Por: Jonas | 13 Agosto 2013
“Ninguém mais aguenta pagar aluguel. Não estamos cometendo nenhum crime, queremos apenas melhorar as nossas condições de vida. Tiraram mais de cem casas desta área e até hoje os entulhos estão aí. Se ninguém vai usar, nós vamos”, desabafou o pedreiro Roosevelton Gomes da Silva, de 27 anos, pai de duas crianças que, com a esposa, paga R$ 400 de aluguel em uma casa de três cômodos. Na quinta-feira (8) ele erguia, junto a outras cem famílias, um barraco de lona e madeira em um terreno ocupado desde o dia 27 de julho no Jardim Gaivotas, região do Grajaú, extremo sul de São Paulo.
Fonte: http://goo.gl/Aj4IXV |
A reportagem é de Rodrigo Gomes, publicada no sítio Rede Brasil Atual, 11-08-2013.
A ocupação do Jardim Gaivotas ganhou o nome de Jardim da Luta. Lá, o casal Maria Leobina Batista, de 65 anos, e Enoque João Batista, de 66, se destaca da maioria, que é jovem. Eles sempre trabalharam na agricultura, e o esforço não é novidade. “Não se pode deixar uma terra deste tamanho vazia. A gente trabalha desde os sete anos, teve 14 filhos e nunca conseguiu uma casa. Aqui vamos trabalhar pelo nosso pedacinho de terra”, afirmou Maria.
Como eles, cerca de duas mil famílias ocuparam nove áreas na região nas últimas três semanas. Duas delas, Recanto da Vitória, na área da Granja Onoda, e Povo Unido para Vencer, no terreno do antigo Clube Aristocrata, onde deveria ter sido construído um parque linear na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), já foram tema de reportagem da RBA.
No Jardim Porto Velho, na área do antigo porto de areia, cerca de 500 famílias ocuparam o local há cerca de um mês, sendo essa a mais antiga da atual onda de ocupações. Segundo o mecânico Alex Firmino dos Santos, tudo partiu de um boato. “Começaram a comentar na comunidade que o proprietário tinha perdido o terreno por causa de dívidas. Entrou um, outro, quando vimos já eram mais de 500 famílias”, relatou. Embora não se tenha a dimensão exata a área, ela é a mais extensa entre todas as visitadas pela reportagem. O terreno tem um vale, com muitos barracos de lona, e uma planície, apenas com demarcação de lotes.
Santos disse que o local não tem liderança de movimentos sociais. “É cada um no seu lote, cuidando do seu pedaço”, afirmou. Isso é fácil de notar pelas curiosas placas colocadas em frente às demarcações ou mesmo dos barracos construídos: "Tem dono", "Tira o olho" e nomes de pessoas são vistos em muitos locais.
No entanto, cada família da área de vale contribuiu com R$ 100 para instalação da rede elétrica. “A gente se une para conseguir as coisas que são para todos. Alguém tem uma ideia e vai conversando com os outros”, disse Santos. Ele contou que pagava R$ 550 de aluguel, em uma casa de três cômodos, onde vivia com a esposa e duas filhas. “Imagina pagar isso, comer, com criança pequena, ganhando mil e duzentos reais?”
Uma área da Organização Não Governamental Instituto Anchieta Grajaú, no Jardim Belcito, onde cerca de 100 famílias passaram a viver desde o último dia 29, Robson de Sousa da Silva, de 20 anos, foi um dos primeiros a ocupar. “A gente viu o povo ocupar o Aristocrata, depois a Granja, sabia de outras por comentários nos ônibus. Esta área aqui tá sem uso há muitos anos. Tem a ONG ali para cima, mas aqui onde estamos nunca teve nada”, afirmou. Ele morava na casa da sogra, com a esposa e um filho de três anos.
Comenta-se que o terreno, da construtora Cyrela, teria sido doado para a ONG há 15 anos. “Mas ninguém apresentou nenhum documento comprovando isso”, disse Silva, acrescentando que nenhum diálogo foi estabelecido com o poder público. A ONG informou na terça-feira (6) que estudava medidas legais relativas à ocupação.
Bem em frente a esta área, uma outra, que seria de propriedade de Ricardo Takaharu Onoda, também dono da área da Granja, está ocupada por piquetes, sem barracos.
No caminho do Instituto Anchieta Grajaú, outras três ocupações foram avistadas: uma na estrada do Barro Branco, na altura do número 1.500, onde estão cerca de cem famílias, já com barracos de lona, outra em uma praça ao lado da Escola Estadual Professor Eurípedes Simões de Paula, com cerca de 30 barracos, e mais uma no Jardim Noronha, com cerca de 200 famílias.
Para a militante da Rede de Comunidades do Extremo Sul de São Paulo, Carolina Catini, o movimento demonstra a insatisfação da população com a política habitacional dos últimos anos na cidade. “É uma clara demonstração de que os processos de remoção forçada e a política de auxílio-aluguel somente prejudicaram a população. O aluguel encareceu muito nos últimos anos, muitas famílias deixaram de receber o auxílio e não foram realocadas em novas moradias”, afirmou.
Mesmo assim, Carolina ressaltou que há alguns limites para as ocupações. “Tivemos conhecimento de uma movimentação para ocupar o terreno ao lado da Escola Municipal Padre José Pegoraro, no dia 3 deste mês. No entanto, o proprietário nos procurou e apresentou documentos comprovando que a área vai ser destinada para a construção de 600 moradias, através da Caixa Econômica Federal, e que a demanda a ser atendida já está definida. Então, dialogamos com as pessoas que não valia a pena ocupar, porque seria o povo contra o povo.”
A militante disse que entraria em contato com a Associação de Mulheres do Grajaú, entidade que apresentou a demanda a ser atendida no local, para avaliar a possibilidade de incluir alguma família em situação mais difícil, caso houvesse alguma vaga.
A ocupação Povo Unido para Vencer, instalada no terreno do antigo Clube Aristocrata, no Jardim Lucélia, já parece um bairro. A área, com dezenas de famílias em barracos de madeirite e lona preta, já conta com iluminação e um ponto coletivo de água encanada. “A gente vai acertando aos poucos. Este aqui será o nosso lugar, a nossa casa”, disse esperançosa Mariana Carvalho, de 17 anos, que teve de mudar de lugar por estar muito perto de uma árvore. “Já levantamos nossa lona de novo”, afirmou.
Além disso, os moradores já podem frequentar um barzinho com música, e uma igreja evangélica está sendo construída. “O meu barzinho é um ponto de encontro. Ajuda a entreter o pessoal que fica de guarda na entrada da área e me garante alguma renda. Mas a comida é para todos, só vendo refrigerante e cerveja”, disse Josué Moura, dono do bar. O pastor Edvaldo Santos, que está construindo a igreja, afirmou: “Um lugar como este, com tanta luta, tanta provação, precisa de Deus desde sempre”.
Na quinta-feira (8), os cerca de 900 moradores da ocupação Recanto da Vitória, na área da Granja Onoda, receberam a notificação de reintegração de posse. Menos desenvolvido que a Povo Unido para Vencer, o local carece de luz e água, com muitos lotes definidos, mas ainda sem barracos. A advogada de Ricardo Takaharu Onoda, proprietário da Granja, participou de reunião no mesmo dia para negociar com a Caixa Econômica Federal e a Secretaria Municipal da Habitação a compra do terreno e o desenvolvimento de um projeto de habitação social para os locais. As duas ocupações começaram em 25 de julho.
A Rede de Comunidades do Extremo Sul de São Paulo realizou na sexta-feira (9), com os moradores das ocupações na região do Grajaú, uma manifestação na Avenida Dona Belmira Marin, para pedir que haja mais tempo para as negociações antes da reintegração de posse. Segundo a militante Carolina, o capitão Staff, do 50º Batalhão da Polícia Militar, informou que haveria cinco processos de reintegração de posse encaminhados para a região. “Queremos garantir que não aconteçam situações de violência e que tenhamos tempo para dialogar.”
A militante disse que amanhã (12) vai ocorrer uma reunião entre a Rede e o assessor da Secretaria da Segurança Pública, Eduardo Dias, a respeito das reintegrações já determinadas pela Justiça. No momento, há nove áreas de ocupação confirmadas na região. “Queremos chamar atenção da sociedade e do poder público para o problema habitacional existente no Grajaú. Não é por acaso que ocorrem tantas ocupações assim. A população está passando dificuldades”, afirmou.
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Cresce o número de ocupações no extremo sul de São Paulo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU