26 Fevereiro 2013
Em dois movimentos separados às vésperas de deixar o cargo, o papa Bento XVI afastou ontem o cardeal britânico Keith O'Brien da eleição que vai escolher o seu sucessor e assinou um decreto autorizando os cardeais a antecipar o início do conclave.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 26-02-2013.
Oficialmente, o Vaticano alega que O'Brien - acusado por quatro ex-seminaristas de assédio sexual ocorrido nos anos 1980, conforme revelou a imprensa britânica no fim de semana - renunciou e o papa apenas aceitou a decisão. Na prática, ficou claro que a rápida reação da Santa Sé à denúncia contra O'Brien mostra o esforço do papa em abafar os escândalos de abusos sexuais na Igreja. Já a decisão de acelerar o conclave reforça a intenção de acabar o mais rapidamente possível com a fase de incerteza após a renúncia de Bento XVI, que será formalizada na quinta-feira.
Apesar do afastamento de O'Brien, Bento XVI decidiu que toda a investigação realizada sobre corrupção e abusos dentro da Igreja será mantida em absoluto sigilo e o informe produzido será repassado a apenas seu sucessor, não aos demais cardeais. Segundo os jornais italianos, o dossiê de 300 páginas contém revelações sobre uma rede de prostituição homossexual para servir ao alto clero. Outra constatação seria uma disputa entre diferentes alas e indícios de corrupção, o que teria levado o papa a pedir demissão.
A acusação contra O'Brien já estava com o papa semanas atrás, quando a Santa Sé, acuada por denúncias de corrupção e divisão da Cúria, atacou a imprensa por revelar "mentiras e fantasias" sobre os bastidores da Igreja. Aparentemente, a Santa Sé jogou na época com a iminente aposentadoria do cardeal britânico - que em março completa 75 anos, idade-limite para ocupar o cargo - para evitar um desgaste maior.
Ontem, após as denúncias de abuso sexual virem à tona pela imprensa, o cardeal britânico anunciou sua renúncia. Oficialmente, o Vaticano insistiu que todos os cardeais seriam autorizados a entrar no Vaticano para o encontro, incluindo O'Brien. A forma encontrada pela Santa Sé para se desfazer da situação polêmica teria sido convencer o próprio cardeal a anunciar sua renúncia também ao conclave.
Mal-estar
Ontem, durante uma coletiva de imprensa no Vaticano, os porta-vozes da Santa Sé não escondiam o mal-estar. O comunicado da renúncia apresentado pelo Vaticano estava datado do dia 18 de fevereiro, num esforço de mostrar que a decisão era anterior à revelação dos abusos pela imprensa. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, insistiu que o papa já havia tomado a decisão de aceitar a renúncia e o "atraso" na impressão do comunicado ocorria apenas por conta do acúmulo de acontecimentos nos últimos dias.
Faltou combinar com O'Brien. "Não desejo que a atenção midiática se concentre em mim, mas no papa Bento XVI e em seu sucessor, por isso não irei ao conclave", declarou ele ao site da Diocese de Edimburgo. Mas, em um texto cuidadosamente escrito, deixa claro que a decisão de não viajar a Roma não foi sua.
Segundo o texto do site, o papa teria aceitado sua renúncia no dia 13 de novembro, respeitando a fórmula nunc pro tunc - ou seja: agora, mas com validade no futuro, ou dia 17 de março, quando o cardeal cumpre 75 anos. "Mas o santo padre decidiu agora que minha demissão tem efeito hoje, 25 de fevereiro de 2013", indicou.
O'Brien, o principal cardeal britânico, passou anos defendendo posições conservadoras em relação ao aborto, à eutanásia e à homossexualidade. Mas, na semana passada, surpreendeu ao defender que padres possam se casar.
Para o vaticanista John Allen, a "renúncia" de O'Brien foi uma manobra da Santa Sé para evitar desgaste. "Se o papa fosse visto como tendo expulsado um cardeal às vésperas do conclave, logo viria a pergunta: e por que não os demais?", disse ao Estado.
Allen se referia à lista de cardeais que estariam sob pressão para renunciar por terem abafado, por anos, crimes cometidos em suas dioceses, entre eles dois norte-americanos e um belga, que estarão no conclave.
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Papa afasta cardeal acusado de assédio sexual e autoriza antecipação do conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU