25 Março 2013
"Com efeito, a internet possibilitou que o exercício da cidadania se expandisse para além do sufrágio, permitindo que o cidadão interagisse com a Administração. Pode-se arrolar como exemplos a interação da sociedade na elaboração do orçamento (orçamento participativo e consultas populares pela internet), o diálogo facilitado com a criação dos chamados “gabinetes virtuais”, onde o agente público se coloca à disposição para ouvir e responder ao cidadão", escreve Éderson Garin Porto, doutorando em Direito pela UFRGS, mestre em Direito pela UFRGS e professor dos cursos de graduação e especialização da Unisinos.
Segundo ele, "estes aspectos positivos, destacados até aqui, demonstram que a relação entre a Administração Pública e a sociedade se beneficiou com a era da informática e os meios eletrônicos de interação. No entanto, esta seria uma verdade absoluta?"
Eis o artigo
Ninguém duvida ou coloca em cheque o papel revolucionário que a grande rede mundial de computadores imprimiu em nossas vidas. Por meio da internet muito conhecimento se disseminou, ditaduras foram derrubadas, segredos de estado foram desvelados e, por que não dizer, vidas foram salvas. O caráter democratizante que a internet agregou às relações sociais é sem sombra de dúvidas louvável: as opiniões e as idéias não ficam mais confinadas à meia dúzia de cabeças “iluminadas”, assim como o espaço para produção cultural não fica exclusivamente à mercê dos critérios comerciais de certos grupos econômicos.
Se do ponto de vista sociológico, o surgimento e a consolidação da internet operaram verdadeira revolução, o que se pode dizer da relação entre a Administração e o cidadão? Se partirmos da premissa de que a civilização evoluiu de um Estado Imperial, onde a relação era verticalizada e hierarquizada, com determinações autoritárias partindo de cima para baixo, para um Estado Cidadão, onde as relações são multifacetadas, paritárias e a relação está fundada na participação ativa do cidadão, poderíamos dizer que a internet veio para consolidar esta mudança de paradigma. Com efeito, a internet possibilitou que o exercício da cidadania se expandisse para além do sufrágio, permitindo que o cidadão interagisse com a Administração. Pode-se arrolar como exemplos a interação da sociedade na elaboração do orçamento (orçamento participativo e consultas populares pela internet), o diálogo facilitado com a criação dos chamados “gabinetes virtuais”, onde o agente público se coloca à disposição para ouvir e responder ao cidadão. Não se pode esquecer dos movimentos de transparência da Administração Pública, cada vez mais translúcida ao olhar da sociedade que pode acompanhá-la e conferir quase tudo via internet.
Estes aspectos positivos, destacados até aqui, demonstram que a relação entre a Administração Pública e a sociedade se beneficiou com a era da informática e os meios eletrônicos de interação. No entanto, esta seria uma verdade absoluta? Será que o emprego de mecanismos eletrônicos mais democratizou e aproximou o cidadão ou mais o afastou e tornou inacessível o contato do administrado com a Administração? Esta é a questão que aqui se propõe, partindo da premissa que a relação entre Estado e sociedade deve estar fundada em bases igualitárias e permeada pelo diálogo, eis que o Direito à Boa Administração é assegurada desde a Constituição de 1988, vindo a ser expressamente reconhecido no artigo 41 da Carta de Nice. De efeito, desde a redemocratização do país, não se concebe que o Estado fique encastelado e tome decisões de forma isolada, assumindo ares ditatoriais. Verifica-se, ao longo de todo o texto constitucional, inúmeras formas de interação do cidadão com a Administração Pública, sendo possível identificar os seguintes dispositivos da Constituição: preâmbulo, artigos 1°, caput, incisos I, II, III e V, parágrafo único, 3°, IV, 5°, incisos XIV, XXXIII, XXXIV, a, b, XXXV, LIV, LV, LXXI, LXXII, LXXIII, LXXVII, 14, 37, § 3°, 198 e 204.
Nesse contexto, soa contraditória a postura de certos entes da Administração Pública que somente atendem mediante meio eletrônico e valem-se da internet para restringir o acesso da população. Veja-se, por exemplo, o caso da Receita Federal que está caminhando para a informatização total da escrituração fiscal e já se nota dificuldades para resolver problemas dos mais singelos como eventual equívoco de digitação. Pode-se citar, igualmente, o agendamento eletrônico/telefônico de consultas médicas que é tido como um avanço tecnológico, não fosse o detalhe que nenhum ser humano sadio decide programadamente quando irá adoecer. Da mesma forma, são incontáveis as instituições que estabelecem contato exclusivo por via eletrônica, sujeitando todo e qualquer contato pela via asséptica da internet, e-mail ou telefone.
Se os benefícios da era da informação são incontáveis, não se pode desconhecer que os desafios para adaptá-los às necessidades da sociedade são igualmente numerosos. Não se pretende com este texto descontruir os avanços e conquistas que a internet, redes sociais e meios eletrônicos de contato propiciaram. Porém, o que não se pode acreditar é que a internet tenha solucionado todos os problemas. Em verdade, talvez os problemas antigos tenham apenas mudado de nome ou tenham sido relegados para uma outra perspectiva. Se o Direito à Boa Administração é norma constitucional, reafirmada na Declaração Européia de Direitos Fundamentais (Carta de Nice), é hora da Administração olhar na face do cidadão e ouvir seus reclames, não se limitando apenas à leitura de bytes.
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Reflexões para humanizar a relação Administração/Cidadão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU