Por: Jonas | 23 Julho 2013
Ernesto Laclau vive no Reino Unido, onde desempenha sua vida acadêmica desde os anos 1960, mas cada vez viaja com maior frequência para Argentina. Desta vez, apresentará um novo número da revista que ele dirige, “Debates y combates”, e na terça-feira concederá uma palestra na Faculdade de Filosofia e Letras. Nascido em Buenos Aires, em 1935, Ernesto Laclau compartilhou alguns pontos de sua formação e concedeu uma entrevista na qual deixou claro suas antipatias, suas afinidades e suas indiferenças.
Fonte: http://goo.gl/f9LM0 |
“Meu pai era um radical yrigoyenista - relatou Ernesto Laclau sobre Ernesto Laclau -. Foi o chefe civil da frustrada sublevação radical contra (o presidente de fato) José Félix Uriburu, em 1931, e teve que se exilar no Uruguai. Voltou a entrar no país para participar do levante de (o ex-assessor de Yrigoyen, Gregorio) Pomar, em Corrientes, que também fracassou. Fugiu novamente. Os jornais o chamavam de Doutor Polvorosa. Em 1932, retornou ao país, quando se retomou o regime constitucional. Esteve muito próximo do forjismo e manteve uma grande amizade com várias de suas figuras. Foi amigo íntimo, até o final de sua vida, de Arturo Jauretche”.
A entrevista é de Martín Granovsky, publicada no jornal Página/12, 21-07-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Depois, seu pai se tornou peronista, assim como outros dirigentes da Força de Orientação Radical da Jovem Argentina?
Nunca se tornou peronista. Contudo, meu pai também não era um gorila com pelos saindo pelas orelhas. Ele continuou mantendo relações com muitos do forjismo, que entraram no peronismo. Para mim isso foi muito formativo.
O que foi disto foi formativo?
Meu pai era um homem de grande cultura. Conseguia conversar sobre muitos assuntos e tinha uma grandeza de espírito para falar com pessoas de orientações diferentes. E isto para os anos formativos de alguém é muito importante. Lembro-me de tê-lo acompanhado numa conversa com Jorge Abelardo Ramos e se entenderam muito bem. Evidentemente, já não tinham afinidades ideológicas. Entretanto, ocorreu uma contínua relação intelectual e troca de ideias.
Havia muita discussão política na sua casa?
Sim. Sempre me lembro de uma história. Um dia, quando éramos adolescentes, durante um almoço, meus irmãos e eu debatíamos com meu pai sobre o humano e o divino. E ouviu-se a voz de minha mãe: “Nesta casa, sobram ideias. O que falta é prata”. Meu pai era advogado. Durante o governo de Arturo Illia, foi embaixador na Dinamarca. Toda a sua vida foi militante no radicalismo.
Você não se tornou radical.
Não. Em 1958, entrei no Partido Socialista Argentino, que em início dos anos 1960 começou a se dividir em várias frações. Então, fiquei no Partido Socialista Argentino de Vanguarda e permaneci nele durante o pouco tempo que ficou unido. Saí por desentendimentos políticos, no final de 1962, e na Faculdade de Filosofia e Letras formamos a Frente de Ação Universitária. No final de 1963, houve uma confluência de nosso movimento com o Partido Socialista da Esquerda Nacional (PSIN), fundado por Jorge Abelardo Ramos. Entrei no PSIN, que conseguiu uma espécie de cooptação. Ana Lía Payró também entrou comigo, e assim como eu passou a fazer parte da mesa nacional do PSIN. Durante vários anos, fui diretor de “Luta Obrera”, o semanário do partido. Em 1968, vários de nós se separaram, não tanto pela ideologia, mas pela forma como o partido operava. Eu tinha crescentes discordâncias sobre isto.
Qual era a razão das discordâncias?
O partido era sumamente leninista em suas formas de organização. Recordo que tive uma conversa com Ramos, quando eu estava saindo. Disse-lhe: “Abelardo, o partido está dentro de um clima histórico no qual está se dando uma centralidade crescente do nacional popular. É um processo inseparável. O que não está claro é quem irá ocupar o lugar central nesse processo. A pior coisa que pode ocorrer ao país é que essa centralidade seja ocupada pela guerrilha, porque isso conduzirá a um banho de sangue”. É claro, nunca pensei que iria chegar a tal ponto o que aconteceu depois. Também disse para Ramos que era preciso retirar do partido determinantes ideológicos que não eram essenciais, porque, caso contrário, iríamos acabar sendo uma espécie de seita separada das orientações gerais que levam as pessoas a tomarem decisões simples, mais simples do que as elaboradas após as discussões sobre o que ocorreu em cada etapa da Revolução Russa.
O que Ramos lhe respondeu?
Recordo-me: “Somos a vanguarda do proletariado argentino e temos que educar a classe operária com a mão peluda do marxismo-leninismo”. No partido, não fomos convencidos de que o nacional popular era e seria absolutamente central. Daí, minha afinidade com Arturo Jauretche, para além do fato de foi amigo de meu pai. O acompanhei em todo o resto de sua vida.
Morreu em 1974, e em seu velório compareceram poucas pessoas. Por quê?
Jauretche morreu em 1974. Eu já estava na Inglaterra.
Por qual razão você foi para a Inglaterra?
Por algo completamente casual. Em 1966, eu tinha sido nomeado professor universitário na Universidade de Tucumán. Porém, com seis meses veio o golpe de Juan Carlos Onganía. Ele expulsou cerca de mil professores da universidade. Após seis meses, perdi meu cargo e fui trabalhar no Instituto Di Tella, numa pesquisa cujo assessor externo era Eric Hobsbawn. Ele gostou muito do meu trabalho.
Sobre qual assunto?
Aproximações históricas com a questão da marginalidade social. Perguntou-me se eu gostaria que ele me conseguisse uma bolsa de Oxford. Eu disse que sim, porque não contava com nenhuma perspectiva na Argentina. Foi assim que eu viajei, sem jamais ter pensado em fazer isto antes. Em 1973, estive quase retornei, mas acabava de conquistar meu cargo como professor universitário, em Essex, e pensei que seria ruim caso, após dois meses de minha nomeação, voltasse para Argentina. Decidi deixar correr alguns anos. É claro, nesse tempo veio o golpe. Lá, eu havia arrumado minha vida. Após 1983, comecei vir com maior frequência para Argentina.
E como era a Inglaterra para uma pessoa definida como nacional popular? Provocava algum baque?
Não. Existia uma grande proporção de estudantes latino-americanos e havia uma grande receptividade para aquilo que eu pensava. Viam-me como um intelectual latino-americano.
Você deixou de ser um militante, ao menos no sentido tradicional.
Depois que saí do PSIN, a questão da militância... Veja, eu participava dando entrevista e com uma série de atividades jornalísticas, e eu continuei fazendo isto na Inglaterra. Era a favor do espírito dos anos 1970, mas muito contrário ao militarismo. Esta continua sendo minha atual posição. De alguma forma, uma possibilidade histórica foi perdida com o giro militarista. Participei de muitos fóruns. Nos anos do horror, eu não desenvolvi nenhuma militância específica, mas, sim, participei em atividades relacionadas com os direitos humanos, nos anos duros. Depois disso, quando foi aberta uma possibilidade de uma ação política, comecei a desenvolver minhas ideias de forma mais sistemática. A partir de 2003, uma nova realidade foi aberta, com a assunção de Néstor Kirchner, e estou aqui. Não me percebo como argentino, mas como latino-americano. Continuo sustentando as ideias que aprendi na esquerda nacional. A latino-americanidade de nosso projeto é uma das fontes de nossa identidade política.
Existem visões diferentes sobre os processos políticos, dos últimos anos, na região. Algumas análises enfatizam as diferenças entre, por exemplo, Venezuela, Equador e Bolívia por um lado, Brasil, Uruguai e Argentina, por outro, e outras análises preferem falar de diferentes caminhos nacionais dentro de um mesmo processo geral.
Eu colocaria a Argentina no eixo de Venezuela, Bolívia e Equador. Eu acredito que a clivagem que ocorre na América Latina tem suas raízes históricas. É preciso perceber qual foi a experiência de democracia no continente. Diferente da Europa, a região nunca experimentou o parlamentarismo como um movimento progressivo. Lá os parlamentares representaram a defesa do Terceiro Estado frente ao absolutismo real. Na América Latina, na segunda metade do século XIX, buscou-se a consolidação das oligarquias locais, e o Executivo, muitas vezes, foi a fonte das mudanças. Isto ocorreu no Chile. No início dos anos 1890, o Parlamento chileno se opôs aos projetos nacionalistas do presidente (José Manuel) Balmaceda.
Ele queria acabar com o monopólio estrangeiro sobre o salitre.
Sim. Por isso, eu digo que na América Latina ocorre uma espécie de divisão na experiência democrática das massas. Por um lado, a democracia liberal, e por outro a democracia nacional popular. A segunda foi encarnada em regimes como o varguismo no Brasil, como o primeiro aprismo, como o peronismo, como o primeiro ibañismo, no Chile, como o Movimento Nacionalista Revolucionário, na Bolívia. No momento atual, essa divisão entre a democracia liberal e a democracia nacional popular está sendo superada. Embora os regimes latino-americanos sejam parte dessa matriz histórica, hoje já não entram em colisão com as formas do Estado liberal democrático, mas as integram: eleições, divisão de poderes, etc. Ou seja, talvez estejamos no melhor momento democrático dos últimos 150 anos. É necessário fazer a avaliação de um regime a partir do ponto de vista do significado global de um movimento e da raiz histórica que um movimento organiza. É assim em toda a América Latina.
Em sua descrição regional, você não menciona pouco o Brasil?
O Brasil é um componente essencial de todo este processo. Porém, ali o movimento jacobino do nacional popular teve que ser mitigado por uma série de outras considerações. Nunca contou com um populismo histórico com as características do peronismo. O Brasil era um país enormemente regionalizado e Getúlio Vargas teve que ser o articulador de movimentos regionais sumamente diversos. Juan Perón, ao contrário, foi o representante de um movimento cuja base política e social estava unificada. Interpelando o triângulo industrial de Buenos Aires, Córdoba e Rosário, Perón apelava para um movimento homogêneo. No Brasil, isto não ocorreu. O único que quase teve um tipo de discurso peronista foi João Goulart, e assim partiu. Até no presente, esse tipo de descontinuidade ocorreu no Brasil. Um fenômeno como o de Lula mostra esse tipo de ambiguidade.
Verdadeiramente, para você parece ambíguo o fenômeno Lula?
De qualquer forma, devo dizer que nos momentos decisivos ele tomou uma posição definitivamente próxima ao nacional popular. Por exemplo, em Mar del Plata, em 2005, foi contra a proposta de formação da Área de Livre Comércio das Américas. Foi graças à oposição do Brasil que a ALCA não funcionou. A questão é que Lula precisou estabelecer compromissos com forças sociais, expressas por meio de formas políticas, num marco mais difícil, por exemplo, que o enfrentado por Rafael Correa. Se fosse preciso fazer uma caracterização rasa, diria que o Brasil se localiza no eixo nacional popular. Chile, ao contrário, viveu uma transição mediante o pacto com as forças do passado. Somente agora, por meio do movimento estudantil e um protesto mais forte, há um realinhamento à esquerda. No Uruguai, tudo está em avaliação. Antes, tínhamos Tabaré Vázquez. Depois da ALCA, foi aos Estados Unidos para procurar estabelecer um acordo comercial, o que não conseguiu. Era incompatível com as regras do Mercosul. Encontrou oposição interna de seu partido na pessoa de Reinaldo Gargano, o chanceler que era um dirigente histórico do Partido Socialista na tradição de Vivian Trías. Com Pepe Mujica as coisas melhoraram, porém o Uruguai continua sendo um país que está um pouco na balança.
Que tipo de intelectual é você?
Um intelectual tradicional seria incompatível com o tipo de posição política que sempre mantive. Não defendo coisas que eu não acredito. E como um intelectual orgânico participo da tarefa pública. Por exemplo, ao dar uma entrevista e opinar sobre o que acontece. Eu coloco a tarefa intelectual e a atividade política juntas. Antonio Gramsci dizia que um intelectual orgânico tem a prática da articulação. Um jornalista e um organizador sindical poderiam ser um. Finalmente, o intelectual orgânico e o militante são uma mesma coisa para Gramsci.
E como intelectual orgânico, da forma como se define, quais são em sua opinião os principais desafios regionais daqui para frente?
Em temas mais globais, o desafio fundamental para a América Latina, nos próximos anos, está em como conectar duas ideias que em princípio são difíceis de combinar: o princípio da autonomia e o princípio da hegemonia. Não há expansão de um sistema democrático sem um sistema de proliferação de cadeias que ampliam as demandas. Isto implica a autonomia. Porém, ao mesmo tempo, se essas formas autônomas da vontade das massas não são unificadas em torno de certos significantes centrais, não haverá ação em longo prazo. Uma das coisas que me preocupa nos movimentos libertários da Europa é que eles enfatizam, quase exclusivamente, o momento da autonomia. Contudo, sem vontade de construir um Estado alternativo, as vontades tenderão a se diluir. E por outro lado, insistir exclusivamente no momento da hegemonia, negando o momento da autonomia, é pecar num hiper-politicismo que nega os movimentos sociais em sua autonomia. Esse é o dilema: a forma como unificar a dimensão horizontal e a dimensão vertical. Parece-me que o chavismo, na Venezuela, a revolução cidadã, no Equador, Evo Morales, na Bolívia, e até certo ponto o kirchnerismo, na Argentina, não estão fazendo mal isto.
Por que você diz “até certo ponto”?
Na Argentina, ainda não se conseguiu uma confluência completa entre o momento autônomo da vontade dos setores populares e o momento da construção do Estado. Está em processo. Falta ainda a confluência das duas dimensões. Desde 2001, ocorreu uma enorme expansão horizontal do protesto social: as fábricas recuperadas, os piqueteros, etc... Por outro lado, o kirchnerismo tenta construir um Estado popular. Em qualquer regime, a confluência é difícil. No caso argentino, houve avanços decisivos, embora não tenha se vertido em fórmulas.
O que retardaria essa confluência?
O que pode retardá-la é uma tendência dos movimentos sociais em se afirmar como completamente independentes do Estado, assim como ocorre com os Indignados na Espanha. E o que pode retardar a confluência, no nível do momento hegemônico, seria uma tendência centralizadora que ignora a autonomia. Na Grécia, há uma confluência das duas dimensões. Jean-Luc Mélenchon procura realizá-la na França.
Como os conflitos atuam nessa confluência que você indica?
Por um lado está o institucionalismo: a ideia de que toda demanda pode ser veiculada através dos aparatos do Estado. Por outro, o populismo: a ruptura frente ao poder. As duas tendências consideradas a fundo, e em termos absolutos, são incompatíveis. É preciso encontrar um meio termo. O conflito não deve ser erradicado com a concepção de que toda demanda pode ser absorvida pelo sistema, como pensava (o primeiro-ministro britânico, entre 1874 e 1880) Benjamin Disraeli, com a ideia de One nation, uma nação. O projeto do populismo estaria no fato das demandas se aglutinarem ao redor de um ponto de ruptura, existindo, então, um conflito que não pode ser obstruído por nada. O institucionalismo puro leva à ausência de política, porque procura fazer com que toda demanda seja mediada administrativamente. O populismo puro também leva à ruptura da política, porque não conta com nenhuma mediação. A ideia gramsciana é a construção de uma mediação política. Estamos nisso. Jorge Abelardo Ramos dizia que a sociedade nunca está polarizada entre o manicômio e o cemitério. O jacobinismo extremo foi uma forma de manicômio do político. O povo era definido de uma forma cada vez mais aberrante e não existia nenhuma possibilidade de construção política institucional. O institucionalismo é a substituição da política pela administração. Julio Argentino Roca pedia paz e administração. Na bandeira brasileira, essa verdadeira igreja do Brasil, que foi o positivismo de Augusto Comte, colocou “Ordem e Progresso”. Se a realidade avançar apenas pelo institucional, se consolidará o poder corporativo. Se apenas o populismo avançar, não haverá um marco institucional para o social.
Qual seria hoje a situação da Argentina a esse respeito?
Não estamos mal. Existem forças autônomas e existe um Estado que tem capacidade de resposta frente às pulsões sociais.
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América Latina. “É o melhor momento democrático em 150 anos”, afirma Ernesto Laclau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU