendidos, e o desenvolvimento de novos padrões de segurança, porque os gases que contêm costumam ser inflamáveis ou tóxicos. E com os lucros explodindo com os atuais sistemas de resfriamento e nenhuma regulação efetiva sobre os HFCs, há pouca iniciativa para que países e companhias coloquem os novos modelos no mercado.
"Não há nenhuma boa solução no momento – é por isso que os países estão lutando, esperando no escuro", diz Rajendra Shende, chefe recentemente aposentado do programa de ozônio da ONU com sede em Paris, que agora dirige o Terre Policy Center em Pune, Índia.
Um problema imprevisto
O Protocolo de Montreal de 25 anos é visto amplamente como o tratado ambiental mais bem sucedido que já existiu, essencialmente eliminando o uso de CFCs, que são altamente prejudiciais para a camada de ozônio. De acordo com seus termos, os países mais ricos deixam de usar os gases prejudiciais antes, e os países em desenvolvimento fazem isso cerca de uma década mais tarde para que as tecnologias de substituição sejam aperfeiçoadas e o preço caia.
As concentrações do CFC-12, que cresceram rapidamente desde os anos 60, diminuíram desde 2003, graças ao rígido cronograma de redução gradual do tratado. Em 2006, os cientistas da Nasa concluíram que a camada de ozônio estava se recuperando.
Mas essa sensação de vitória foi logo obscurecida pelo crescimento potencialmente desastroso das emissões dos novos gases de ar condicionado. Enquanto uma camada de ozônio mais saudável por si só leva a algum aquecimento, um aquecimento ainda maior resulta da tendência desses gases de resfriamento refletirem de volta o calor que irradia da Terra.
Quando o tratado estabeleceu suas regras em meados dos anos 80, o aquecimento global não era muito compreendido, a indústria de resfriamento estava ancorada no ocidente, e a demanda para resfriamento era minúscula nos países em desenvolvimento.
Isso claramente mudou. Jayshree Punjabi, 40, de Surat, saiu para comprar um ar condicionado no Vijay Sales, em Mumbai, numa tarde recente. Ela comprou o primeiro há dez anos e agora tem três. "Quase toda casa em Surat tem mais de um", disse ela. "As crianças veem na televisão e pedem."
A refrigeração também é essencial para a mudança no fornecimento de alimentos desses países. "Quando eu era criança em Déli, os legumes e verduras vinham dos vendedores nas ruas; agora eles vêm do supermercado", disse Atul Bagai, cidadão indiano que é coordenador do programa de ozônio da ONU para o Sul da Ásia.
Em 2001, 55% das novas unidades de ar condicionado foram vendidas na região da Ásia Pacífico e a produção do setor se mudou para lá. No ano passado, a China construiu 70% dos aparelhos de ar condicionado doméstico do mundo, para uso no país e para exportação.
O gás refrigerador mais comum é o HCFC-22. Em 2010, a China produziu cerca de sete vezes a quantidade desse gás que os EUA.
Com o HCFC-22 barato da Ásia inundando o mercado, os esforços para reduzir ou eliminar seu uso foram prejudicados até nos EUA. Por exemplo, embora a lei norte-americana agora proíba a venda de novos ar condicionados que contenham HCFC, as lojas começaram a vender componentes vazios que podem ser preenchidos com o gás barato depois da instalação, facilitando a continuidade do uso.
Tentando adaptar o tratado
Durante uma reunião de quatro dias em Montreal em abril, cerca de 200 representantes que participavam de uma reunião do comitê executivo do protocolo entraram em conflito sobre como se adaptar à mudança de circunstâncias. Será que eles deveriam se preocupar com a proteção de ozônio, a mudança climática ou ambos?
À medida que os países em desenvolvimento enviaram planos para reduzir sua dependência dos HCFCs para ganhar o financiamento da ONU para a transição, delegações de países ricos rejeitaram as propostas que dependiam dos novos HFCs, por causa de seu efeito no aquecimento global. O Canadá propôs que os países usem apenas componentes com baixo impacto sobre o aquecimento global.
Reduzir gradualmente os HFCs incorporando-os no tratado é uma das formas mais eficientes em termos de custos para reduzir o aquecimento global, disse Durwood Zaelke, presidente do Instituto pela Governança e Desenvolvimento Sustentável.
Mas a Índia, a China e o Brasil estão certos de que isso desaceleraria o desenvolvimento e custaria muito caro. Todos os substitutos aceitáveis em desenvolvimento para ar condicionado ainda estão em processo de patente, ou demandam novos equipamentos ou exigem novas regulamentações e procedimentos de teste.
"Isso parece simples, mas não é padrão, e impõe um fardo novo", disse Wang Yong, da delegação chinesa.
Suely Carvalho, a brasileira que é chefe da Unidade do Protocolo de Montreal e Químicos do Programa de Desenvolvimento da ONU, disse: "os países em desenvolvimento já estão com dificuldades na redução gradual, e agora dizem pare eles: 'não façam o que nós fizemos'. Pode-se perceber porque eles estão irritados."
Interesses comerciais alimentam o impasse. Embora o protocolo reduza agressivamente o uso de HCFC-22 para resfriamento, ele restringe a produção num cronograma mais lento e leniente, e como resultado, a produção cresceu mais de 60% na última década. Até nos EUA, o HCFC-22 continua sendo produzido com lucratividade para uso em aparelhos mais antigos, exportação e outros usos industriais que não geram emissões significativas, como a produção de Teflon.
Manufatureiras politicamente influentes como a Gujarat Fluorochemichals na Índia, a Zhejiang Dongyang Chemial Co. na China e a Quimbasicos no México (da qual 49% pertence à Honeywell) prosperaram produzindo o gás. Elas até receberam subsídios lucrativos da ONU para fazer isso.
As indústrias relutam em lançar apressadamente novas tecnologias no mercado que são melhores para o clima, até que recebam um sinal forte de quais países irão adotá-las, disse Mack McFraland, cientista atmosféirdo da DuPont.
Othmar Schwank, um consultor ambiental suíço que aconselhou a ONU, disse: "em muitos países, essas metas serão muito difíceis de atingir. Com o número de aparelhos crescendo na Índia e na China, todos estão ganhando dinheiro, então querem postergar isso o máximo possível". O Protocolo de Montreal originalmente dava aos países em desenvolvimento até 2040 para se livrar dos HCFCs, mas seu comitê acelerou esse prazo em 2007. "Vimos que o consumo estava passando do limite", disse Markus Wypior, da agência governamental alemã GIZ Proklima.
A nova agenda diz que os países em desenvolvimento precisam "estabilizar" o consumo de HCFCs até 1º de janeiro, e reduzi-lo em 10% até 2015.
Mas o setor está crescendo tão rápido que atingir as metas, que eram baseadas no consumo em 2009-10, agora exigiria uma redução de 40% do uso atual na Índia. Muitos países, inclusive a Índia, estão tentando cumprir sua meta de 2013 com correções únicas que não envolvem o setor de ar condicionado – por exemplo, substituindo o HCFC-22 por outro gás na fabricação de espuma. Cumprir com a próxima meta de redução, em 2015, deverá ser bem mais difícil.
Enquanto isso, o Protocolo de Montreal começou a usar suas limitadas ferramentas para cutucar os países em desenvolvimento a deixar os HCFCs em busca de soluções mais apropriadas para o clima, oferecendo um bônus de 25% para planos que geram menos aquecimento. Especialistas dizem que não é incentivo suficiente para as mudanças drásticas necessárias no projeto de equipamentos, manutenção, manufatura e regulamentação.
Tecnologias promissoras aguardam de braços atados. Na China e em outros poucos países, aparelhos de ar condicionado que usam hidrocarbonetos – que causam pouco aquecimento ou dano ao ozônio – já estão saindo das linhas de produção em pequenos números, mas ainda precisam ser aprovados para venda, em parte porque os químicos são inflamáveis.
Mas na Europa, refrigeradores que usam hidrocarbonetos estão em uso há anos, e algumas companhias nos EUA, como a Pepsi e a Ben and Jerry's, transformaram recentemente seus refrigeradores de HFCs para hidrocarbonetos como parte de seus planos de sustentabilidade.
Numa declaração, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA disse que havia aprovado recentemente parte dos novos gases ecologicamente corretos para ar condicionado de automóveis e refrigeradores e está "avaliando alternativas adicionais para outras aplicações de ar condicionado", mais notavelmente uma nova variação de HFC chamada R32.
Mas quando eles irão para o mercado? Até pequenas iniciativas foram frustradas até agora.
No ano passado, a União Europeia começou a exigir que fabricantes de automóveis usassem gases que não prejudicam o clima nos carros, o que é considerada uma transição relativamente simples. Um químico chamado 1234yf foi considerado apropriado, e as minúsculas quantidades de gás de resfriamento no ar condicionado dos carros não chegam a ser um impedimento em termos de inflamabilidade e custos altos.
Mas este ano, a UE postergou o plano: as fábricas chinesas que produzem o composto ainda estão em processo de obter o registro do governo. A patente, de propriedade da Honeywell, está sendo disputada. E o governo alemão ainda não terminou os testes de segurança.
Wypior, cuja agência está tentando promover os setores de ar condicionado apropriados ao clima na Índia e na China, diz: "as tecnologias estão disponíveis. Elas são bastante conhecidas. Elas estão testadas – embora não em grande escala. Então por que não estamos nos mexendo?"
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Cresce o número de ar condicionados em países desenvolvidos; expansão impulsiona aquecimento global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU