21 Agosto 2013
Um país que corre o risco da guerra civil, uma minoria violenta que não aceita ter perdido o poder, grupos armados prontos para toda devastação, e o Ocidente que, como de costume, não entende e não se inclina do lado da maioria pacífica da população que quer uma transição para a democracia. Essa é a análise contracorrente, do Cairo, do padre X, islamista e profundo conhecedor da realidade egípcia (não divulgamos o seu nome por motivos de segurança pessoal).
A reportagem é de Andrea Purgatori, publicada na edição italiana eletrônica do jornal HuffingtonPost, 18-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que está acontecendo no Egito, padre?
O que a informação ocidental desviada não conta.
Em que sentido?
Só se fala da Irmandade Muçulmana e não todo o resto. Do que aconteceu antes e depois.
No Cairo, e não só, está em curso um confronto armado entre a Irmandade e o Exército. É disso que se trata agora.
Desejado por quem? Vocês não se perguntaram isso? Vocês escrevem sobre golpe militar de uma forma muito superficial. Vocês não viram que 30 milhões de egípcios saíram três vezes às ruas para exigir a mudança? O Exército está fazendo a sua parte para salvar o país da devastação. E a legitimidade está com esse povo, pacífico.
Também não era legítima a vitória de Morsi?
Foram 51% muito discutíveis. No entanto, quando um presidente se torna um ditador, de acordo com vocês, ele continua sendo legítimo?
Você fala da Irmandade Muçulmana como de uma minoria.
Mas é óbvio. Eles venceram, depois tomaram medidas que subverteram tudo. Uma Constituição aprovada por 16% da população é ridícula. Na verdade, o país estava caminhando para uma ditadura que tinha apagado completamente qualquer possibilidade de oposição.
Ilegítima do ponto de vista dos números, é isso que você está dizendo?
Do ponto de vista de qualquer lei internacional. O Ocidente está demonstrando que não têm nenhum senso de democracia, começando pelos Estados Unidos. Porque é evidente que, quando um presidente se torna um ditador, ele está deslegitimado.
Portanto, as posições tomadas em favor da Irmandade Muçulmana por Obama, pela União Europeia e pelas monarquias do Golfo, a seu ver, são medidas superficiais?
Eu não sei o que está por trás disso. Talvez grandes interesses. Todo mundo diz isso.
Ou o medo de se inimizar com aqueles que poderiam vencer?
Eu não sei. Não me interessa. Eu valorizo o que eu vejo. E aqueles 30 milhões de egípcios nas ruas por três vezes contra um presidente que havia tomado para si todos os poderes são um fato indelével. Então, honra àquele povo que soube demonstrar a sua própria discordância sem qualquer forma de violência.
Corre-se o risco de uma guerra civil?
Claro, eles puxaram a corda de propósito, com o objetivo de ir para o confronto nas ruas. A violência só veio do outro lado.
Da Irmandade Muçulmana.
Eu leio os jornais, e parece que aqui o Exército se diverte massacrando as pessoas. É uma descrição da situação absolutamente anormal. Na ponte aqui perto, estão tentando detê-los porque são devastadores. Queimaram casas, bibliotecas, ministérios... Mas vocês não veem?
Os cristãos correm muitos riscos neste momento?
Esse não é um movimento pacífico, mas sabíamos disso. E também se sabia que havia grupos prontos para tudo. Que, como no tempo das nossas ditaduras, agora espalham o terror entre as pessoas. Igrejas ou mesquitas, não faz diferença.
Existe uma saída?
Eu espero que sim. Espero que ainda haja pessoas de boa vontade que tenham a coragem de tomar nas mãos as rédeas do país. Civis, técnicos, homens e mulheres que tragam no coração o destino deste país maravilhoso. Os sinais existem, e o racha interno da Irmandade que gerou o movimento da Irmandade sem violência demonstra isso.
Mas por que El Baradei não conseguiu?
Ah, isso eu não sei. Coisas suas.
Quantos são os Irmãos Muçulmanos?
É difícil dizer. Quando eles venceram as eleições políticas, eram 60%; agora eu posso responder que, com a sua política ditatorial, eles foram capazes de fazer com que 30 milhões de opositores saíssem às ruas.
Existem forças externas que querem o caos?
Existem, aqui e em todo o Oriente Médio.
Alguns dizem que o que está acontecendo é o triunfo de Mubarak.
Os ditadores sempre digo isso.
Você consegue caminhar tranquilamente pelo Cairo, padre?
Não, agora não. Mas as pessoas precisam trabalhar, e o tráfego de manhã retoma por força das circunstâncias. Há dois anos este país está de joelhos.
Até que ponto os estrangeiros podem ficar tranquilos?
Ah, bem... Ainda estamos à mercê desses bandos armados que podem fazer o que quiserem.
Existe alguma coisa que você deseja acrescentar, padre?
Não a você. É a [Emma] Bonino [ministra das Relações Exteriores da Itália] que eu gostaria de dizer algumas palavras...
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Egito: ''O Ocidente não entendeu nada, o Exército defende o povo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU