24 Novembro 2014
Para o padre Hervé Legrand, dominicano e especialista em eclesiologia, a visão da Igreja atuada pelo Papa por ocasião do Sínodo sobre a família é aquela desenvolvida pelo Concílio. Este vai-e-vem querido pelo Papa entre o Sínodo e as dioceses é inédito?
A entrevista é de Nicolas Senèze, publicada pelo jornal La Croix, 20-11-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
Vejo nesta inovação uma bela continuidade com o Vaticano II que situa o episcopado no povo de Deus e não acima. O primeiro projeto da Lumen Gentium identificava em demasia a Igreja com a hierarquia, tratando do episcopado preliminarmente com respeito à Igreja no seu conjunto. O texto definitivo colocou o bispo no interior de sua Igreja, ou seja, diante dela. Até este Sínodo, este equilíbrio teológico jamais tinha sido desenvolvido tão claramente no plano prático.
Eis a entrevista.
Enviando uma vez mais as perguntas às dioceses, o Papa não toma em contrapé a colegialidade episcopal expressa no Sínodo?
Ao contrário, realiza um sentido muito correto da colegialidade. Os bispos não são os dirigentes da Igreja universal, mas os chefes das Igrejas locais. O colégio dos bispos é inseparável da comunhão a manifestar e manter entre as suas Igrejas. Não é o fato de ser ordenado bispo que é decisivo, mas de estar na cabeça de uma porção do povo de Deus. Neste sentido, o Papa ativa aqui a tradição antiga que concebe a Igreja como uma comunhão de Igrejas, e cada Igreja local como uma comunhão. Apresentando-se à sua diocese de Roma, o Papa simbolizou esta percepção: antes de abençoar o povo, pediu-lhes que rezassem por ele. E, como bispo da Igreja romana, que tem o primado entre as igrejas irmãs, o seu ministério é servir a comunhão entre todas as Igrejas na fé e não de governar cotidianamente e administrativamente a Igreja inteira, coisa que, ademais, não deriva do Vaticano II.
Estamos assim na continuidade com o Vaticano II, estranho a uma concepção “democrática” do povo de Deus. Os batizados não são o povo de Deus a não ser com o seu bispo. Embora sendo plenamente Igreja de Deus, a Igreja local não é toda a Igreja. É no movimento de ida e vinda entre as Igrejas que a Igreja se constrói como comunhão, porque o conjunto dos dons do Espírito Santo se encontra somente no conjunto da Igreja. Torna-se evidente que a colegialidade requer que o bispo de Roma “trabalhe” com os bispos, que, de sua parte, “trabalham” com o seu povo. Isto favorecerá o ecumenismo porque, até agora, todas as outras Igrejas vêem o Papa como um “monarca absoluto”.
Mas, não existe o risco de perda de controle?
Organizar debates é, por certo, mais complicado que ensinar com autoridade. Mas o risco que se corre pode tornar-se uma oportunidade, reforçando uma opinião cristã responsável, enquanto atualmente as mídias tratam das nossas questões a seu modo.
E se o Papa não chega a um consenso?
Talvez não vá haver progresso para um consenso sobre as questões sensíveis, mas o objetivo do Papa Francisco será atingido: fortalecimento da família e maior sensibilidade ao Evangelho. Sem isto, a nova evangelização estagnará.
Esta última exige uma nova articulação entre Evangelho, lei moral e leis civis; sobretudo no Ocidente, onde a livre proposta da graça pareceu destemperar-se na moral e nas leis impostas a todos. A indissolubilidade do matrimônio sacramental, intangível em doutrina, é compatível com um direito [canônico] renovado. Sob certas condições, poder-se-ia admitir os divorciados redesposados à penitência, como se fez por certo tempo, e, após a penitência, considerar como legítima uma união sacramental, também essa canonicamente possível. Esta mudança pastoral não é garantida, mas, em termos, a Igreja não se terá tornado mais sensível ao Evangelho, Boa Nova para todos, também para os divorciados redesposados?
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“A colegialidade requer que os bispos ‘trabalhem’ com o seu povo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU