14 Novembro 2014
Em comum com Fabiola Gianotti ele tem duas certezas: que a ciência – e a astronomia – são veículos de paz. Mas também que não existe contradição entre evolucionismo e fé. "Não só podem conviver, mas também se ajudam mutuamente. As descobertas da ciência enriquecem a fé", declara o padre José Gabriel Funes, um dos primeiros a se congratular com Gianotti, a "senhora das partículas", recém-nomeada diretora do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear).
A reportagem é de Agnese Pellegrini, publicada na revista Famiglia Cristiana, 12-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O jesuíta argentino, desde 2006, lidera a Specola Vaticana, o imponente observatório da Santa Sé, que também possui um telescópio de alta tecnologia no Arizona e exibe uma equipe de cientistas que dá inveja ao da Nasa.
Inesperadamente, mas só para aqueles que acreditam que ciência e fé são dois universos paralelos, o padre Funes tornou-se um ponto de referência para a comunidade científica internacional e, como explica nesta entrevista, a fé também considera a ciência como uma grande aliada.
Eis a entrevista.
Não é comum encontrar um sacerdote astrônomo. Como nasceu a sua paixão pelas estrelas?
Digamos que a sacerdotal é uma vocação dentro da vocação! Desde pequeno, eu era fascinado pela observação do céu. Estava na universidade, estudava na graduação em astronomia e, no terceiro ano, senti o chamado de Deus. Esperei pela formatura e, depois, entrei no seminário, iniciando aquela belíssima viagem de formação personalista típica nossa, dos jesuítas. Somente depois da ordenação é que eu fiz um mestrado em astronomia em Pádua e depois fui destinado para a Specola, em Roma.
Por que a Igreja se interessa pelo estudo do universo?
A Igreja traz no coração tudo o que é humano, e, a meu ver, uma das ciências mais humanas é justamente a astronomia, que, desde sempre, fascinou e inspirou a cultura humana, nos ajuda a entender de onde viemos e para onde vamos.
Mas não há o risco de que o estudo da astronomia nos afaste de Deus?
Não, ao contrário. Por exemplo, o fato de ter compreendido que o homem não está mais no centro do universo deve nos ajudar a ser mais humildes. O Papa Francisco lembrou várias vezes que estamos "na periferia", e podemos dizer até que nos encontramos nas fronteiras não só do mundo, mas também do universo! Essa mudança de perspectiva é importante, especialmente porque nos demonstra que a nossa centralidade de homens não é dada pela posição em que nos encontramos, mas pela encarnação, do fato de que Jesus se fez um de nós. É esse evento que nos dá dignidade, que nos concede um espaço especial no universo. A encarnação – ou seja, a vinda de Deus que, como o bom pastor, pôs-se em busca da nossa humanidade perdida – não deve nos fazer acreditar que estamos acima das outras criaturas: devemos respeitar e cuidar da nossa Terra.
Como se harmoniza a encarnação com a possibilidade de outras galáxias e, portanto, de outra vida?
A fé nos ajuda a encontrar uma explicação. A encarnação é um evento único no espaço e no tempo do universo. Deus se fez homem há 2.000 anos, nem antes nem depois. E também se fez homem em um lugar específico: na Palestina, na Terra Santa, não na Itália ou na Argentina. Isso não significa que, como escreveu João Paulo II na encíclica Redemptor hominis, Deus, na encarnação, se uniu a todos os seres humanos, os que existiam antes de Jesus e aqueles que viverão depois. Assim, podemos dizer que, se houvesse – e há um grande "se" – outros seres inteligentes no universo, eles também estariam unidos a Jesus.
Em um período de crise econômica, faz sentido gastar dinheiro para fazer pesquisas no espaço?
É melhor do que gastar dinheiro em armas! Na realidade, os pobres também têm o direito de conhecer o que acontece no universo, todos devemos ter acesso ao conhecimento científico, saber que o universo tem uma idade de 14 bilhões de anos... porque isso nos torna humanos. A ciência deve ser compartilhada e comunicada. E, se quisermos falar de um ponto de vista prático, as missões espaciais dão trabalho a muitas pessoas. Além disso, é absolutamente justo e necessário que os Estados invistam em educação e pesquisa. Talvez, seriam custos bem diferentes que deveriam ser cortados...
Há pouco tempo chegou a nomeação para a direção-geral do CERN para a italiana Fabiola Gianotti, que, há dois anos, anunciou a descoberta do bóson de Higgs. Como ciência e religião podem conviver?
Não só podem conviver, mas também podem se ajudar mutuamente, porque oferecem interpretações diferentes da mesma realidade. Nenhuma dessas interpretações é absoluta, porque a ciência oferece uma visão parcial, válida, verdadeira, mas mesmo assim parcial: não podemos reduzir tudo ao conhecimento científico. Assim, a religião também precisa de um pensamento crítico e racional, caso contrário torna-se fundamentalismo. As descobertas da ciência enriquecem a fé.
E a chamada "partícula de Deus"?
Chamam-lhe assim, mas Deus não tem nada a ver com a partícula!
Como nasceu o universo?
A melhor explicação que temos é a que é dada pela teoria do Big Bang. Deus é o criador, mas não podemos pensá-lo como um relojoeiro ou como um engenheiro que "joga" com as peças para construir este universo. Deus é a condição de possibilidade, sustenta o ser e o universo, permite que nós, humanos, pensemos, façamos ciência.
Padre Funes, como um astrônomo-jesuíta lida com o evolucionismo?
Entre fé e ciência, houve conflitos no passado e haverá no futuro: é normal. O importante, no entanto, é superar com o diálogo todas as tensões que possam surgir.
Quais são as atividades de pesquisa da Specola?
Somos um pequeno instituto de astrofísica, mas tentamos fazer pesquisa em todos os setores. Ocupamo-nos do sistema solar, em particular dos objetos que poderiam atingir a Terra, estivemos envolvidos nas atividades de pesquisa da vida do universo, estudamos as galáxias próximas e as distantes, e a cosmogonia, a explicação da vida.
Portanto, há vida fora da Terra?
A pesquisa continua. É difícil, e até hoje não temos notícia de descobertas nem de vida primitiva no nosso sistema solar. Há lugares mais idôneos do que outros para encontrar a vida, como abaixo da superfície de Marte ou nos satélites de Júpiter, mas até agora não se encontrou nada. Sabemos apenas que, há milhões de anos, corria água em Marte. Buscamos planetas semelhantes à Terra, mas sempre na nossa galáxia, não nas outras, que orbitam ao redor de estrelas semelhantes ao nosso Sol. Grandes telescópios, como os que estão sendo construídos, permitirão encontrar atmosferas semelhantes à da Terra.
Quase não existem mais dúvidas sobre a existência de outras galáxias...
É um fato. Há 100 bilhões de galáxias, cada uma com 100 bilhões de estrelas. Se dividirmos o número de galáxias pela população humana, cada pessoa teria 14 galáxias para estudar! Com os 100 bilhões de estrelas cada uma, obviamente...
Para onde o universo está indo?
Ele se expande, de forma acelerada, ou seja, sempre com velocidade maior. É infinito, porque não tem um limite espacial.
Quais são os próximos projetos da Specola?
O ano de 2015 é o Ano Internacional da Luz, com os 100 anos da relatividade de Einstein. No Vaticano, estamos organizando congressos científicos de grande importância.
Uma curiosidade: a que programas o senhor assistia quando era criança?
Star Trek, toda a série! Eu cresci com as aventuras da Enterprise.
Uma última coisa: quando você olha para o céu, prevalece o sacerdote ou o astrônomo?
Prevalece o jesuíta (risos).
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Padre Funes, um jesuíta entre as estrelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU