01 Outubro 2012
Há uma questão que, diante de um discurso como o de Agamben, novamente se abre: poderá talvez a forma – ou seja, a ação ou a instituição – salvar-se da destruição de todo conteúdo necessário? Quem, a esse respeito, insiste em tons e negações anárquicas é tão irritante quanto quem pensa que a continuidade da instituição ou a anulação de toda ação negativa representam a condição de um radical passo à frente.
A opinião é do filósofo italiano Antonio Negri, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 24-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com este livro, Opus Dei, parece concluir-se o caminho que Agamben empreendeu com Homo sacer. Um belo trecho de estrada, desde o início dos anos 1990, duas décadas. Uma arqueologia da ontologia conduzida (com um rigor que nem mesmo o jogo bizarro e enganoso dos numerozinhos postos para fingir uma ordem para diversos estágios da pesquisa conseguiu tornar opaco) – conduzida, portanto, até uma reabertura do problema do Sein. Uma escavação que nem Heidegger (na opinião do autor que se reivindica como jovem aluno do filósofo alemão) havia conseguido – porque aqui a ontologia é liberta de todo vestígio de "operatividade" de toda ilusão de que ela possa se ligar à vontade e ao comando. O que resta disso? "O problema da filosofia que vem é o de pensar uma ontologia para além da operatividade e do comando, e uma ética e uma política totalmente libertas dos conceitos de dever e vontade".
A demonstração de que a ontologia criticada por Heidegger ainda é, no fundo, uma teoria da operatividade e da vontade, é uma ideia indubitavelmente verdadeira. Schürmann já a havia desenvolvido quando criticara o Sein como a própria ideia de "arché" e, portanto, como indistinção de início e de comando. Seguir o desenvolvimento e a organização sucessiva dessa ontologia da operatividade – que dos neoplatônicos aos Padres da Igreja, dos filósofos latinos a Kant, de Tomás e Heidegger põe uma ideia do ser completamente assimilada à da vontade/comando – é tarefa de Agamben, aqui resolvida com grande maestria.
Aristóteles, em primeiro lugar. Na sua teoria da virtude como hábito, ele poderia ter arrancado o ser de toda pulsão aporética com relação à virtude e, assim, libertar-se de toda operatividade valorífica: ele não faz isso, apesar de ser aquele que, nas origens da metafísica, havia concebido a virtude como relação com a privação e como determinação ontológica inoperante. Mas daí em diante – segundo Agamben –, as coisas vão de mal a pior.
No cristianismo (mais uma vez a imersão na relação entre neoplatonismo e patrística solicita Agamben no seu proceder), ação e vontade começam a servir de padrões. Deixemos aos medievalistas o julgamento sobre a correção da análise agambeniana: a nós, basta seguir o seu fio que mostra uma consistência indubitável. Agora, a aporia aristotélica como se definia na alternativa de conectar (ou não conectar) o hábito e a virtude, o ser e o dever, a passividade e a atividade, desaparece na Escolástica.
O hábito crítico, ao contrário, é ordenado constitutivamente na ação, e a virtude não consiste mais no ser, mas sim no agir – e é somente através da ação que o homem se assemelha a Deus. Assim, em Tomás: "É essa ordenação constitutiva do hábito à ação que a teoria das virtudes desenvolve e leva ao extremo". Daí em diante, a história da metafísica, despojada da arqueologia crítica, mostra uma bela continuidade e revela uma espécie de ânsia perversa (segundo Agamben) a desenvolver e aprofundar aquele princípio operativo da ética e aquele conceito de virtude como obrigação e dever que a teologia medieval lhe havia concedido como herança.
A "dívida infinita" em que consiste, segundo os filósofos da Segunda Escolástica, o dever religioso foi assim definitivamente se implantando nas metafísicas da modernidade. Com Kant, aparece pela primeira vez a ideia de uma tarefa e de um dever infinitos, inalcançáveis, mas nem por isso menos necessários. Em uma passagem exemplar, Agamben resume: "Aqui se vê com clareza que a ideia de um 'dever-ser' não é apenas ética ou nem apenas ontológica: ela liga, ao invés, aporeticamente ser e práxis na estrutura musical de uma fuga em que o agir excede o ser não apenas porque lhe dita sempre novos preceitos, mas também e principalmente porque o próprio ser não tem outro conteúdo senão uma pura dívida".
Nas páginas seguintes, Agamben insistirá polemicamente na interrogação da ideia da lei moral, no seu aprofundamento da forma da autoconstrição e até do prazer masoquista na lei. "A substituição do 'nome glorioso de ontologia' pelo de 'filosofia transcendental' significa, de fato, que uma ontologia do dever-ser já tomou o lugar da ontologia do ser".
Uma discussão e uma conclusão totalmente heideggeriana, se diria. E, no entanto, percebe-se logo, essa referência decepciona Agamben. "Mesmo Heidegger desenvolve uma ontologia que é mais solidário do que se acredita com o paradigma da operatividade que ele pretende criticar". Ficamos estupefatos com essa afirmação. Heidegger não havia, portanto, ido muito adiante na destruição da ontologia da modernidade? Ele já não havia despojado o bastante o Sein daquilo que lhe era possível atribuir de humano?
Não – insiste Agamben –, há um ponto em que Heidegger cede à tentação de uma ontologia operativa: são a teoria da técnica, a crítica do Gesell que descobrem essa irresolução. "Não se compreende a essência metafísica da técnica se ela for entendida somente na forma da produção. Ela é, também e acima de tudo, governo e oikonomia, que, no seu resultado extremo, também podem temporariamente pôr entre parênteses a produção causal em nome de formas mais refinadas e difundidas de gestão das pessoas e das coisas". Auschwitz ensina! Já em “O Reino e a glória”, com um pouco de atenção, se podia ler essa conclusão.
Aqui me nasce uma suspeita. Isto é, que esse livro, Opus Dei, embora resuma e desenvolva, como já se disse, as análises de O Reino e a glória, na realidade, não é apenas o completamento daquele filão arqueológico de pensamento e de trabalho agambenianos. Esse livro marca, ao invés, a separação definitiva de Agamben e Heidegger: a escolha ontológica se eleva sobre a qualidade arqueológica das análises, e o choque se dá em nível fundamental. Heidegger é aqui acusado de ter conseguido apenas uma solução provisória para as aporias do ser e do dever-ser (ou seja, da operatividade): indeterminação mais do que separação, mais do que escolha de um outro terreno ontológico. Devo admitir que senti uma certa satisfação relevando-o. Mas foi curta. Qual é, de fato, o Sein ulteriormente inescrutável que Agamben agora, mesmo contra Heidegger, nos propõe? Já antes, em 1990, antes de se aventurar no longo episódio do Homo Sacer, em La Comunità che viene, Agamben havia se afastado de Heidegger: havia então cedido a uma solicitação benjaminiana, quase marxista, na promoção de um desafio ao sentido humanista do ser. Agora, certamente não é nesse sentido que Agamben procede. Ele se move, ao contrário, contra todo humanismo, contra toda possibilidade de ação, contra toda esperança de revolução.
Mas como Agamben chegou a aí, a esse niilismo radicalizado, no qual, agitando-se, se compraz por ter superado (ou levado a termo) o projeto de Heidegger? Ele chega através de um longo processo que se articula em duas direções: uma de crítica propriamente político-jurídica, a outra arqueológica (uma escavação teológico-política). Carl Schmitt está no centro desse caminho: ele guia as duas direções, aquela que leva à qualificação do poder como exceção, e portanto como força e destino, instrumentação absoluta e sem qualidade de toda técnica, e sadismo da finalidade; de outro lado, aquela que leva à qualificação do poder como ilusão teológica, ou seja, impotência, isto é, a impossível confiança na efetualidade, portanto: incitamento à inoperatividade, portanto, denúncia da frustração necessária da vontade, do masoquismo do dever.
As duas coisas andam juntas. É quase impossível, recuperada a atualidade dos conceitos schmittianos do "Estado de exceção" e do "teológico-político", compreender se eles representam o maior perigo ou, ao invés, se se trata simplesmente de uma abertura à sua verdade. A metafísica e a diagnóstica política se rendem à indistinção. Mas isso seria irrelevante, talvez, se nessa indistinção não fosse afogada toda possível resistência. Voltemos às duas linhas identificadas: todo o percurso que o Homo sacer segue se desenvolve nesse duplo trilho. A segunda linha é sumarizada por O Reino e a glória.
Insistimos: essa segunda linha também é movida pela Teologia política de Carl Schmitt e pelo confronto com a ontologia de Heidegger. Dizemos isso para evitar que se confunda a arqueologia de Agamben com a de Foucault. Em Agamben, falta a história, aquela história que em Foucault, não é arqueologia da modernidade, mas também genealogia ativa do presente, do seu dar-se, assim como do seu desfazer-se, do seu ser assim como do seu devir. A história, para Agamben, não existe. Melhor, é no máximo história do direito, que é justamente o único lugar onde o filósofo pode ser gramático e analista das gramáticas do comando. Mas, certamente, também o lugar onde biopolítica e genealogia podem se apresentar apenas de maneira linear – como destino, justamente. Porque aqui não aparece nem a sombra da subjetividade, da produção – e, ao invés, parece que esta última é totalmente submissa ao bloco do fazer, da técnica, do agir e, sobretudo, da resistência.
Não é de se estranhar, portanto, em Opus Dei, as exemplificações jurídicas que Agamben apresenta como prova definitiva das suas teses. A absolutização do dever no direito seria introduzida por Pufendorf mais do que por Hobbes (e esse processo se conclui com Jean Domat). Pode ser. Uma distante história do século XVII, portanto, que marcha simultaneamente com o nascimento e o desenvolvimento da Segunda Escolástica (quanto lhe deve o próprio Heidegger!) e da definitiva estabilização de uma metafísica da operosidade, da virtude eficaz. Mas especialmente importante porque, como vimos, é Kant que retoma esse motivo e, depois de Kant, Kelsen o absolutiza na figura fundamental do dever jurídico, do Sollen. Lembre-se: não é tanto a conclusão kelseniana que afirma a relação entre direito e comando como necessária que é importante aqui; a importância está no fato de que ela retoma – a mil quilômetros de distância da sua primeira afirmação, embora viva em toda a "ideologia europeia" – aquele nexo interno à liturgia que vai da operatividade econômica ao ser divino, caindo homogeneamente através das deduções jurídicas, até a necessidade fundante do Sollen: tudo isso nada mais representa do que o comando inescrutável da divindade. Assim, de Kelsen, fez-se o igual de Schmitt e, como se devia mostrar, as duas linhas abertas por Homo Sacer se recompõem: de um lado, a crítica da exceção e, de outro, a crítica do Sollen, filtrada na oekonomia cristã, definitivamente se unificam. Mas se essa redução pode ser – em linhas muito gerais e em um terreno que já não é mais nem jurídico nem político – aceita; se é verdade que a prática de governo fundada no direito de exceção e na pretensão da eficácia econômica substituiram toda forma constitucional de governo; se, como lembrava Benjamin há tanto tempo, "o que já é efetivo é o estado de exceção em que vivemos e que não saberemos mais distinguir da regra": bem, dito isso, o que, segundo Agamben, pode nos libertar? (Desde que a pergunta ainda faça sentido!)
Chegamos assim ao término de um caminho complexo. É preciso que nos libertemos do conceito e da potência de vontade: é assim que Agamben começa a responder à pergunta. Devemos nos libertar da vontade que quer ser instituição, que quer ser eficiência e pontualidade. As razões, as conhecemos. Na filosofia grega da idade clássica, o conceito de vontade não tem significado ontológico; essa deturpação ontológica é introduzida pelo cristianismo, forçando elementos embrionalmente presentes em Aristóteles. Assim, o dever é introduzido na ética para fundamentar o comando. Assim, a ideia de uma vontade é elaborada para explicar a passagem da potência ao ato. Desse modo, toda a filosofia ocidental é posta dentro de um campo de insolúveis aporias que triunfa na modernidade plena, com a redefinição do mundo como produto de tecnologia e de indústria (o que é mais evidente do que a realização, do que o devir eficaz do poder na realidade, na atualidade – o que mais do que esse horizonte?). Novamente, se impõe a questão: como sair disso? Como reconquistar um ser sem efetualidade? Que belo enigma Agamben nos deu!
Provavelmente haveria um caminho que Agamben, nesse ponto, ainda poderia percorrer. É a do spinozismo, isto é, um caminho em que o poder se organiza imediatamente como dispositivo de ação, onde violência e prazer se determinam nas instituições da multidão, e a capacidade constituinte se torna esforço para construir, na história, liberdade, justiça e comum. Agamben percebe essa saída, perfeitamente ateia. Ele a capta, de fato, na insultante rejeição do ateísmo de Spinoza que, em um momento crítico da modernidade, Pufendorf e Leibniz declaram. Mas o ser que Agamben nos apresenta é, por enquanto, de tal forma obscuro e plano, a imanência de tal modo indistinta, o ateísmo tão pouco materialista, o niilismo de tal forma triste, que Spinoza realmente não pode estar em jogo – mesmo considerando, ele, como superstição toda ideologia do Estado que não fosse produto da multidão e, como fundamento intransitivo de liberdade, o corpo (os corpos da multidão). Nem Spinoza, por outro lado, espera que as formas de vida do Ocidente cheguem à sua consumação histórica (recusando-se, enquanto isso, a agir, porque a vontade não morderia a efetualidade). Ele sabe, ao invés, responder à pergunta sobre o agir, sobre a esperança, sobre o futuro.
O que é o Iluminismo? Essa é a pergunta que atravessa, com a filosofia de Spinoza, as de Maquiavel e de Marx – e que, na atualidade, foi gloriosamente retomada por Foucault. Contra o nazismo ontológico de Heidegger. No final, o único lugar do longo caminho percorrido por Agamben, no qual o limite ontológico de potência poderia ser alcançado, é quando, deslocando a ênfase das formas linguísticas do ser histórico, a forma de vida se destaca não do direito em abstrato, mas sim daquele direito historicamente dado (ou seja, do direito de propriedade), não do comando em geral, mas sim daquele comando que é da produção capitalista e do seu estado. Trabalhar para a dissolução do direito de propriedade e da lei do capitalismo é o único niilismo operativo que as pessoas virtuosas proclamam e agem. Mas mesmo essa hipótese Agamben descarta – recentemente, no seu Altissima povertà.
Como acabará essa história? Há uma questão que, diante de um discurso como o de Agamben, novamente se abre: poderá talvez a forma – ou seja, a ação ou a instituição – salvar-se da destruição de todo conteúdo necessário? Quem, a esse respeito, insiste em tons e negações anárquicas é tão irritante quanto quem pensa que a continuidade da instituição ou a anulação de toda ação negativa representam a condição de um radical passo à frente. O provável, ao invés, contra esses extremismos, é que, como em outras épocas revolucionárias, anarquismo e comunismo, em formas novas, cada vez mais, nas lutas que atravessam o nosso século, estejam se reaproximando. Em todo caso, a única coisa certa é que, spinozianamente, "o homem guiado pela razão é mais livre no Estado, onde vive segundo um decreto conjunto, do que na solidão, onde obedece apenas a si mesmo".
Veneza, 20 de fevereiro de 2012.
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O sacro dilema do inoperoso em Giorgio Agamben. Artigo de Antonio Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU