04 Setembro 2013
Na entrevista a seguir, D. Guilherme Werlang, bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB afirma que o atual modelo de democracia no Brasil não responde mais aos anseios e necessidades dos cidadãos como sujeitos políticos.
A entrevista é publicada pelo Boletim da CNBB, 01-09-2013.
Eis a entrevista.
Dom Guilherme, qual a proposta da 5ª Semana Social Brasileira (SSB) com a reflexão “Estado para que e Estado para quem”?
No documento 91 da CNBB, “Por uma reforma do Estado com participação democrática”, nós bispos afirmamos que os novos sujeitos históricos colocam problemas que o Estado, na sua configuração atual, e o processo democrático, atualmente praticado, não estão preparados para responder. Aliás, neste documento os bispos lembram que o problema não é “o” Estado, mas “esse” Estado que está aí. Conscientes de que os novos sujeitos sociais exigem novas estruturas de participação democrática, queremos, com a 5ª SSB ajudar na construção de canais de diálogo e de participação efetiva, para que a sociedade civil encontre mecanismos jurídicos que coloquem o Estado em movimento na direção da massa dos excluídos, ouvindo os seus clamores. Por isso, questionamos esta forma atual de democracia, que não mais responde aos anseios e necessidades dos cidadãos como sujeitos políticos. Então, este tema ‘Estado para quê e para quem’, quer contribuir no debate sobre os limites e esgotamento desta democracia, e apontarmos para a necessidade de uma efetiva democracia participativa e direta, regulamentando o artigo 14 da Constituição que prevê a realização de referendos e plebiscitos para questões de interesses da população. A reforma política é uma das bandeiras que abraçamos como forma de colocar o Estado a serviço da nação brasileira, sobretudo, dos pobres.
O senhor pode nos falar da relação entre fé e política?
No discurso de abertura da Conferencia de Aparecida, o papa Bento XVI afirmou que a “Igreja é advogada da justiça, da verdade e dos pobres” e que sua “força política lhe advém do fato dela não se comprometer com nenhum partido político”. Nós fazemos política com P maiúsculo e não minúsculo, que é a política do bem comum. O papa Francisco recentemente afirmou que evangelizar supõe zelo apostólico. Ele nos lembrou que “A Igreja é chamada a sair de si mesma e ir para as periferias, não só as geográficas, mas também as existenciais: as periferias do mistério do pecado, da dor, da injustiça, da ignorância e frieza religiosa, do pensamento, de toda miséria” E ele ainda disse que, quando a Igreja não faz isso, ela adoece. Portanto, uma Igreja que contempla Jesus Cristo tem a obrigação de se fazer luz do mundo.
Como o senhor avalia o trabalho da 5ª SSB em parceria com entidades, organismos e expressões religiosas?
O debate político sobre o Estado veio de encontro com os anseios da sociedade brasileira. Nem podíamos imaginar que nosso país, de norte a sul seria sacudido por essas manifestações populares das massas. Parece-nos que está havendo um reencantamento da política. Estamos saindo da política do repouso para a política do movimento. A 5ª SSB conseguiu dialogar para dentro da Igreja com todos os regionais da CNBB, com grande maioria das dioceses o diálogo com os movimentos sociais, antigos e novos. Dialogamos com as comunidades tradicionais, os indígenas, os quilombolas, os pescadores artesanais, os comitês da Copa, as juventudes, os movimentos em defesa do meio ambiente e os atingidos pelos desastres socioambientais e os movimentos ecumênicos. Todos estes diálogos contribuíram para uma retomada de posição articulada para a superação da contradição fundamental existente na sociedade brasileira, que é obrigada a conviver com a aberrante contradição de ser a sexta potência econômica mundial e a 84ª em desigualdade social. Com o tema Estado para que e para quem?, procuramos desmascarar as políticas do Estado que sustentam e aprofundam a exclusão social e, ao mesmo tempo, resgatar e ampliar os mais variados gestos de construção de uma nova política, vividos pelos mais distintos grupos da sociedade brasileira nos porões da sociedade.
O debate da 5ª SSB encontrou a resposta para a pergunta sobre "a serviço de quem está o Estado hoje”?
Todas as questões sociais apontadas no debate se encontram e se reconhecem em um único e maior elemento presente em todas elas: a estrutura excludente do Estado brasileiro. O Estado cumpre funções decisivas no plano interno e externo à nação, a partir das decisões políticas tomadas pelos governos de plantão, desde os municípios até os altos escalões, que não passam de executores dos projetos ditados pelo poder econômico. Mesmo considerando os significativos avanços visíveis nas políticas sociais, sobretudo, na última década, o Estado brasileiro ainda permanece omisso na resolução dos problemas estruturais da sociedade, particularmente aqueles referentes às áreas de saúde, educação, acesso à terra urbana e rural e à distribuição de renda e à segurança dos cidadãos. Temos hoje um Estado conservador na sua forma de fazer política, reproduzindo os vícios do autoritarismo, do patrimonialismo e do clientelismo. E há no Brasil um grande descompasso entre intenções democráticas e as estruturas antidemocráticas. Isso tem deixado profundas marcas nos indivíduos, na sociedade e nas instituições, afetando o conjunto da sociedade brasileira. Vivemos também a contradição entre o crescimento econômico e o declínio social, evidenciando-se, de um lado, a concentração da renda, e, do outro, a exclusão social.
E qual é o Estado que os brasileiros desejam?
Buscamos, no respeito à diversidade, a unidade em torno do Projeto Popular para o Brasil. Para sairmos do Estado que temos para o Estado que queremos. Para isso, devemos assumir, com firmeza, novos valores, novas formas de convivência entre os seres humanos e com todos os seres da terra, além de uma nova forma de pertencimento a esta comunidade de vida.
De que forma cada cidadão pode contribuir para essa mudança no Estado?
Diante dessa avalanche de manifestações que explodiram em todo território nacional, a sociedade brasileira despertou para perceber com maior clareza a existência de uma violência aberta, impregnada nos aparatos repressivos do Estado. As manifestações trazem uma dura crítica aos grandes projetos que sempre vêm acompanhados de seus desastres para a vida humana, para o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras, para os povos originários e comunidades tradicionais e para a vida cidadã. É um movimento político, social e cultural que deixará marcas profundas e poderá significar a refundação do Estado brasileiro, podendo constituir-se no surgimento de uma verdadeira nação. O que nos resta é continuarmos vigilantes e articulados. É fundamental que todos participem de alguma organização de base. Os grupos organizados são escolas de cidadania.
Que frutos poderemos colher da 5ª SSB?
Contatamos que o Estado é um importante instrumento de fortalecimento da sociedade, ao mesmo tempo em que esta contribui enormemente com a democratização do Estado. Nós trouxemos para a sociedade o debate sobre o Estado. Constatamos que ao longo das últimas décadas, o movimento social empreendeu várias iniciativas pela democratização do Estado brasileiro. Lutou contra o Estado autoritário, empenhou-se por um Estado que incorporasse as demandas populares no processo Constituinte, pela garantia dos direitos sociais e civis na Constituição Federal e participou do processo eleitoral pela construção de um governo popular, em que o Estado fosse subordinado à sociedade e, sobretudo, a serviço dos mais pobres. Entendemos que esse processo está incompleto, inacabado, deficiente e interrompido em muitos setores da sociedade, devido às opções do Estado que têm sido negador de direitos. A grande contribuição que a 5ª Semana Social Brasileira traz é a construção de uma possível unidade do Projeto Popular para o Brasil. O respeito à diversidade e a busca da unidade em torno do Projeto Popular para o Brasil poderão garantir a construção de uma sociedade politicamente democrática, culturalmente plural, ecologicamente sustentável, espiritualmente ecumênica e macro ecumênica em que seja respeitada toda a comunidade de vida que compõe nosso planeta.
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“Os novos sujeitos sociais exigem novas estruturas de participação democrática”, afirma bispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU