26 Mai 2012
Em um mundo aberto e em movimento, o valor, que faz emergir a terra, é o reconhecimento de um interesse comum – que também podemos chamar de bem comum – e que, justamente por isso, se constitui como diferença em relação ao ambiente circundante.
A opinião é de Mauro Magatti, professor de sociologia da Universidade Católica de Milão, em artigo para o jornal La Repubblica, 23-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a crise de 2008, entramos na "segunda globalização": a fase expansiva terminou, como bem sabemos, e inicia-se uma nova temporada em que a questão do crescimento precisa ser repensada, a partir da redefinição da relação entre economia e política.
Como em uma banheira da qual foi retirado o tampão, as economias contemporâneas, integradas aos mercados e ao sistema técnico planetário, correm o risco de girar no vazio, queimando em um piscar de olhos o que laboriosamente conseguem produzir. É esse o nó que estrutura hoje as relações entre economia e política. E é com relação a esse nó que os debates dos últimos meses – tanto aqueles sobre a Europa, como aqueles sobre o crescimento – deve ser redefinidos.
Na sua teoria política, Schmitt contrapunha ao mar à terra: o primeiro é o reino da instabilidade, do movimento, da liberdade. A segunda indica estabilidade, ordem, distinção. Nessa perspectiva, se compreende por que, a partir do momento em que a ordem terrena europeia entra em colapso depois da descoberta da América, todo o caso moderno encontra-se acertando as contas com a questão da técnica: "O passo rumo a uma existência puramente marítima provoca a criação da técnica como força dotada de leis suas próprias. (...) O desencadeamento do progresso técnico só é compreensível a partir de uma existência marítima (...) tudo o que se deixa resumir na expressão 'técnica desencadeada' se desenvolve (…) no campo da cultura e no clima de uma existência marítima".
Agora, após os anos galopantes da "primeira globalização", a crise abre uma nova fase trazendo novamente à tona a questão "política", isto é, a redefinição dos limites e relações de força: no novo "mar técnico" que já envolve todo o planeta – e definido por aquele conjunto de infraestruturas, códigos, protocolos, padrões capazes de prescindir de qualquer conotação espacial ou cultural –, que significado tem a "terra"? Ou seja, como é possível, nas novas condições, a reconstrução de comunidades de reconhecimento mútuo de natureza fundamentalmente política?
Etimologicamente, o termo "terra" significa seco, não úmido, em contraposição ao mar, ambiente líquido e ínfido e, como tal, difícil de dominar. Dante usa a expressão "grande seca" para dizer que a terra, por existir, deve emergir do mar – com relação ao qual está relacionada, sem ser submersa. A terra, assim, dá o sentido de uma solidez e de uma permanência, isto é, de uma história, de um trabalho, de um futuro. Mas também de um serviço.
No mar técnico, a terra "emerge" lá onde se torna novamente possível a vida humana associada, colocando a tecnologia a serviço dos seus habitantes. Mas, para que isso seja possível, são necessários compromisso e investimento: hoje também, para dar frutos, a terra deve ser trabalhada e cuidada. Falar de terra, na era técnica, é, portanto, uma escolha eminentemente política. Uma demonstração disso é a pesquisa sobre as "global region": quem se afirma são aqueles territórios (cidades, regiões ou estados) que conseguem recompor a técnica com o sentido, a mobilidade com a habitabilidade, a eficiência com a afetividade, o crescimento com o limite. Mas, acima de tudo, uma demonstração disso é a crise europeia: sem uma integração política capaz de determinar uma interrupção, uma diferença, a infraestrutura "técnica" sozinha se expõe à força de um mar imperscrutável, acabando por provocar a submersão de todo um continente.
Mas se, de fato, não se dá "terra" sem emersão, ao mesmo tempo nenhuma terra pode viver independentemente do mar – que, fora de metáfora, é hoje o sistema técnico planetário, com os seus códigos, as suas linguagens, os seus padrões.
A partir dessas considerações, derivam diversas proposições de ordem política. A primeira é que, hoje, a terra se redefine como contenedora de um valor que, em vez de dispersar, se sedimenta. Isto é, ela só existe lá onde se cumpre essa capacidade de criação e de depósito. Porter e Kramer escrevem a respeito eficazmente: para reger os desafios da "globalização segundo" – aquela que se delineia com a crise e as suas consequências – é preciso produzir – sem se limitar a consumir – "valor compartilhado", em que a noção de "valor" não é redutível a uma declinação meramente economicista.
Em um mundo aberto e em movimento, o valor, que faz emergir a terra, é o reconhecimento de um interesse comum – que também podemos chamar de bem comum – e que, justamente por isso, se constitui como diferença em relação ao ambiente circundante.
Desse ponto de vista, no mar da técnica, a terra é o lugar político do cuidado do humano que faz a diferença. E isso não só porque, em um mundo onde tudo é móvel e intercambiável, as fronteiras tendem a ser estabelecidas, mais do que pelo poder de coerção – do qual os fluxos fogem –, da capacidade de uma comunidade particular de criar condições qualitativamente diferenciais, de ordem econômica, mas não só. Já não se pode mais visar à mera expansão quantitativa, mas é preciso apostar na capacidade inovadora e criativa. Cuidando das pessoas e do ambiente em que vivem.
A terceira proposição é que a terra não pode mais ser pensada hoje como separação, mas só como relação. Nunca como hoje as sirenes do "fechamento forçado" podem parecer persuasivas. Mas a verdade é que, perdida a autossuficiência, a terra se constitui apenas em relação ao mar da técnica, de um lado, e a outras terras emersas, de outro. Não basta reivindicar ou, pior, exigir uma diversidade.
Segundo Richard Sennett, a direção a ser seguida é compreendida retomando a distinção biológica entre parede e membrana celular: a primeira retém tudo o máximo que pode e dá abertura o menos possível; a segunda, ao invés, porosa e resistente, permite o fluir dos vários materiais, sem por isso perder a própria estrutura. Em um mundo complexo e em perene movimento, para continuar existindo – ou seja, emergir no mar técnico –, é preciso fechar aquele tanto que é necessário para ser verdadeiramente aberto. O "fechamento" de que precisamos consiste em estipular "novas alianças" capazes de construir fronteiras que não se selam, mas que colocam em relação uma diferença com o mundo inteiro.
Assim, se reconhecemos que o tempo da expansão infinita ficou para trás, então podemos admitir que, no futuro, para crescer, qualquer terra deverá reaprender a "fazer economia", ou seja, a usar o melhor, isto é, de modo sustentável, os recursos disponíveis . Sem desperdícios, sem privilégios, sem excessos. O que não é necessariamente ruim.
Assim como nos anos 1930 da Grande Depressão, assim também hoje a Grande Contração na qual estamos imersos só poderá ser resolvida por uma ideia diferente de crescimento. No coração do novo modelo de crescimento está a questão da "produção do valor" – abandonando o caminho fácil, mas perverso da especulação financeira. Na "segunda globalização", se afirmarão aqueles territórios, aquelas comunidades que souberem "produzir valor". Um valor econômico e espiritual ao mesmo tempo, capaz de manter unidos abertura e fechamento, eficiência e sentido, individualismo e convivialidade, imanência e transcendência.
À política, cabe a tarefa estratégica de reconectar os fios de uma trama social que não existe mais nas formas do século XX: em um mundo avançado, técnica e culturalmente evoluído, a política estabiliza o que é instável, faz permanecer o que é contingente, enraíza o que é móvel.
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''Fazer economia'' visando às comunidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU