27 Fevereiro 2013
A epifania de Deus tem mil formas para se manifestar e nem sempre é fulgurante como a do caminho de Damasco. No entanto, nunca é tão irrefutável a ponto de levar a um acordo forçado e obrigatório. A adesão deve ser pessoal, livre, até mesmo fatigante.
A reflexão é do cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 24-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nec religionis est cogere religionem. Lapidar é Tertuliano, com esse lema do seu escrito A Scapola (II, 2), ao reconhecer que no próprio coração da fé, onde também impera a graça divina, também pulsa a liberdade humana, para a qual "não é próprio da religião forçar à religião".
Um princípio, infelizmente, nem sempre respeitado pelas várias confissões religiosas, incluindo o cristianismo dentro da sua história secular, e é significativo que João Paulo II também tenha pedido perdão por essas prevaricações no Jubileu de 2000. Em um itinerário (que não é teológico, mas de corte cultural geral) dentro do horizonte da fé, além de celebrar o primado da graça divina, não podemos ignorar o necessário contraponto harmônico da liberdade humana. Necessário porque a liberdade é estrutural à antropologia bíblica e não só à concepção clássica e moderna da pessoa. Não podemos agora desenvolver esse tema seguindo a trama dos textos bíblicos. Basta-nos evocar duas passagens.
De um lado, a cena do proêmio das Escrituras: o homem e a mulher são colocados nos capítulos 2-3 do Gênesis à sombra "da árvore do conhecimento do bem e do mal", um evidente símbolo da moral com relação à qual a criatura se encontrar livre para aceitar o seu valor ou, arrancando o seu fruto, decidir por conta própria o que é o bem e o mal.
Por outro lado, citamos uma passagem emblemática da sabedoria de Israel: "Desde o princípio, Deus criou o homem e o entregou ao poder de suas próprias decisões. Se você quiser, observará os mandamentos, e sua fidelidade vai depender da boa vontade que você mesmo tiver. Ele pôs você diante do fogo e da água, e você poderá estender a mão para aquilo que quiser. A vida e a morte estão diante dos homens, e a cada um será dado o que cada um escolher" (Eclesiástico 15, 14-17). A graça divina, mesmo na sua eficácia, desce não dentro de um objeto inerte, mas sim em um ser livre, que pode acolher ou rejeitar esse dom, pode abrir ou deixar fechada a porta da sua alma na qual bate o Senhor que passa, para usar a célebre metáfora do Apocalipse (3, 20).
Expressa bem esse entrelaçamento delicado e fundamental – sobre o qual insistiram por séculos os teólogos, tentando definir o seu equilíbrio – o padre David M. Turoldo, quando escreve: "Tenho certeza de que Deus me descobriu, mas não tenho certeza se eu descobri a Deus. A fé é um dom, mas ao mesmo tempo é uma conquista".
A epifania de Deus tem mil formas para se manifestar e nem sempre é fulgurante como a do caminho de Damasco. No entanto, nunca é tão irrefutável a ponto de levar a um acordo forçado e obrigatório. A adesão deve ser pessoal, livre, até mesmo fatigante.
De fato, somos conscientes de que o exercício da liberdade não é nada simples. Ser livre não é uma pura e simples reação instintiva e "libertina", nem apenas um isentar-se de uma opressão ou de uma imposição, mas é uma escolha coerente e consciente entre diferentes opções para uma meta a ser alcançada. Por isso, o dramaturgo alemão Georg Büchner, na Morte de Danton (1834), afirmava que a estátua da liberdade está sempre em fusão e é fácil queimar-se os dedos. Viver na liberdade autêntica, como muitas vezes também lembra São Paulo, é um ato comprometedor, porque envolve uma existência rigorosamente consciente, e está sempre à espreita o risco de cair novamente na escravidão.
Tal como acontece com os cães aos quais se lança um galho seco e eles logo o trazem de volta a você, assim também, para muitos, a liberdade é um elemento inútil que logo o levamos de volta às mãos do poder. Essa é uma imagem de Dostoiévski, e do grande romancista inferimos uma sugestiva reflexão sobre o nexo entre fé e liberdade.
Ele escrevia: "Tu não desceste da cruz, quando gritavam-te: 'Desce da cruz e creremos que és Tu'. Não o fizeste, porque de novo não quiseste sujeitar o homem (…) Desejavas um amor livre e não de entusiasmos servis. Tinhas sede de uma fé livre, não fundamentada no prodígio". O escritor evoca a cena do Gólgota com o Cristo moribundo zombado pelos transeuntes: "É Rei de Israel, desça agora da cruz, e acreditaremos nele" (Mt 27, 39-42).
Assim como durante a sua existência, ele havia evitado gestos taumatúrgicos espetaculares, preocupando-se apenas em curar os sofrimentos humanos, muitas vezes à parte da multidão e impondo o silêncio aos que recebiam milagres, assim também, naquele momento extremo, Jesus confia a sua revelação não ao prodígio, mas ao escândalo da cruz. Ele não busca adesões interessadas, mas convida a uma fé livre e guiada pelo amor, que é por excelência um ato de liberdade.
Sem essa dimensão, a fé torna-se paródia, como se intui a partir da reconstrução que Simone de Beauvoir, escritora francesa companheira do filósofo Sartre, falecida em 1986, faz da sua crise juvenil que a fez abandonar a fé. Nas suas “Memórias de uma filha obediente”, ela recorda o momento em que, no colégio, ouvindo uma pregação do capelão padre Martin sobre a obediência, abrira espaço nela a necessidade de se livrar do pesadelo da religião, justamente porque esta – segundo aquela visão que, na realidade, era uma deformação da autêntica fé – envolvia a anulação da liberdade.
Ela contava: "Enquanto o abade falava, uma mão boba havia se abatido sobre a minha nuca, me fazia inclinar a cabeça, me enfiava o rosto no chão, por toda a vida me obrigaria a me arrastar de quatro, cegada pela lama e pelas trevas; era preciso dizer adeus para sempre à verdade, à liberdade, a qualquer alegria".
Por isso, é importante um anúncio correto da fé que, sem conceder nada a uma acomodação fácil demais, a um compromisso genérico e cômodo, não deforme, porém, a verdadeira alma da fé, introduzindo um rosto desfigurado de Deus, aquele que Lutero chamava de simia Dei, isto é, a "macaquização de Deus".
O crer genuíno não é escravidão, mas sim liberdade, não é imposição, mas sim busca, não é obrigação, mas sim adesão, não é cegueira, mas sim luz, não é tristeza, mas sim serenidade, não é negação, mas sim escolha positiva, não é pesadelo ameaçador, mas sim paz.
Como afirmava em um de seus ensaios, “Viver como se Deus existisse”, o teólogo alemão Heinz Zahrnt, "Deus habita somente onde se deixa ele entrar". Essa escolha implica – como em toda opção livre – um aspecto de risco. Entra em ação, assim, mais uma característica que é a confiança. É a famosa fides qua dos teólogos, ou seja, a fé "com a qual" se adere confiando em Deus e que faz acolher a fides quae, isto é, os conteúdos da revelação divina que o crer nos manifesta.
Abraão, que, "pela fé, chamado por Deus, obedeceu e partiu para um lugar que deveria receber como herança, e partiu sem saber para onde" (Hebreus 11, 8), é o exemplo arquetípico bíblico disso. Confio-me aos versos de uma escritora com a qual pessoalmente tive um diálogo intenso nos últimos anos da sua vida, Lalla Romano, que morreu em 2001: "Fé não é saber / que o outro existe / é viver / dentro dele / calor / nas suas veias / sonho / nos seus pensamentos. / Aqui vagar / dormindo / nele despertar" (de Giovane é il tempo, de 1974).
Como rezava outra poetisa, marcada, porém, explicitamente pela fé, Ada Negri: "Tu caminhas ao meu lado, ó Senhor, pegadas não deixa na terra o teu passo. Não te vejo: mas sinto e respiro a tua presença em toda folha de erva, em todo átomo de ar que me nutre". A confiança tem o seu exame de autenticidade no tempo escuro da prova, quando o rosto de Deus desaparece, a sua palavra se cala, a sua presença se transforma em ausência.
Jó, envolvido plenamente nas trevas, não deixa de acreditar e de ter confiança: "Ainda que ele queira me matar, não me importo" (13, 15).
A tradição judaica coloca em cena em uma parábola um judeu fugido da Inquisição espanhola com sua esposa e filho, que, durante uma tempestade, desembarca em uma ilha. Lá, porém, um raio mata a esposa, e uma onda arrasta o menino ao mar.
Sozinho, nu, flagelado pela tempestade, aterrorizado, vagando por aquela ilha rochosa, eleva a voz ao céu: "Deus de Israel, estou acabado! Justamente agora, no entanto, eu não posso te servir, senão livremente. Tu fizeste de tudo para que eu não creia mais em ti. Bem, eu te digo, Deus meu e dos meus pais, tu não conseguirás: eu sempre acreditarei em ti, te amarei sempre, apesar de ti!".
Evidente é o paradoxo, mas nessa retomada do drama de Jó, brilham a total liberdade e a absoluta confiança em Deus. Uma confiança que é exaltada também na tradição muçulmana com acentos altíssimos (muslim significa justamente "quem tem confiança e se abandona a Deus"), mesmo que, não raramente, às custas da liberdade humana.
Significativa é uma página do Memorial dos santos, do grande escritor místico persa do século XII, Farid ed din 'Attar, que tem como protagonista "um adorador do fogo", isto é, um zoroastriano, portanto, um pagão aos olhos do muçulmano. Farid vê que ele joga milho sobre a extensão de neve que circunda a sua casa e explica que o faz para os pássaros do céu, "esperando que o Altíssimo tenha misericórdia de mim".
Mas Farid objetou: "Tu és um infiel, e o grão semeado por um infiel não germina". Aquele homem respondeu: "Paciência! Se Deus não aceita a minha oferta, eu posso ao menos esperar ver o pequeno gesto de amor que eu faço".
Meses depois, 'Attar passa novamente por ali e reencontra o homem: "O Altíssimo fez germinar aquelas sementes. Obrigado, ó Deus, que presenteias o paraíso por um punhado de grãos! O coração de Deus sempre se comove diante de um gesto de amor".
Amor, confiança, fé se unem entre si e dão serenidade. É ainda um muçulmano, o poeta nacional do Paquistão, Muhammad Iqbal, que morreu em 1938, que escreveu: "Dir-te-ei o sinal o crente:/ quando a morte chega para ele, / sobre os seus lábios brota um sorriso". Viver a fé gera uma confiança que faz florescer, mesmo na crueza da agonia, um sorriso.
Concluamos, então, com uma das “Quatorze orações” compostas por Robert L. Stevenson, o genial autor do século XIX inglês de Ilha do tesouro e do Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde, um verdadeiro canto de confiança em Deus, que nunca abandona as suas criaturas com os seus pequenos e grandes dons: "Agradecemos-te, Senhor por este lugar em que vivemos, pelo amor que nos mantém juntos, pela paz que hoje nos é dada, pela esperança com a qual esperamos o amanhã, pela saúde, pelo trabalho, pelo alimento, pelo céu claro que enchem a nossa vida de confiança e de serenidade".
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Sem liberdade não há verdadeira fé. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU