Por: Luciano Gallas | 31 Outubro 2013
O professor Ivan Domingues, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, abordou o impacto dos processos sociológicos e da noção de individuação sobre a tecnologia no pensamento de Simondon em palestra realizada na noite de 24-10-2013 na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento faz parte do II Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU: revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades e reuniu cerca de 30 pessoas no local.
“Na noção de individuação em Simondon, os seres humanos e os aparatos tecnológicos compartilham uma história: ambos nascem, crescem e morrem”, afirmou Ivan Domingues durante a palestra, passando então a investigar que disciplina científica seria capaz de contemplar esta unidade entre homem e máquina. Para o professor, tal unidade não poderia ser corretamente abordada pela filosofia da tecnologia, por esta não contemplar a questão humana. Desta forma, a conclusão primeira da análise pretendida é de que tal investigação se adequaria mais aos parâmetros de disciplinas como a biologia, a psicologia e a sociologia.
A proposta de Ivan Domingues neste ponto da palestra era contextualizar o pensamento de Simondon, de modo a favorecer a construção de uma hermenêutica da obra deste filósofo. Para Domingues, Simondon parecia querer buscar em suas investigações um axioma das ciências humanas, que ele passa a procurar em uma psicossociologia da tecnicidade – psicologia porque lhe interessava os processos humanos tomados a partir da individualidade do ser, assim como a sociologia lhe interessava por permitir estudos dos processos humanos tomados a partir da organização dos homens em sociedade, ambos os paradigmas então aplicados para a investigação da técnica. “Tecnologias e ciências humanas são abordadas em conjunto. Simondon as toma em bloco, devolvendo uma unidade perdida ou, quem sabe, conquistada”, pondera o professor.
Platão, Aristóteles e gestalt
Conforme Domingues, Simondon testou inicialmente dois paradigmas para estruturar a base de sua investigação: o arquétipo de Platão, que baseia-se no conceito central de que a ideia é o modelo das coisas concretas – a ideia seria, portanto, a base da individualidade do ser –, e o hilemorfismo de Aristóteles, que estrutura-se a partir do conceito de que todos os seres são constituídos por matéria e forma – sendo então a forma a base da individualidade do ser. Para realizar o diálogo entre estes dois paradigmas, Simondon utilizou a teoria gestalt, cujas ideias principais são de que o todo é maior que a soma das partes ou a interação dos indivíduos que o compõem e de que a forma se sobressai independentemente dos elementos que componham determinado objeto.
Entretanto, o paradigma teórico buscado por Simondon teria que dar conta da mutabilidade do social, impactado por revoluções, por disputas de poder e pelos conflitos estruturais existentes. Deste modo, o filósofo passou a utilizar em suas análises um conceito de informação que se aproximava das ideias de variações de uma forma ou de transformação de uma forma em outra (in-forma-ação). “A natureza da informação não é da ordem de uma essência ou de uma positividade, e sim de uma operação. E aqui estamos falando de cibernética [e não de mecanologia]”, enfatiza Domingues, demonstrando o momento em que Simondon passa a trabalhar com a noção de potencial.
Energia e dinâmica
“Simondon tenta então uma teoria energética da forma. O negócio em Simondon não é o equilíbrio, é a dinâmica. Ele quer passar da estática para a dinâmica. Afinal, um sistema em equilíbrio não possui nem ganho nem perda de energia. Em um processo dinâmico, ao contrário, é necessário um plus de energia”, destaca Ivan Domingues, plus este que se dá após terem sido ajustados os desequilíbrios e ultrapassados os ruídos. Assim, a obra de Simondon é perpassada por ideias como as de transdução, tomada de forma, informação, passagem de um estado para outro, metaforma.
O filósofo utiliza-se também da 2ª Lei da Termodinâmica em sua abordagem teórica, contrastada com a perspectiva de que os sistemas naturais estão condenados ao equilíbrio (morte) térmica. “Os processos humanos e sociais, os processos biológicos e a cibernética rejeitam os efeitos desta lei na luta contra a morte da substância”, pondera Ivan Domingues. As máquinas cibernéticas trazem consigo conceitos como feedback, estabilidade, sinergia. “Simondon utiliza-se da psicologia e da sociologia, que estudam não estruturas ou positividades, mas suas correlações”, aponta o professor. Ele mesmo completa o argumento: “As máquinas atuais são humanizadas, interagem, não são mais robôs, palavra cujo significado original é o de ‘escravos’. Por isso a prevalência nas investigações atuais de conceitos próximos à biologia”.
Quem foi Simondon
Gilbert Simondon (1924–1989): filósofo francês. Possuía conhecimentos sólidos em mecânica, eletrônica, hidráulica e termodinâmica. Dedicava seus estudos às áreas da tecnologia, técnica, estética e individuação. Publicou em 1958 sua tese complementar de doutorado, Du mode d'existence des objets techniques, a qual causou repercussão pela ousada abordagem anti-fenomenológica de investigação sobre a gênese dos objetos técnicos e pela opção por uma análise baseada no tratamento das realidades da utilização de tais objetos.
A tese principal de doutorado viria a ser publicada posteriormente em duas partes: L'individu et sa gènese physico-biologique (1964) e L'individuation psychique et collective à la lumière des notions de forme, information, potentiel et metaestabilité (1989). Em seu laboratório de psicossociologia e tecnologia, localizado na Universidade de Paris I – Sorbonne, construiu diversas máquinas, utilizando-se de prensas hidráulicas, receptores de sinais UHF e tubos catódicos. Com elas, realizava desenhos técnicos e fazia analogias reais entre seres bióticos e abióticos em suas investigações acadêmicas.
Quem é Ivan Domingues
Ivan Domingues é graduado e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, cursou doutorado em Filosofia na Universidade de Paris I – Sorbonne com a tese O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação das ciências humanas (2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999). É pós-doutor pela Universidade de Oxford e leciona no Departamento de Filosofia da UFMG. De sua produção bibliográfica, destacamos O fio e a trama: reflexões sobre o tempo e a história (São Paulo/Belo Horizonte: Iluminuras / Editora da UFMG, 1996) e Epistemologia das ciências humanas - Tomo 1: Positivismo e Hermenêutica - Durkheim e Weber (São Paulo: Edições Loyola, 2004). Também organizou Biotechnologies and the Human Condition (Belo Horizonte: Editora UFMG/IEAT, 2012).
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A unidade entre ciências humanas e tecnologia em Simondon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU