Por: Cesar Sanson | 15 Janeiro 2013
Muitas pessoas têm me perguntado: “Como você analisa a situação da moradia no Brasil? Você acha que esta questão tem sido tratada com prioridade pelos governos?” Respondo: Os governos têm sido mais do que omissos. Têm sido cúmplices da bárbara injustiça que padece sobre milhões de famílias empobrecidas nas cidades. As grandes cidades estão sendo tratadas como empresas. Por isso, competem entre elas para ver qual atrai mais empreendimentos do capital. A especulação imobiliária assola as cidades. O comentário é de Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos Carmelitas, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma, Itália; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI -, assessor do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via Campesina em Minas Gerais, ao descrever as bases para uma Teologia da Missão dos jovens.
Eis o artigo.
Muitas áreas ocupadas pelos pobres há décadas agora passam a ser consideradas áreas de riscos, mas porque se tornaram áreas de ricos? O que mais ameaça os pobres não são os riscos geológicos, mas a especulação e os riscos sociais. É um crime que clama aos céus o imenso déficit habitacional. Há cerca de sete milhões de famílias sem-casa no Brasil, enquanto há cerca de sete milhões de imóveis ociosos e vazios. Em Belo Horizonte (MG), por exemplo, falta moradia para mais de 150 mil famílias. Cinco Ocupações Urbanas na capital mineira – Camilo Torres, Dandara, Irmã Dorothy, Zilah Sposito/Helena Greco e Eliana Silva – construíram (ou estão construindo) nos últimos anos quase duas mil casas de alvenaria, enquanto o prefeito Márcio Lacerda - que está no PSB, mas é PSDB no DNA - não construiu nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos pelo Programa Minha Casa Minha Vida nos quatro anos do primeiro mandato. “Uma pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho: voa, voa, mas não tem onde se assentar”, disse-me uma mãe com lágrimas nos olhos, na Favela Massari, em São Paulo (SP).
Injusto também é o Minha Casa Minha Vida através de construtoras. Deveria ser apenas através de entidades idôneas que já trabalhavam com os sem-casa. As 20 famílias do Assentamento Pastorinhas, do MST, em Brumadinho (MG), por exemplo, receberam R$ 9.700,00 para construir suas casas na agrovila do assentamento. Reuniram mais uns R$5.000,00 e fizeram 20 casas grandes, bonitas e espaçosas. Isso demonstra que através de autoconstrução ou em mutirão se pode construir muito mais casas com pouco dinheiro. No Minha Casa Minha Vida, quem mais ganha com a construção das casas, via construtoras, são as próprias construtoras.
“Qual a saída para as famílias que não têm onde morar?”, me perguntam muitos sem-teto. Respondo: Mágica não existe. Não há saída fácil. Não dá para dar um jeitinho. O caminho correto a ser trilhado é se unir, se organizar e partir para a luta coletiva. Dizem que se ficar, o bicho come. Se correr, o bicho pega. Mas quando se une, se organiza e se parte para a luta, o bicho some.
Assim, expulsamos os opressores dos pobres. A experiência das cinco ocupações, citadas acima, demonstra que quase duas mil famílias, na luta e na raça, se libertaram da cruz do aluguel e da humilhação da vida de favor. Estão construindo suas casas, na luta, na raça, com garra e fé no Deus da vida, em si mesmos e nos/as companheiros/as. Quem continuar lutando sozinho será morto aos poucos. Não nascemos para viver em-pregado, ganhando só um salário mínimo, que é só o sal para renovar as energias e continuar sendo sugado pelos capitalistas e pelo deus mercado. Não! Nascemos para sermos livres e emancipados! Ser livre é difícil, mas é necessário e possível! Jamais os opressores podem libertar os oprimidos. Somente os oprimidos, em comunhão, se libertam. Temos que fortalecer o sentimento de pertencimento à classe trabalhadora, que é oprimida pela classe dominante.
Outros questionam: “Temos assistido a um aumento da repressão aos movimentos de moradia e às ocupações urbanas. Por que isso?” Temos que entender como a classe dominante se relaciona com os pobres: adora os pobres enquanto estes estão ajoelhados, de mãos estendidas, se contentando com migalhas, e, no mundo do trabalho, oferecendo seu suor e sangue para construir tudo o que existe e movimentar a cidade. Mas, quando os pobres se unem, se organizam, metem o pé no barranco e se rebelam como fez o povo da Bíblia escravizado pelo imperialismo dos faraós no Egito, como fez Jesus de Nazaré ao pegar um chicote e expulsar os vendilhões do templo, como fez Zumbi dos Palmares, Dandara, Gandhi, Luther King, Che Guevara e tantos outros, os poderosos tremem de medo do seu edifício da opressão se desmanchar como um castelo de areia. Por isso, fazem campanha permanente de difamação, criminalização e satanização dos pobres e de quem luta ao lado deles. A classe dominante sabe que precisa criar uma cortina de fumaça que impeça os pobres de identificar seus reais algozes. Os poderosos sabem muito bem que quando os pobres se descobrirem como classe social oprimida e identificarem quem, de fato, são seus opressores, nesse dia, adeus opressão. As vítimas golpeadas pelo capital não serão mais vistas como pessoas violentas.
Nosso Deus - o Deus solidário e libertador - é guia do movimento popular e de todas as forças vivas da sociedade que conspiram pela construção de uma sociedade em que caibam todos e tudo se relacionando de forma justa e solidária. Não podemos nos omitir diante de tantas injustiças.
Não incomoda quem fica só consolando, fazendo assistência social, filantropia. Quem luta por justiça incomoda os poderosos e, por isso, eles partem para as ameaças. A história nos ensina: só faz história libertadora quem anda na contramão, atrapalhando o sábado. Assim aconteceu com Jesus de Nazaré, com Gandhi, Luther King, Che Guevara, Zumbi, Dandara, as mães da Praça de Maio, em Buenos Aires, e etc. Mas são esses incompreendidos e perseguidos que constroem a verdadeira história. Somos milhões conspirando a construção de uma sociedade socialista, justa e sustentável ecologicamente.
Algumas lideranças me pedem um conselho: “Que recado você dá para as famílias sem-teto que estão na luta para conquistar o direito humano de morar dignamente?” Aconselho: Sintam-se abençoados/as pelo Deus da vida. A luz e a força divina brilham em vocês! Não desanimem nunca da luta coletiva! Só perde quem não entra na luta coletiva ou quem desiste da luta! Cultivemos a amizade, o companheirismo, nos apoiemos mutuamente. Um fraco + um fraco + dois fracos = quatro fortes. Se ficarmos isolados, pensando só no nosso umbigo, só na nossa família, morreremos aos poucos, mas se nos juntarmos, construiremos uma nova aurora, com justiça e paz, com reformas urbana e agrária, com sustentabilidade ecológica e com direitos humanos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Luta pela moradia, um dos desafios em 2013 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU