19 Setembro 2013
O diálogo com Scalfari é um exemplo do método de Francisco. Um não crente de convicções iluministas e racionalistas convidou o papa para um diálogo, para um confronto de ideias e de convicções intelectuais; ele aceitou o convite imediatamente e com grandíssima disponibilidade.
A opinião é de historiador italiano Adriano Prosperi, professor da Universidade de Pisa e membro da Accademia Nazionale dei Lincei, a principal academia científica da Itália. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 15-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há uma estratégia que se desdobra diante dos nossos olhos nos atos e nas palavras do Papa Francisco: deter-se na superfície, no rompimento das formas rituais dos contatos e das abordagens nos faria perder de vista a substância. Um jornal lhe faz algumas perguntas: e ele responde com disponibilidade muito grande de palavras e gentileza espontânea e humilde de formas.
Estamos distantes da época das cartas encíclicas. Quem o diz é um simples confronto com a última, recém-publicada sob dois nomes, o do papa renunciante e o deste homem que não definiríamos como "pontífice reinante", mas sim como um homem que explora cautamente o terreno do governo da Igreja, mas que, enquanto isso, olha para fora dos muros vaticanos, examina homens e capta oportunidades.
A carta a Eugenio Scalfari chega depois da visita a Lampedusa; e depois da palavra sublinhada na sua visita ao Centro Astalli de Roma: "Solidariedade, esta palavra que dá medo ao mundo desenvolvido. Eles tentam não dizê-la. É quase um palavrão para eles. Mas é a nossa palavra".
O diálogo com Scalfari é um exemplo do método de Francisco. Um não crente de convicções iluministas e racionalistas convidou o papa para um diálogo, para um confronto de ideias e de convicções intelectuais; ele aceitou o convite imediatamente e com grandíssima disponibilidade.
Mas como ele respondeu? Ele abriu o seu céu cristão sem limites a quem segue a reta consciência e, assim, deslocou o terreno da teologia e dos dogmas para a moral. E deu uma bela lição a esta Itália sobre a qual Leopardi escrevia que "não é um lugar onde a religião católica ou, melhor, a cristã (...) é mais solta no exterior ainda, e maximamente no interior". Isto é, pouco acreditada dentro e pouco praticada fora. Moral, não dogma. Na Itália, onde os monsenhores vaticanos deviam meditar, há não muito tempo se podia conceder a Eucaristia a um divorciado muito rico e muito poderoso; hoje se começa a falar outra língua.
Em torno da solidariedade está em jogo a oferta de um grande trecho de estrada a ser feito juntos entre os herdeiros da declaração dos direitos do século XVIII, em que a fraternidade soldava o nó entre liberdade e igualdade, e os herdeiros do célebre, inesquecível elogio da caridade de São Paulo.
Que há necessidade dela, na Itália, não há dúvida. Desde quando a queda do Muro de Berlim enterrou a ideia da luta por maior justiça social, voltada àqueles que o hino dos trabalhadores de Filippo Turati chamava de "irmãos e companheiros", impôs-se uma moral de uso que vê em toda parte "um mercado e em tudo a especulação", para citar as palavras do jacobino Vincenzo Russo.
Nesta Itália de hoje, a palavra do Papa Francisco começa a sacudir uma opinião pública em que, como dizem as pesquisas, há um grande grupo de pessoas que concebe a liberdade como algo que vai na direção oposta à igualdade. Aqui, graças a uma educação moral polianual e pervasiva pela televisão, ao vínculo coletivo da solidariedade se opõe o direito ao egoísmo como resultado necessário da liberdade: liberdade de gozo dos bens que eu sei adquirir para mim; liberdade de evasão até mesmo do fisco; sacro egoísmo em um mundo habitado pela fera humana, que, consciente da brevidade da vida, quer desfrutar de tudo o que se oferece aos seus apetites e atravessa, sempre que pode, as barreiras fixadas pela lei. E se os juízes o condenam, nós vemos o que ele faz.
O jogo que está aberto é este: diz respeito à moral. A sua moral e a nossa, se poderia dizer com um célebre escrito de Lev Trótski (muito favorável aos jesuítas). Foi nesse terreno que as vanguardas missionárias do cristianismo europeu ultrapassaram os limites teológicos entre cristianismo e cultura chinesa. Mas depois houve na Igreja quem os condenasse como hereges.
Hoje um jesuíta tornou-se papa. Mas, enquanto isso, muitas coisas mudaram. Entre a moral da Igreja como a vimos em ação em tantos conflitos recentes e devastadores no país Itália, ainda dominado pelas regras da Concordata de 1929, e a dos direitos de liberdades sancionados nas constituições modernas a partir de 1789, existem fraturas profundas. Umberto Veronesi fez uma delicada alusão no dia 14 no jornal La Repubblica.
Mas isso é tão importante que é preciso lembrá-lo ainda, sob o risco de parecer inoportunos. É aqui que esperamos que seja provado esse homem de boa vontade que hoje se senta no trono de Pedro.
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O método de Francisco. Artigo de Adriano Prosperi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU