Por: Jonas | 26 Abril 2012
O sonho americano acabou. Um artigo acadêmico da professora da Universidade de Stanford, Terry Karl, mostra como os Estados Unidos se tornaram um dos países mais desiguais do planeta. Segundo o trabalho de Karl, dos 34 países mais desenvolvidos, que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), só a China, o México e a Turquia possuem maiores desigualdades na renda, que os Estados Unidos. Além disso, segundo a OCDE, os Estados Unidos possuem as políticas menos efetivas, em gasto social, para aliviar a pobreza, além do menor nível de imposto aos rendimentos, entre todos os países desenvolvidos.
A reportagem é de Santiago O’Donnell, publicada no jornal Página/12, 22-04-2012. A tradução é do Cepat.
O artigo, intitulado “Desigualdade: lições latino-americanas para os Estados Unidos”, está baseado em diferentes estudos sobre a questão. Afirma que nos Estados Unidos os 10% mais ricos ganham quinze vezes mais que os 10% mais pobre. A diferença tem crescido muito nas últimas décadas, e fica ainda mais evidente se for levado em consideração o 1% mais rico, em que a média é de uma renda de 1,3 milhão de dólares anuais, e que conta com quatro quintos das pessoas que aumentaram as rendas, entre todos os estadunidenses, de 1980 até 2012. Os grandes ricos, que representam 0,1% dos estadunidenses, são os que mais se beneficiaram com esta tendência. Eles acumulam uma renda anual na média de 27,3 milhões de dólares. Os que representam 0,01% da população recebem 6% do total da renda das famílias estadunidenses.
A enorme diferença entre ricos e pobres, que aparece nas rendas anuais, multiplica-se quando é medida a riqueza acumulada, destaca o artigo. Os 20% mais ricos são donos de 87% da riqueza de todos os estadunidenses, e o 1% mais rico tem 69% da riqueza. As quatrocentas famílias mais ricas têm o mesmo que a metade mais pobre, ou seja, dois mil indivíduos têm tanto quanto o capital acumulado por 150 milhões de pessoas.
Em termos raciais, o quadro é o seguinte: em média, uma família branca ganha dois terços a mais e tem uma riqueza doze vezes maior do que uma família negra. Metade dos hispânicos e quase dois terços dos negros não possuem ativos financeiros. No entanto, a diferença da desigualdade total, em termos econômicos relacionados à questão racial nos Estados Unidos, tem encurtado nas últimas décadas.
A autora cita um estudo de 23 países desenvolvidos, realizado pelo economista Richard Wilkinson e a antropóloga Kate Pi-ckett, no qual os Estados Unidos aparecem como o mais desigual em termos de renda por pessoa. Neste estudo, os Estados Unidos também figuram em primeiro lugar nos índices de encarceramento, de mães menores de idade, da mortalidade infantil, de crianças obesas, do custo pela cobertura médica, do gasto militar e do uso de drogas ilegais. Por outro lado, aparece em último lugar nas avaliações educativas, na expectativa de vida e no cuidado com o meio ambiente.
Apesar de ser o país do sonho americano, outros estudos citados mostram que a mobilidade social é mais difícil nos Estados Unidos do que em outros países de primeiro mundo. Um desses estudos mostra que os Estados Unidos têm menos mobilidade social que o Canadá, Alemanha, França e os países escandinavos, e que está a par de uma sociedade notoriamente classista como é a britânica. Outros estudos mostram que a classe média estadunidense está se encolhendo e que, pela primeira vez, a geração de trinta e poucos ganha menos que seus pais nessa idade.
A desigualdade nos Estados Unidos têm raízes que chegam até a etapa de fundação de sua história, continua o artigo, já que suas leis favorecem estruturalmente aos interesses dos ricos. Um estudo mostra que entre os países ocidentais desenvolvidos, os Estados Unidos são os que têm mais atores com capacidade de frear a mudança social. Também assinala que, entre todos os países estudados, o Senado estadunidense é o de pior representação proporcional.
Essa desigualdade original cresceu ferozmente na década de 1980, quando o então presidente Ronald Reagan desenvolveu um programa econômico neoliberal para sair da recessão criada pela crise petroleira no Oriente Médio e com a derrota no Vietnã, que dispararam a inflação e o desemprego, prossegue o artigo. “A crise criou o cenário para uma nova orientação econômica do governo federal, caracterizado pela clássica receita neoliberal: desregulamentação de empresas e finanças, renúncia às políticas fiscais anticíclicas, fortes cortes no gasto social, rebaixamento de impostos para os ricos e as empresas, e um novo marco normativo em que predominam as soluções do mercado para todo tipo de problemas”, destaca Karl. “Ironicamente, em 1980, os Estados Unidos se submeteu à mesma receita que vinha empurrando, até o abarrotamento, na América Latina”.
A orientação econômica de Reagan tornou os lobistas a nova classe dominante de Washington. Em 1971, havia 175 empresas de lobby registradas em Washington. Em 1982, esse número já havia subido para 22.245 empresas. Os comitês de ação política, que financiam as campanhas, cresceram de 89, em 1974, para 1682, em 1984.
A política tornou-se muito cara e somente os mais ricos puderam aspirar aos principais cargos eletivos. Para os cargos legislativos de 2010, os candidatos arrecadaram um total de 1270 bilhões de dólares. Nesse mesmo ano, o custo médio de uma campanha para ocupar uma cadeira no Senado atingiu os oito milhões e meio de dólares e para uma cadeira na Câmara baixa, quase um milhão e meio de dólares.
Enquanto isso, o setor financeiro se erguia com importantes benefícios. Em 1982, um empresário médio ganhava 42 vezes mais do que um empregado médio; em 2010, o mesmo empresário ganhava 325 vezes mais do que o mesmo empregado. Segundo outro estudo, entre 1980 e 2008, a mudança de regras impulsionadas por Reagan produziu uma transferência de 4.505 bilhões de dólares ao setor financeiro entre 1980 e 2008.
Durante esse mesmo período, o esquema tributário se alterou para favorecer aos ricos. Segundo o Brookings Institution, em 2007, a quinta parte mais pobre da população recebeu a média de 29 dólares em descontos tributários, e o 1% mais rico recebeu descontos na média de 41.077 dólares. As famílias com renda acima de um milhão de dólares receberam descontos médios de 114.00 dólares. Graças a estes descontos tributários, os mais pobres melhoraram suas rendas em 0,4%, enquanto os mais ricos melhoram suas rendas em 5,7%. Em 2010, as 25 empresas mais ricas receberam 304 milhões em devoluções tributárias para o que significa lucros de 1900 bilhões de dólares. A desigualdade se acentua porque em média os estadunidenses pagam poucos impostos.
Em 2008, a carga tributária média foi de 26%, enquanto nos demais países da OCDE a tributação média era de 35%. Entre 1982 e 1994, a média da carga tributária dos ricos caiu de 67% para 28%. Enquanto isso, os diretores das principais empresas alcançavam lucros extraordinários, aumentando a janela da desigualdade. Em 2010, os 25 CEO, das cem empresas mais importantes, ganharam mais dinheiro do que as suas empresas pagaram em impostos federais. O que se poupava no fisco costumava ser gasto em esforços por lobby. A General Electric já gastou 4200 milhões de dólares em doações para campanha.
Ao mesmo tempo, em que os ricos aumentavam sua influência nas políticas públicas, os trabalhadores perdiam representatividade. Em 2010, a porcentagem de filiação sindical, que vem declinando sistematicamente desde 1982, caiu para 11,4% (7% no setor privado), comparado com mais de 27% no Canadá e 70% na Finlândia.
Sem um sindicalismo forte para defender os trabalhadores, o salário mínimo encolheu, caindo de 9,2 dólares por hora, nos anos de 1960 (governo de Johnson), para 5,4 dólares no governo de Bush e para 5,3 no governo de Bush filho, o nível mais baixo desde que se fixou o salário mínimo em 1949. Assim, a distância entre os mais ricos e mais pobres chegou a níveis que ainda não havia alcançado desde a Grande Depressão, de 1928.
“As consequências desta política, agressivamente neoliberal, ficaram às claras na crise de 2008”, conclui a catedrática de Stanford. “Ao combinar a desregulamentação financeira, e a falta de controle sobre as instituições do setor, com a queda da filiação sindical, o declive na transferência de rendas, a redução do Estado de bem-estar, o desmantelamento do imposto progressivo e outros fatores, os Estados Unidos entraram no século XXI como o país mais desigual de todas as democracias ricas”.
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A desigualdade nos Estados Unidos. Era uma vez o sonho americano... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU