04 Agosto 2014
O odor fétido não se restringe ao local onde montanhas de lixo se amontoam. Com o vento, chega às casas dos moradores das cinco cidades gaúchas que ainda têm lixões. Em São Gabriel, na Fronteira Oeste, invade as salas de aula de uma universidade federal. Estudantes do campus da Unipampa, distante cerca de 10 quilômetros do lixão da cidade, reclamam que, no verão, o fedor se torna insuportável.
A reportagem é de Letícia Costa, publicada pelo jornal Zero Hora, 01-08-2014.
No ano passado, uma acadêmica do curso de Gestão Ambiental da Unipampa esteve no local para fazer um projeto da faculdade com participação de crianças, mas desistiu. Encontrou seringas e material hospitalar entre os resíduos, além de porcos e galinhas. Aves de todos os tipos sobrevoavam o terreno. Sem controle, entra quem quer na área degradada.
O lixão de São Gabriel já foi até caso de polícia. Há dois anos, uma ossada humana foi encontrada no local. O secretário de obras do município, Felipe Abib, diz que o depósito será desativado, mas não indica prazo e nem para onde os resíduos serão levados.
Sem licença ambiental para funcionar, esses locais se tornarão ainda mais vilões nas cidades onde sobrevivem ilegalmente. Neste sábado, termina o prazo para que os municípios brasileiros encontrem uma forma adequada de destinar os resíduos da coleta domiciliar e da limpeza urbana.
No Estado, cinco de 497 cidades ainda têm lixões, e deixam, a céu aberto, os rejeitos produzidos por cerca de 430 mil pessoas. Mas os números revelam que 12,8% dos municípios gaúchos fazem o descarte de forma inadequada. Além dos cinco lixões, outros 59 municípios levam o lixo para aterros controlados, uma espécie de remendo do problema.
Prazo da lei não muda, mas punição ainda será avaliada
A lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, reforça uma proibição já em vigor. Há mais de três décadas, os lixões são irregulares no país e, no Estado, os cinco municípios já foram punidos. Conforme a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), responsável pela fiscalização da lei, são aplicadas multas entre R$ 5 mil e R$ 50 milhões, dependendo do tamanho da área e das condições, e advertência. Quando a penalidade não é suficiente para o município tomar providências, a Fepam recorre à Justiça para resolver o problema.
– Autuamos, mas fazemos o possível para evitar a interdição. Se interditar, para onde a cidade vai mandar o lixo? O trabalho envolve muita negociação — explica Nilvo Silva, diretor-presidente da Fepam.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, critica a lei federal. Ele afirma que a legislação criou uma nova despesa para as prefeituras, sem indicar a fonte dos recursos.
Para o diretor da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), Carlos Silva, o problema é mais amplo:
– Temos um atraso porque os municípios não priorizam o tema.
Nesta quinta, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que vai negociar uma flexibilização da punição aos prefeitos que não conseguiram implantar aterros sanitários para substituir os lixões. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o prazo previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos, que era de quatro anos, não será alterado, mas que apoia uma discussão no Congresso para estabelecer novos prazos e mudanças na lei.
Em tese, os prefeitos podem ser punidos pelo descumprimento da política, com multas e até com prisão, mas o governo federal deverá se reunir com representantes dos ministérios públicos no dia 22, em Porto Alegre, para discutir como conduzir o assunto.
O DESTINO DO LIXO EM NÚMEROS NO RS
12,8% dos municípios gaúchos descartam os resíduos de forma inadequada. No país, o percentual chega a 60,5% das cidades
399 cidades no Rio Grande do Sul destinam o lixo para 36 aterros sanitários
59 mandam para 41 aterros controlados
5 despacham para lixões
12 municípios, principalmente do Litoral Norte, enviam para Santa Catarina
22 não repassaram à Fepam informação sobre a destinação final do lixo
Fonte: Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)
As diferenças
Lixão
São depósitos irregulares de resíduos a céu aberto. Não há preparação do solo, que se torna vulnerável à poluição causada pela decomposição do lixo. O chorume (líquido que escorre do lixo, fruto da decomposição da matéria orgânica) penetra na terra, contaminando o solo e o lençol freático. O gás metano, produzido na decomposição, é liberado diretamente para a atmosfera. Além dos impactos ambientais, o acúmulo de lixo atrai animais transmissores de doenças, como moscas e ratos.
Aterro controlado
É uma categoria intermediária entre o lixão e o aterro sanitário. Normalmente, um aterro desse tipo surge a partir de um lixão, onde foi realizado um trabalho para controlar os danos ambientais, regrar o recebimento dos resíduos e o acesso de pessoas. Esses locais recebem cobertura de argila e grama e já fazem a captação do gás e do chorume. O biogás é capturado e queimado e parte do chorume é recolhido para a superfície. Como o lixo é coberto diariamente, não fica exposto e tende a não atrair animais.
Aterro sanitário
Forma mais adequada de destino dos resíduos. Demanda estudo, desde a escolha da área à preparação do terreno, operação, determinação de vida útil e recuperação posterior. Como exige investimento, é difícil que cada cidade tenha o seu. As células onde o lixo é depositado são impermeabilizadas com mantas especiais, impedindo contato com o solo. O chorume é drenado e deixado em tanques para tratamento. Há possibilidade de gerar biogás. Por ser coberto por terra diariamente, não há proliferação de pragas.
Dentro da lei
A Central de Resíduos do Recreio (CRR), em Minas do Leão, enquadra-se no que a Fepam considera aterro adequado. Inaugurado em 2001, o espaço destinado a recebimento de resíduos tem 73 hectares, equivalentes a 102 campos de futebol de tamanho oficial. A área, onde havia mineração de carvão, pode receber cerca de 25 milhões de toneladas de resíduos, em um prazo de 23 anos. Hoje, recebe diariamente cerca de 2,8 mil toneladas de lixo. No aterro, há uma unidade de captura e queima do biogás gerado pelo chorume. Com a queima, o metano é transformado em CO2, gás menos agressivo à camada de ozônio. A central pretende gerar energia a partir da queima do biogás. O projeto está em fase de instalação.
Onde há lixões no RS
Ipiranga do Sul
O que diz a prefeitura: o município não destina os resíduos a lixões há quatro anos. Tem contrato com uma empresa para levar o lixo ao aterro em Minas do Leão. A área que era utilizada como lixão está isolada.
O que diz a Fepam: nenhum aterro licenciado informa que está recebendo os resíduos de Ipiranga do Sul. Portanto, é considerado que a cidade tem lixão.
São Gabriel
O que diz a prefeitura: há dreno, e o lixão deverá ser desativado. Ainda está em estudo o novo destino, se os resíduos serão transportados para outro local ou será encontrada uma alternativa no município.
O que diz a Fepam: o lixão funciona por liminar da Justiça desde 2013, e a prefeitura não tomou iniciativa para direcionar a disposição para outro local.
Viamão
O que diz a prefeitura: após medidas tomadas em 2013, a prefeitura começou a recuperar o local.
Conforme cronograma, a área estará em condições a partir de meados de setembro.
O que diz a Fepam: estudos de impacto para novo aterro foram indeferidos. Município não apresentou as complementações solicitadas.
Santa Margarida do Sul
O que diz a prefeitura: o lixo é enviado para São Gabriel. Quando houve a emancipação do município, foram sancionadas leis municipais em ambas as cidades e ficou para São Gabriel o encargo de receber os resíduos.
O que diz a Fepam:a cidade destina os resíduos para o lixão de São Gabriel.
Uruguaiana
O que diz a prefeitura: está em construção um galpão de triagem de resíduos sólidos, e o material orgânico e inservível será enviado para o aterro sanitário localizado no município de Candiota.
O que diz a Fepam: está com processo de licença de instalação para novo aterro sanitário.
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Cinco municípios no RS ainda descartam detritos da coleta urbana em lixões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU