20 Dezembro 2013
Um impasse diplomático relativo a denúncias de abusos sexuais infantis parece estar ocorrendo, nos últimos meses, entre o Vaticano e a Comissão Especial de Nova Gales do Sul, na Austrália, presidida pela procuradora-adjunta Margaret Cunneen.
Cópias de correspondências divulgadas pela Comissão Especial esta semana mostram que o núncio apostólico na Austrália, Dom Paul Gallagher, pediu imunidade diplomática em resposta a pedidos de documentação de arquivos que pudessem dar assistência a Cunneen em sua investigação.
A reportagem é de Stephen Crittenden e publicada por National Catholic Reporter – NCR, 19-12-2013. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O inquérito foi estabelecido em novembro de 2012 para investigar abusos sexuais de dois padres da diocese de Maitland-Newcastle, Austrália, Pe. Denis McAlinden e Pe. James Fletcher (ambos diocesanos), após denúncias feitas por um informante da polícia de Nova Gales dos Sul. A Comissão continua a investigar e relatar questões relacionadas com a investigação policial da diocese.
O gabinete da procuradora-geral da Nova Gales do Sul fez um requerimento, em nome de Cunneen, em 30 de agosto e, novamente, em 22 de outubro, pedindo por cópias de quaisquer documentos importantes guardados nos arquivos da Nunciatura Apostólica, em Canberra, ou na Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma.
Os documentos solicitados referem-se a “quaisquer denúncias, reclamações, suspeitas ou relatos” envolvendo abuso sexual por parte de McAlinden ou Fletcher, incluindo um incidente específico ocorrido em 1995, quando autoridades australianas da Igreja pediram ao núncio apostólico, Dom Franco Brambilla, intervenção em nome do núncio das Filipinas.
Na época, descobriu-se que McAlinden trabalhava como padre em uma diocese remota nas Filipinas, apesar da suspensão de suas faculdades sacerdotais feita pelo seu bispo na Austrália.
Irlandês, padre McAlinden chegou à Austrália em 1949. A sua diocese, Maitland-Newcastle, ficou sabendo que ele era um perigo às crianças já em 1953, mas foi removido da paróquia por mais de quatro décadas.
Ele também foi enviado para a Papua Nova Guiné por longos anos, assim como para a Nova Zelândia, aqui ficando por pouco tempo.
Pe. McAlinden foi acusado na Austrália Ocidental em 1992, porém foi absolvido e morreu em 2005 sem ser condenado.
O gabinete do procurador-geral afirma que documentos importantes da diocese de Papua Nova Guiné, da Nova Zelândia e das Filipinas foram disponibilizados voluntariamente.
Solicitações similares têm sido enviadas diretamente ao cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma. Todavia, até o momento não há nenhuma resposta.
Na segunda-feira a Comissão divulgou as correspondências com Dom Gallagher.
As correspondências evidenciam que, em 2 de setembro, o núncio apostólico enviou uma resposta provisória, onde dizia que ele estava enviando o pedido de Cunneen a seus superiores em Roma e que escreveria novamente quando tivesse uma resposta.
Em 13 de novembro, Dom Gallagher respondeu novamente, lembrando Cunneen que seu cabinete é o “alto representante diplomático da Santa Sé para a comunidade internacional”, citando as “proteções oferecidas pelos acordos internacionais, incluindo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
O Art. 24 da Convenção de Viena, de 1961, afirma que os arquivos e documentos de uma missão diplomática “devem ser invioláveis em qualquer momento e onde quer que estejam”.
O núncio diz que o Art. 24 afirma “portanto um alto princípio das relações internacionais sem o qual as missões diplomáticas não estariam mais aptas a levar a cabo, livremente, suas responsabilidades nacionais e internacionais”.
Dom Gallagher continua dizendo que seu gabinete irá, no entanto, ficar feliz em considerar “pedidos específicos” de informação, “tendo em conta a expectativa de que não seria apropriado vasculhar comunicações internas”.
Dom Gallagher foi nomeado para Canberra em dezembro de 2012, poucas semanas após que a ex-primeira ministra australiana Julia Gillard anunciou a Comissão Real nacional para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil.
Um ex-núncio apostólico, Dom Giuseppe Lazzarotto, foi anteriormente embaixador papal na Irlanda e recebeu críticas por falhar na cooperação das investigações irlandesas relativas ao abuso sexual.
Dom Gallagher, o substituto de Dom Lazzarotto, foi recebido como um sinal positivo da intenção de Roma em seguir numa abordagem mais positiva.
Dando provas à investigação parlamentar do estado de Victoria, no sul da Austrália, sobre abuso sexual infantil, em 27 de maio deste ano, o cardeal George Pell pessoalmente garantiu que “todo o documento que o Vaticano possuísse” estaria disponível à comissão.
Dom George Pell disse que um alto funcionário do Vaticano garantiu-lhe isso. “Temos dito que iremos cooperar plenamente com a Comissão Real, e de fato assim queremos”, afirmou.
Perguntado sobre se um mesmo nível de cooperação será oferecido pela investigação do estado de Victoria, o cardeal disse que não poderá garantir que isso ocorra, mas que iria voltar a conversar ou a autoridade vaticana e pedir novamente a ela para que desse o mesmo respaldo.
A citação por parte do núncio apostólico da Convenção de Viena deixa em dúvida as garantias dadas por Dom George Pell relativas à cooperação do Vaticano com a Comissão Real.
No dia 14 de novembro, o procurador-geral de Nova Gales do Sul, Ian Knight, escreveu a Dom Gallagher pela terceira vez.
Em sua carta, insistia que seus pedidos anteriores por informações foram, de fato, específicos e pede a Dom Gallagher para esclarecer o que ele quer dizer ao afirmar não ser apropriado fornecer informações sobre “comunicações internas”.
“Como podemos perceber, se estamos nos referindo a comunicações dentro da Santa Sé ou mesmo dentro da Igreja de maneira geral (quer dizer, entre a diocese de Maitland-Newcastle ou a Santa Sé) ou se estamos nos referindo à Nunciatura Apostólica da Austrália e a Santa Sé, é de se sugerir que tal restrição possa estar prejudicando, de modo significativo, a utilidade do pedido de documentação”, escreveu Knight.
Ele também lembrou o núncio apostólico sobre as garantias de cooperação do Vaticano dadas por Dom George Pell e encerrou com um extrato transcrito de seu depoimento à investigação do estado de Victoria.
“É claro, esta Comissão está separada e é distinta tanto da Comissão Real quanto da Investigação Parlamentar do Estado de Victoria”, escreveu Knight. “Porém, acredito que o sentimento de cooperação irá, do mesmo modo, se estender aos processos desta Comissão”.
A Comissão Especial deve relatar suas conclusões em 28 de fevereiro.
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Investigação australiana de abusos enfrenta impasse diplomático com o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU