21 Novembro 2013
O que está em jogo com este pontificado é a retomada da implantação do Concílio ou a prolongação da sua remoção e, ainda mais, é a alternativa entre lei e Evangelho, da qual depende o próprio sentido do papado e da Igreja.
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano. O artigo foi publicado na revista Rocca, de novembro de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Uma Corte precisa de um rei. Se o papa não é o rei, a Corte pontifícia corre o risco de extinção e, portanto, é forçada a combater por si mesma. Mas não é só a Corte: há setores da Igreja e também do mundo secular que estavam convencidos de que o Concílio estava quase neutralizado depois de 40 anos de glaciação e estão agora muito alarmados pela chegada de um papa que, segundo eles – e é uma acusação –, assemelha-se ao cardeal Martini, jesuíta como ele. Assim, enquanto cresce de modo extraordinário o consenso em torno do Papa Francisco, começou a ofensiva contra o inquilino de Santa Marta.
Lefebvrianos, ateus-devotos, sanfedistas, anticonciliares, leguistas abriram as hostilidades. O site de Sandro Magister e da Espressonline deu espaço às críticas. O jornal Il Foglio fez com que dois jornalistas provenientes da Rádio Maria dissessem porque "este papa não nos agrada" e acusou Francisco de heterodoxia, modernismo, infidelidade à Igreja e adultério com o mundo.
Parece intolerável a Giuliano Ferrara que Bergoglio tenha visto na Igreja um "hospital de campanha da misericórdia em vez do exército angelical de Wojtyla e da cátedra racional de Ratzinger". Mais refinado é o ataque do professor Pietro de Marco, de Florença, que tem nas mãos todos os instrumentos da tarefa, tendo aprendido as técnicas, mas não o espírito, da chamada "escola de Bolonha" de Dossetti e de Alberigo.
As contestações são muito pesadas e, justamente assim, ajudam a compreender a novidade evangélica do pontificado de Francisco. Tomemos, por exemplo, a grande controvérsia que se abriu com o apelo do Papa Francisco à liberdade.
"A questão para quem não crê em Deus está obedecer à própria consciência", escreveu o papa a Scalfari. E aqui a acusação é de subjetivismo, porque, se cada um deve fazer o que a sua consciência lhe dita como bem e combater o que ela lhe aponta como mal, desapareceria o bem entendido como valor objetivo, haveria uma espécie de imunidade e de injulgabilidade da consciência, a Igreja perderia a sua função de guia e de controle das almas, não haveria mais bem graça nem pecado, e não restaria nada mais do que uma "luta de todos contra todos, uma luta estrênua, por ser realizada pelo bem e não pelo ganho ou por outro contingente". Segundo De Marco, é por isso que as visões particulares "devem ser reguladas por um soberano", isto é, por uma autoridade externa, sejam as leis humanas, ou a lei de Cristo, que "não tem nenhuma nuance concessiva em termos individualistas".
Aqui, porém, é introduzido um conflito entre heteronomia e autonomia que o evento cristão anulou, cravando-a na cruz de Jesus. Quando o Papa Ratzinger disse que, na reconciliação com a idade moderna, que foi a verdadeira "descontinuidade" do Concílio, a Igreja reivindicou a liberdade não tomando-a de empréstimo do Iluminismo, mas obtendo-a do seu "patrimônio mais profundo", ele falava justamente desta verdade fundamental da fé: o homem é livre não porque se subtrai de uma autoridade que lhe é imposta de fora, mas porque a liberdade é a imagem de Deus que Deus mesmo imprimiu dentro dele.
O mandamento de Deus não cai de cima sobre homem, porque "Deus está na vida de cada pessoa", segundo aquela que é a "certeza dogmática" do Papa Bergoglio, que o Concílio corrobora dizendo que, entrando com Cristo na história, "Deus se uniu de certo modo a cada homem". Por isso, a liberdade de consciência, a liberdade do ato de fé e as liberdades civis e políticas também, que daí derivam, estão enraizadas na própria dignidade do homem, como afirmou o Papa João XXIII na Pacem in terris, separando-se do magistério pontifício do século XIX. E é assim que o tema da liberdade religiosa e da liberdade humana tout court chegou à reformulação da doutrina como ela se encontra no documento do Concílio que, não por acaso, se intitula Dignitatis humanae.
Nessa declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II, diz-se que o homem "tem a obrigação de obedecer à própria consciência", e isso é retomado do ensinamento dos Apóstolos, "ensinados pela palavra e exemplo de Cristo". E esse primado e autoridade da consciência deriva do fato de que "o homem ouve e reconhece os ditames da lei divina por meio da consciência", que, como diz a Gaudium et spes, "é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser", e é Deus mesmo que se confia à consciência e se confia à liberdade se, como acrescenta a Constituição Pastoral citando o Eclesiástico, "Deus quis 'deixar o homem entregue à sua própria decisão'".
De muitos outros gestos e palavras criticados ao Papa Francisco se poderia lembrar a origem no Evangelho, na grande tradição e no Concílio: sinal de que o que está em jogo com este pontificado é a retomada da implantação do Concílio ou a prolongação da sua remoção e, ainda mais, é a alternativa entre lei e Evangelho, da qual depende o próprio sentido do papado e da Igreja.
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Papa Francisco, prós e contras. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU