Por: André | 18 Março 2013
O padre Francisco de Roux, provincial da Companhia de Jesus na Colômbia, medita cada palavra. Por sua mente nunca cruzou a ideia de que um jesuíta, como ele, chegasse um dia a ser papa. Por isso, transcorreram até 20 segundos de silêncio antes que respondesse a uma das perguntas.
Os jesuítas, além de fazerem o voto de desprendimento diante de qualquer título (só ingressam ao governo eclesiástico caso este o pedir), não foram ovelhas mansas na história do cristianismo. São conhecidos pelo seu pensamento crítico e são apelidados de rebeldes.
Chegaram a ser tão incômodos para o setor mais conservador do catolicismo que o papa Clemente XIV os suspendeu em 1773. Voltaram ao redil em 1814, com a bênção de Pio XII. Foram expulsos da América por Carlos III. E Tomás Cipriano de Mosquera os expulsou da Colômbia.
Hoje são cerca de 20.000 e são considerados a comunidade religiosa mais importante. De fato, o seu superior geral é chamado de ‘papa negro’, pela suposta sombra que faz ao pontífice de turno.
Mas parece que o que a Igreja necessita, neste momento de crise, é precisamente do carisma e do estilo renovador dos jesuítas. Francisco de Roux, conhecido por seu trabalho pela paz, falou com El Tiempo sobre o significado do papa ser jesuíta.
A entrevista é de José Alberto Mojica e Bernardo Bejarano G. e publicada no jornal colombiano El Tiempo, 18-03-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
A Igreja entregou as rédeas aos jesuítas?
Não o sentimos assim. A Companhia de Jesus recebeu com discrição a eleição, sem atitude de triunfalismo. Nos colocaremos a serviço deste papa, assim como a qualquer outro.
Após a renúncia de Bento XVI, você chegou a pensar que a Igreja precisava de um jesuíta?
Nunca. O que fiz foi pedir a Deus que o novo papa entendesse os jesuítas. João Paulo II, que foi um santo a quem se devem muitas coisas, como a queda do muro de Berlim, entendeu bem a Opus Dei, mas não a nós. Tivemos imensas dificuldades com ele. Ratzinger entendia qual era o nosso lugar.
Que lugar é esse? O que esperar de um papa jesuíta?
Um jesuíta é filho da espiritualidade de Inácio de Loyola – que fundou a Companhia de Jesus em 1539 –, que nos convida a seguir um Jesus humilde e que encontremos a Deus em todas as coisas. O jesuíta não busca prestígio, fama nem poder, mas a simplicidade, como Jesus Cristo. Em seu estilo, o papa é um fiel jesuíta. Quando vejo a forma como inicia o seu pontificado, sem as vestes vermelhas dos papas, e que, em vez de uma cruz de ouro, tirou a velha cruz que levava como arcebispo de Buenos Aires, e quando antes de dar a bênção Urbi et Orbi pede que orem por ele, está seguindo a espiritualidade jesuíta.
Em que consiste essa espiritualidade?
Fundamenta-se em que Deus está presente no mundo, nas lutas do ser humano; nos sucessos, mas também no sofrimento. Um jesuíta está treinado para ver como Deus age no meio das coisas maravilhosas, mas também na obscuridade do mundo.
Você acredita que este vai ser um pontificado jesuíta?
Tenho a segurança de que a Companhia de Jesus, de maneira alguma, estará interessada em influir ou impor agenda. A espiritualidade inaciana, não a política nem as normas inacianas, ajudará o papa a se conduzir.
Que diferença há entre Bento XVI e Francisco?
Francisco não é um intelectual, mas um homem muito próximo da devoção popular.
Espera uma mudança de rumo da Igreja em um curto prazo?
Espero uma Igreja próxima do ser humano, sobretudo dos afligidos, dos submetidos à pobreza. Espero um papa muito sensível aos migrantes e deslocados. Tirará a Igreja da busca do poder e a colocará ao lado de um Jesus pobre. Espero também que lute contra a corrupção. Isso me parece muito importante para a América Latina.
Acredita que Francisco pode transformar a Igreja?
A Igreja está buscando uma nova linguagem, que a torne confiável, que chegue aos jovens. E esse é um dos desafios que Francisco tem pela frente. A Igreja encontra-se diante de um dilema profundo: ou se apresenta como seguidora de Jesus Cristo, apaixonada pelo ser humano e desprendida do interesse material, ou as pessoas se vão.
Como acredita que Francisco pode chegar às pessoas?
É um homem da piedade popular. Capta a experiência de Deus na simplicidade das expressões populares: as procissões, os santuários, a novena de Natal, a reza do terço em família. A força do catolicismo está na maneira como as pessoas simples vivem sua fé. Nisso se parece a João Paulo II. O catolicismo não é só para teólogos.
O que representam os jesuítas para a Igreja universal?
Bento XVI nos disse: “A Igreja quer que vocês estejam nas fronteiras onde se travam as grandes lutas: a fé e a ciência, a fé e os problemas sociais, a fé no diálogo com as culturas e como comunicar-se com o mundo. Nas grandes encruzilhadas da história, nos lugares onde é mais difícil levar o Evangelho, no diálogo com o ateísmo, em interpretar o que Deus nos pede”.
E o que Deus lhes pede?
Os jesuítas são homens de discernimento, que todo o tempo estão procurando de ver o que Deus está nos dizendo e como podemos colaborar com ele. Por exemplo, o que nos diz Deus nas diversas expressões religiosas: nas indígenas, nas diversas formas do cristianismo, no islã ou no budismo.
Como acredita que Francisco vai administrar as lutas de poder?
A impressão que tenho é que Francisco será consistente consigo mesmo. É um homem que quer uma Igreja simples, sem ostentação. E creio que vai agir nesse sentido, porque sente que a pompa e o esbanjamento nada têm a ver com Jesus Cristo.
Os jesuítas são padres rebeldes?
Não pretendemos ser rebeldes. A nossa tarefa é buscar a Deus desde o coração de Jesus. Não nos metemos nos profundos problemas do ser humano para obter resultados sociais ou políticos. O fazemos porque nos importa salvar o ser humano.
Se tivesse que escolher a ala do catolicismo mais próxima dos protestantes, seria a dos jesuítas?
É uma pergunta muito importante. Há pessoas que dizem que primeiro somos jesuítas e depois católicos... (silêncio).
Pergunto de outra maneira: se tivessem acreditado que a revolução não seria possível de dentro da Igreja, teriam ido com Lutero?
Algo assim.
O papa estreou dizendo que a Igreja não pode ser uma ONG. O que acha dessa afirmação?
Eu vejo ali uma das explicações de fundo das confrontações que teve com os Kirchner. A sua é uma reação muito sentida e espiritual, não sociológica nem política, para significar que a luta contra a pobreza não pode ser um espetáculo. Ele exige seriedade nas políticas sociais, que se pratique o que se promete nos discursos e se lute contra a corrupção.
Mas Bergoglio é questionado por ter estado próximo da ditadura argentina...
Coube-lhe viver em uma Argentina convulsionada, administrada por militares católicos. Este homem, que foi provincial dos jesuítas antes dos 40 anos e que se preocupa com a governança desse país, está montado nesse momento, na minha opinião, em uma ideologia antimarxista, como a dos militares. Contudo, os critica, os aconselha e insiste em que respeitem as pessoas. Mas seu discurso não tem vigor e possivelmente também houve silêncios que, eticamente, são muito questionáveis. Esta é uma apreciação muito pessoal: eu vejo no papa um homem que com o passar dos anos se liberta das posições ideológicas e se concentra na dor do ser humano; por isso se junta aos pobres e se converte em um bispo que caminha pelas ruas e que anda de ônibus.
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“Em seu estilo, o papa é um fiel jesuíta", afirma companheiro colombiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU