25 Julho 2013
No fim da única rua que corta Polanco del Yí, um vilarejo localizado a 182 quilômetros de Montevidéu, uma grandiosa laranjeira ignora o frio dos pampas neste início de inverno e esbanja seus frutos com vigor. Em outros tempos, garantem os moradores, havia mais crianças brincando nos jardins e dezenas de peões trabalhando nas fazendas da região.
A reportagem é de Daniel Rittner, publicada no jornal Valor, 24-07-2013.
Hoje a situação de Polanco é diferente. Quando os recenseadores do instituto nacional de estatísticas chegaram ao povoado, para a última contagem da população, encontraram apenas 16 de suas 44 casas ocupadas. Entre os dois últimos censos, realizados em 2004 e 2011, o número de habitantes encolheu para menos da metade. Boa parte dos idosos morreu. Já não nascem tantas crianças. O campo agora emprega pouca gente, e muitos adultos se foram definitivamente dali, em busca de oportunidades.
"Esse lugar está desaparecendo", resigna-se Brenda Guerra, 84 anos, uma das moradoras mais antigas de Polanco. Ela vive em uma casa modesta, cuja porta não tem mais que 1,70 metro de altura, um sinal de ter sido construída quando as pessoas eram mais baixinhas. Brenda ainda lamenta a perda do irmão, que não se casou nem teve filhos, há três meses. A casa dele, que fica ao lado, vive trancada desde então.
É uma visão comum no povoado: portas e janelas com correntes e cadeados, outras simplesmente arrebentadas, sem nenhum esboço de vida dentro, em um prenúncio de que tudo caminha para o esquecimento. Talvez por isso haja tantas laranjas apodrecidas debaixo da árvore no fim da rua de Brenda. A primeira ideia que vem à cabeça é que não há mais gente suficiente para recolher todos os frutos maduros.
Polanco del Yí e Caserío La Fundación, outra localidade que se situa às margens da mesma estrada de terra, são um pequeno e dramático retrato do envelhecimento da sociedade uruguaia. A população do Uruguai manteve-se praticamente estagnada entre os dois últimos censos. Dos 19 Departamentos (Províncias) em que está dividido o país, houve queda do número de habitantes em 13, incluindo Montevidéu.
"A pequenez demográfica do país, característica desde seu nascimento, continuará se acentuando no futuro", prevê Juan José Calvo, professor da Universidad de la República (Udelar) e autor de um recente trabalho para a UNFPA, organismo das Nações Unidas responsável por questões populacionais.
Além dos baixos índices de natalidade desde 1950, pesa a forte saída de uruguaios para o exterior, em um fenômeno migratório que só começou a ser revertido nos últimos anos. Com a recessão na Europa e uma década de crescimento econômico ininterrupto no Uruguai, os expatriados deram início ao movimento de retorno, mas isso ainda é quase uma migalha em termos quantitativos.
O envelhecimento do país se reflete na fatia de sua população - 18,4% - acima de 60 anos de idade. É uma proporção que se aproxima à da Europa, recorde na América do Sul, em um prenúncio do que quase todos os países da região vão enfrentar no futuro próximo. Para demógrafos e economistas, isso implica uma série de mudanças nas políticas públicas, como o sistema de transportes e a saúde. Nada, porém, soa tão desafiador quanto o futuro da previdência social.
Meses atrás, ao inaugurar a rede de eletrificação rural de um povoado do interior em que restaram somente 14 habitantes, o próprio presidente José Mujica chamou atenção para a baixa taxa de natalidade do Uruguai e fez uma reflexão. "Dentro de 20 anos, quem pagará a aposentadoria dos mais velhos?", questionou Mujica, de 78 anos e sem filhos.
Não foi a única provocação do presidente uruguaio. Depois, ele falou em abrir as portas do país para imigrantes sul-americanos, em uma tentativa de aumentar a população para 4 ou 5 milhões de habitantes. Hoje o país tem 3,2 milhões. "Precisamos de pessoas de toda a região. Paraguaios, bolivianos, equatorianos, entre outros. Precisamos de população jovem que se instale na área rural."
A intenção do governo não é simplesmente trazer mão de obra que envie remessas aos seus países de origem, mas atrair trabalhadores que cheguem ao Uruguai com suas famílias e sem planos de fazer o caminho de volta.
Nenhuma das ideias anunciadas por Mujica se transformou em ações concretas - uma das maiores críticas da oposição é de que seu governo tem muito falatório e pouca iniciativa. Mas suas declarações evidenciaram a bomba relógio do atual sistema de seguridade social. Em 1996, no governo liberal do ex-presidente Julio Sanguinetti, uma megarreforma previdenciária aumentou de 30 para 35 anos o tempo mínimo de contribuição.
Para as mulheres, a idade de aposentaria subiu de 55 para 60 anos, igualando-se à dos homens. Criou-se uma espécie de fator previdenciário, por meio do qual o valor dos benefícios aumenta para quem fica mais tempo na ativa, e foi criado um sistema paralelo de contas previdenciárias individuais. O déficit da seguridade social, que já alcançava 3,3% do PIB, caiu subitamente.
No governo seguinte, do esquerdista Tabaré Vázquez, o tempo mínimo de contribuição voltou a ser de 30 anos e foram relaxados os critérios para a concessão de aposentaria por idade. As mudanças tiveram impacto negativo de 0,9% do PIB, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao avaliar o aumento de despesas e a queda de receitas com contribuições.
No sistema público, os trabalhadores se aposentam com 62,8 anos de idade e 36,8 anos de tempo na ativa, em média. Ambos os indicadores estão acima do mínimo exigido. Mas a expectativa de vida no Uruguai é tão alta - 80 anos para mulheres e 73 anos para homens - que reforça a necessidade de novas reformas preconizada recentemente por Mujica.
A combinação de envelhecimento populacional e mudança de habitantes do campo para as cidades tem sido vista em grande parte da América Latina. O que torna o fenômeno uruguaio diferente dos demais? É que, em um país com uma densidade demográfica já tão baixa, isso condena vilarejos do interior profundo a um estado de semiabandono.
Miguel Aristégui, 60 anos, dá um exemplo de como Polanco foi se esvaziando. "Quando eu era criança, éramos 125 crianças na nossa escola rural. Agora são 16", afirma. Todas estudam juntas, não importa a idade. "Aqui não há trabalho, não há perspectiva, não há nada", lamenta, ao lado dele, o agente policial Rafael Ferreyra. Na delegacia do povoado, a cela jamais foi usada e ninguém se lembra de um único homicídio nas redondezas. "Só roubo de vaca", diz Rafael, em tom sério, como se relatasse um crime grave.
O que gerava ocupação em Polanco, às margens do rio Yí, já não existe mais: um fazendeiro que empregava cerca de 20 famílias e uma tecelagem que dava trabalho a dezenas de mulheres.
Sobraram os elementos centrais de qualquer vilarejo - a igreja, a escola, a delegacia -, à beira da estrada de terra onde se situa Polanco. Ônibus regulares, nem pensar. De carro, também não existe garantia de chegar ao povoado. Com as chuvas, riachos das imediações sobem e invadem a pista, bloqueando o acesso. Há gado e soja, mas também muita terra improdutiva.
É uma tranquilidade da qual Cristina Sueiro, 57 anos, não pretende abrir mão. Como outros habitantes, ela cria uma ovelha de estimação no quintal e não se preocupa em trancar as portas, mas se angustia com as perspectivas profissionais da filha, que já terminou o colégio e sonha em entrar na universidade. Logo depois de explicar a situação familiar, Cristina aponta algumas casas na vizinhança e inicia um relato doloroso, que ilustra a diminuição do vilarejo: "Ali vivia um casal que morreu há alguns anos. Os filhos foram embora e nunca mais voltaram. Naquela outra, morava um senhor sozinho, que também morreu". A última casa que ela aponta é justamente a do irmão de Brenda.
Brasil e países vizinhos vão enfrentar o mesmo dilema
O panorama demográfico da América do Sul mudará radicalmente nas próximas décadas, segundo estudos recentes das Nações Unidas. Países como Chile e Brasil vão ter, até a metade deste século, uma população proporcionalmente mais velha do que tem hoje o Uruguai. Os índices de envelhecimento ficarão muito próximos dos atuais na Europa.
A Cepal fez um exercício curioso para calcular o envelhecimento das sociedades latino-americanas, observando a quantidade de idosos (acima de 60 anos) e de jovens (abaixo de 15 anos), por país. Em 2010, a proporção era de 36 idosos para cada 100 jovens. Em 2050, na região como um todo, serão 150 idosos por cada grupo de 100 jovens.
Até o fim desta década, o Chile vai superar o Uruguai e rivalizar com Cuba, como população mais velha da América Latina. A explicação está nos baixíssimos índices de natalidade dos chilenos e dos cubanos. Em 2050, o Brasil também terá consolidado outro perfil demográfico. Nas projeções da ONU, 28,7% de sua população brasileira terá mais de 60 anos - no Uruguai, será 27,4%.
Para Helmut Schwarzer, especialista sênior de seguridade social para as Américas e o Caribe da Organização Internacional de Trabalho (OIT), todas as políticas públicas terão que se adaptar às mudanças graduais da demografia na região. No sistema de aposentadorias, um dos mais vulneráveis a essas modificações, será preciso desestimular a saída precoce do mercado de trabalho e premiar quem contribui por mais tempo. "Mas o processo de envelhecimento ocorre ao longo do tempo e permite a implementação de ajustes graduais", afirma Schwarzer, que é ex-secretário do Ministério da Previdência Social.
Por isso, segundo ele, a palavra-chave é gradualismo no endurecimento de regras - nem tanta correria para adotar medidas de excessiva austeridade, nem deixar que se torne uma bomba-relógio. "O Brasil já fez um conjunto de mudanças importantes. Há uma crítica muito forte contra o fator previdenciário, mas ele tem exatamente esse objetivo", diz.
Schwarzer acredita que, nas próximas décadas, outras questões terão que ser pensadas. Ele cita a prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, a redução do custo financeiro das crianças (a fim de estimular casais a ter filhos) e o aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho (com mais creches e escolas em tempo integral).
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Uruguai faz as contas de como manter os seus idosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU