16 Junho 2014
É extremamente duro o diagnóstico sobre o Brasil do economista João Manuel Cardoso de Mello, que ganhou proeminência nacional ao participar, na década de 1980, da elaboração do Plano Cruzado, a primeira de uma série de tentativas de derrubar a inflação. Para ele, o país vive uma fase de desordem político-institucional e a única saída para resolver a situação é a convocação de uma Constituinte com critérios muito rígidos - ninguém que ocupa um cargo público poderia, por exemplo, ser eleito. Além disso, já se partiria do princípio de acabar com a possibilidade de releição para o Executivo. E vereadores, deputados e senadores só poderiam tentar ser reeleitos uma única vez.
A entrevista é de Célia de Gouvêa Franco e Vanessa Jurgenfeld, publicada no jornal Valor, 13-06-2014.
Professor da presidente Dilma Rousseff quando ela iniciou sua pós-graduação em economia na Unicamp, João Manuel - ninguém o trata pelo sobrenome - não culpou, em uma rara entrevista à imprensa, o atual governo pela situação de desordem. Disse que, depois de décadas em que os principais problemas do Brasil não foram atacados seriamente, acabou se criando um clima de insatisfação, de mau humor com o Brasil que pode ser até uma ameaça à democracia, na medida em que abre espaço tanto para políticos "salvadores da pátria" quanto para os saudosistas dos tempos da ditadura. "As pessoas estão enojadas. Você conversa aqui com meus funcionários [da Facamp], desde o jardineiro até o professor, eles têm nojo", especificou.
João Manuel apresentou ao Valor, no seu escritório na Facamp, a universidade que criou há 15 anos, uma lista detalhada de indícios da desordem institucional - e de consequências dessas circunstâncias. Ele fumou dez cigarros ao longo da conversa e de um almoço, que contou também com a presença do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, amigo desde os 10 anos e sócio de João Manuel na Facamp, hoje reconhecida como uma das melhores instituições de ensino superior privada do país.
De certa forma, sua fonte de inspiração para o lançamento da proposta da Constituinte são as palavras ditas por Ulysses Guimarães, ex-presidente da Câmara dos Deputados e da Assembleia Constituinte de 1988. Segundo João Manuel, antes de iniciar a campanha das Diretas Já, de 1984, que tentaria pressionar o governo militar a permitir a escolha dos governantes pela escolha das urnas, o "dr. Ulysses" fez uma consulta a um grupo de amigos, reunidos na casa dele.
Pelo que João Manuel se lembra, apenas ele apoiou a proposta do amigo. Os outros disseram que não haveria apoio popular. "Dr. Ulysses" ouviu todas as opiniões, mas depois afirmou: "Eu não quero saber se vai dar certo ou errado. O meu dever é fazer" a campanha, que acabou mobilizando centenas de milhares de brasileiros em manifestações nas grandes cidades.
Além de Ulysses Guimarães, que morreu em 1992, João Manuel foi próximo de outras figuras marcantes da vida nacional, como Zeferino Vaz, que esteve à frente da criação e da organização da Unicamp - sendo depois o seu primeiro reitor - e de Dilson Funaro, o ministro da Fazenda do governo Sarney que abriu caminho para um grupo de economistas que formulou o Plano Cruzado.
Muito discreto sobre seu relacionamento com a presidente, ele disse que "ela é minha amiga, foi minha aluna e eu gosto dela". Na sua avaliação sobre a situação da educação no Brasil, foi muito crítico sobre as universidades de forma geral e particularmente ácido sobre as instituições de ensino privadas. A seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Viemos aqui fazer uma entrevista sobre economia...
Não vou falar de economia. Não quero falar de economia propriamente dita e nem de eleição.
Vamos falar sobre a Copa?
Também não. Quero falar que o debate atual no país é uma vergonha. De péssimo nível. E que o grande problema brasileiro, ao contrário do que as pessoas pensam, é uma desordem político-institucional.
Em que sentido?
No sentido de que isso aqui é uma desordem. Uma desordem. Desordem político-institucional. Nosso sistema tem 30 partidos. A política se transformou num negócio. O partido da presidente tem 20% do Legislativo, logo a presidente é refém de partidos de aluguel. Esse é o problema. São 39 ministérios necessários para acomodar os anões, para não dizer os ladrões. Uma campanha para presidente da República custa R$ 700 milhões. Portanto, se estabelecem aqui relações espúrias e incestuosas entre os financiadores da campanha e o Executivo. E aí vem o problema do financiamento público das campanhas.
Qual outro sintoma dessa desordem?
O Supremo Tribunal legisla. E não pode! Sei disso porque nasci numa família de professores de direito. Meu pai, meu avô, meu bisavô. Isso é uma verdadeira barbaridade! E o Tribunal de Contas... Meu pai foi presidente do Tribunal de Contas.
De qual?
Do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Meu pai [João de Deus Cardoso de Mello], quando era moço, deu trombada numa árvore e ficou míope, tinha medo de guiar. Não gostava muito de motorista e nem nós tínhamos muito dinheiro. Ele tomava o ônibus no Jardim Paulistano, descia na praça da República, atravessava o viaduto do Chá e ia até a rua do Ouvidor, onde era o Tribunal de Contas. Tudo a pé. O presidente do Tribunal de Contas não tinha carro.
Mas hoje o Tribunal de Contas interrompe obra. Para quê? Pode funcionar isso? Eles interromperam várias obras do governo federal. Não estou dizendo que o governo federal funciona, que é uma maravilha. Longe disso. Mas não pode. Isso aqui está tudo errado. O próprio Ministério Público tem poderes exorbitantes. Como é que um país pode funcionar assim? Além disso, os códigos de processo não são atualizados.
Por que não?
Porque o lobby dos advogados não deixa passar. Porque quanto mais demora o processo, mais eles ganham. Então, o Código do Processo Civil e o do Processo Penal especialmente são absurdos, são muito velhos. A lei de execuções penais é um absurdo, certo? Então, como é que o país vai funcionar? E ainda anotei na minha lista que a Receita Federal quer estabelecer a política fiscal no Brasil. A Receita Federal tem poder... Alguém manda na Polícia Federal? Não manda nada. Então, você tem setores autônomos. Isso é o que estou chamando de desordem completa.
"O debate atual no país é uma vergonha. De péssimo nível. O grande problema brasileiro é uma desordem político-institucional"
O senhor anotou outra questões?
Existem 19 mil cargos de confiança no governo. Isso é um absurdo completo porque, para funcionar, um Estado tem que ter uma burocracia no sentido weberiano, com gente que ganha bem, que tem prestígio, guiada pela honra, pelo interesse público, com boa formação, a meritocracia. Tem 19 mil cargos para botar quem? O parente, o amigo, o "zebedeu".
São problemas do atual governo?
Estamos falando de problemas estruturais que vêm se arrastando desde o governo Collor. Não tem a ver com Lula, com Dilma ou com FHC. Eu estou propondo aqui uma Constituinte, para reformar a coisa político-institucional.
Uma Constituinte em que bases?
Com os seguintes critérios: acabar com a reeleição [nos cargos executivos], deixar deputados com mandatos de cinco anos, uma reeleição só e acabou.
Cargos executivos sem reeleição?
É claro. [José] Sarney está aqui há 30 anos! Não é possível!
E uma boa parte do Parlamento está lá há muito tempo...
É isso, claro, e eles não vão mudar nada. Porque vivem disso. Você acha que tem cabimento? Eu me lembro que estava na casa do dr. Ulysses [Guimarães] quando apareceu a história dos anões do orçamento. Ele estava acabrunhado. Baixava a cabeça. E eu perguntava: "Você está aborrecido?" "João Manuel, [imita a voz de Ulysses] aconteceu uma coisa horrível. "O que foi?" "A corrupção chegou ao Legislativo." Ele não me contou mais nada.
Quais as consequências dessa desordem no dia a dia do país?
Você acha que o Estado é capaz de organizar estratégias de longo prazo? Com essa desordem político-institucional, não é possível fazer nada. Neste clima que a gente está vivendo, em que aumentaram as manifestações.... As pessoas estão enojadas. Você conversa aqui com meus funcionários, desde o jardineiro até o professor, eles têm nojo. O mal-estar que existe no país é imenso. Porque as pessoas estão cheias desse negócio. Essa é que é a verdade.
O senhor acha que uma proposta de Constituinte teria apoio da sociedade?
Eu acho que isso é o pré-requisito de qualquer discussão. Você quer fazer política econômica num país desses? Quer ter uma estratégia de longo prazo? Como se faz? E fica essa discussão 'gué-gué-gué-gué-gué-gué'. Uma discussão completamente idiota.
Falta um projeto para o país?
Qualquer país tem. Qualquer país que se preze tem um projeto. Agora, para isso, é preciso a centralidade da política. Se o país não tem um mínimo de organização política, a coisa não vai. Você vê a Dilma - ela é minha amiga, foi minha aluna e eu gosto dela -, tem todos os defeitos que todo mundo sabe, certo? Muito bem. Mas fica de mãos amarradas. Cercada. Inclusive pelo PT. As pessoas estão enojadas e isso a longo prazo é um perigo para as instituições democráticas. Porque aparece um aventureiro aí...
E há pessoas que falam que no tempo da ditadura era melhor porque roubavam, mas roubavam pouco.
O que é verdade. Pior é isso.
Essa situação é um risco?
É, porque ninguém vai imaginar que a democracia está enraizada na alma brasileira. Não está.
O que os seus estudantes falam sobre essa situação?
Alunos e professores. Tem um bom professor que me falou nesta mesma sala: "Professor, eu não quero falar de política porque fico com vontade de vomitar".
Mas esse sentimento de mal-estar abre um potencial para a mudança, não abre?
Sim, desde que haja coisas articuladas e que alguém faça alguma coisa.
Mas como se articularão essas mudanças que o senhor propõe? Via partidos políticos?
Não, fora dos partidos.
Pelos movimentos sociais?
Não sei como é que faz. Ninguém sabe. Agora, temos que colocar pelo menos o problema. Porque as pessoas começam a falar loucuras.
Quais loucuras?
As pessoas dizem banalidades: o problema é a produtividade... Mas quem defende a improdutividade? Ninguém. Ah, o problema é a saúde. Ninguém vai defender a doença. O problema do Brasil é a educação...
Algumas pessoas dizem que o problema nosso é a falta de política industrial.
Essas coisas são de uma complexidade enorme. Vou dar dois exemplos, mas podia dar dez. Como é que você não usa o pré-sal para alavancar a indústria metal-mecânica, o serviço técnico especializado nesse setor? Estão fazendo isso?
Não.
Não, você tem uma agricultura pujante, não tem? Uma agroindústria que vai crescer barbaramente. Tem problemas de produtividade, especialmente a pecuária. Mas que são resolvíveis com algum investimento vagabundo. Os chineses passaram a comer carne. Bom, isso é uma fronteira de expansão enorme. Você tem que colar a agricultura com a indústria de equipamentos e implementos agrícolas. Foi feito? Não.
Você montou uma indústria farmacêutica brasileira que bem ou mal está aí. É óbvio que você tem que montar institutos de pesquisas. Os chineses hoje têm os maiores institutos de pesquisa do mundo. A China já é o segundo país onde mais se gasta em pesquisa e desenvolvimento. Os chineses formam 600 mil engenheiros por ano. O que é isso? É um país organizado! Nós somos incapazes, não fazemos nada. Na verdade, o país está paralisado. Esse mal-estar é isso.
Isso é uma fase do processo democrático? Faz parte do amadurecimento?
Isso é amadurecimento? Isso é uma degeneração.
"A política se transformou num negócio. O partido da presidente tem 20% do Legislativo, logo a presidente é refém de partidos de aluguel"
O país não precisaria passar por isso?
As pessoas perguntam por que eu não entrei em política. Eu tive vários convites para ser ministro, nunca aceitei. Porque não tenho estômago. Quando eu voltei do Ministério [Fazenda] e fui fazer uma palestra no Instituto de Economia [na Unicamp] e aí levantou um menino e disse: "Professor, vou fazer uma pergunta desagradável. O senhor parece que não roubou. Explique por quê". Não roubei, é fato. E ainda tive que vender uma Belina verde para pagar as dívidas porque o que eu ganhava não pagava. Eu não roubei porque meu pai falou que não era para roubar. A explicação é simples.
Haveria um momento - político, econômico e social - mais apropriado para propor as mudanças?
Eu não sei. Eu resolvi propor.
Perdeu-se a oportunidade de uma proposta dessas em algum momento?
Não creio. Mas daqui a pouco passa o momento. A situação vai se agravando, se agravando... O único sujeito, a bem da verdade - eu nunca fui do PT, muito menos desse PSDB -, a única pessoa que falou disso foi o Lula. Ligeiramente. O que acontece é que alguém precisa falar alguma coisa.
Além disso, os países desenvolvidos continuam em crise, com crescimento baixo.
Temos o mundo central em crise... Crise terrível. E nós não podemos colar nosso destino em um sujeito que está capenga. Isso a presidente está fazendo direito, aliás contra a corrente do Itamaraty.
Uma crise nos países centrais não é oportunidade para avanços do Brasil?
Nosso caminho na verdade é dos Brics, é fazer um acerto com a China, que é economia dinâmica.
E a proposta de integração latino-americana?
Vai fazer integração com quem?
A melhora da economia do país passaria por uma solução via indústria mais forte?
Claro. Política industrial é uma coisa de altíssima complexidade. Alguém que nunca entrou numa empresa, numa fábrica, não pode ser ministro da indústria, não sabe nem como é que produz um parafuso. Você vê: fecharam 120 empresas têxteis. Como é que você deixa fechar 120 empresas grandes?
Esse processo não está associado a um movimento de financeirização das empresas?
Mas aí você aceita isso? E então deixa quebrar o setor têxtil?
Tem que ser feito um contramovimento interno a essa tendência global?
Claro, você precisa articular o país. Esse é o problema. Bom, não podemos fazer tudo, mas então vamos fazer isso, fazer aquilo, vamos entrar nas cadeias de valor globais assim. Certo? Mas ninguém toma nenhuma providência.
Mas o BNDES tentou fazer uma articulação de cadeias, de grandes grupos, minimamente...
Não tentou porque não é da natureza do BNDES fazer isso.
E os financiamentos para os frigoríficos?
Há uma alguma lógica, porque nós somos o maior exportador de carnes do mundo.
A inserção internacional promoveria grandes grupos no Brasil, ajudaria a indústria?
Não é um problema de grandes grupos, você tem que escolher o que financiar.
Tem que escolher setores na política industrial?
Claro, tem que escolher. Isso tudo é muito complicado.
Tem que escolher grupos campeões?
Esse negócio de campeão... isso não é o problema central. O problema central é o que nós vamos fazer. Agricultura, na verdade, não cria emprego. Desde que o [Raul] Prebisch fez a crítica do modelo primário exportador era isso. Você vai lá em Sinop (MT) e você vê o quê? Soja, um sujeito no trator e favela na cidade. Agricultura não cria emprego, não cria arrecadação fiscal. O Brasil não pode abrir mão da indústria.
Mas o país já não abriu mão da indústria?
Não, ainda temos uma indústria importante.
Como criar uma política industrial se não mexe na política econômica?
Câmbio e juros. Com esse câmbio aí não vai. Você valorizou o câmbio por quanto tempo? Vinte anos? São 20 anos de valorização. Ninguém aguenta. E foram todos: o seu Gustavo Franco, o seu Fernando Henrique, seu Lula, que surfou no câmbio.
Crescer agora passa por uma desvalorização cambial?
E com cuidado, porque haveria impacto sobre a inflação. Parte da economia está indexada. Mensalidades escolares estão indexadas, há falsos dissídios porque o sindicato não representa ninguém, o sindicato patronal muito menos. E o juiz pega e dá uma canetada. Salários de professores sobem 7%. E eu tenho que subir a mensalidade 7%, certo? Se eu não fizer isso, eu quebro. Na minha lista incluí também a questão de como se justifica a existência da Justiça do Trabalho. Essa pergunta tem que ser feita. Quando Getúlio Vargas fez a Justiça do Trabalho, na década de 30, por que ele fez? As justiças estaduais eram todas manejadas pelas oligarquias, inclusive em São Paulo. Mas hoje a Justiça do Trabalho se justifica? O Brasil é o único país que tem Justiça do Trabalho.
"O STF legisla. E não pode! Isso é uma verdadeira barbaridade! (...) O Tribunal de Contas interrompe obra. (...) Está tudo errado"
A melhora da indústria passa por um governo desenvolvimentista?
Não há mais desenvolvimentismo. Nós nunca fomos desenvolvimentistas no Instituto de Economia [da Unicamp]. Isso aí é um equívoco. Isso aí é saudosismo. Hoje, você tem liberais idiotas e saudosistas. Nós não somos nem uma coisa nem outra. Você tem que lidar com os problemas que o mundo está pondo para você, que não são os de 50 anos atrás. Falta planejamento. Há um livro que se chama "China em Uma Hora", que mostra uma cidade na China que foi feita inteirinha sem ninguém, planejada para 10 milhões de habitantes. Primeiro fizeram a cidade e depois chegaram os 10 milhões de habitantes. Isso é outra coisa que nós não fizemos. Você acha que é possível uma cidade ter 20 milhões de habitantes? Tem água, lixo, tudo que está escondido e você não vê... É imanejável.
O centro do debate econômico deveria ser como se planeja o futuro do país?
O debate é o seguinte: como é que nós vamos organizar o país? Como se organiza a indústria, como organizar a agricultura, como é que se faz o entrosamento entre o setor público e o setor privado. Não se faz isso há 30 anos. Vamos olhar para a China, que tinha uma renda per capita em 1980 de US$ 160. Sabe quantas pessoas saíram do campo para cidade em 30 anos? 460 milhões... Veja o planejamento do espaço que eles fizeram. Isso é outra coisa que nós perdemos. Nós perdemos a coisa do planejamento regional.
E na sua área, a educação?
Bom, vamos primeiro, então, aos fatos, depois à teoria e à reflexão. São Paulo tem 365 mil professores. O salário médio é de R$ 2,4 mil. A jornada média de trabalho é 46 horas semanais. Um professor, para dar uma boa aula, pode no máximo dar 20 horas por semana. Para dar tempo de ele preparar a aula, corrigir prova. Ou seja, sem aumentar o salário, seria preciso contratar tanta gente que dobraria o gasto com professores. O que se pode fazer então? Tem que se começar a resolver o problema por etapas. Criar uma carreira paralela, ir montando devagar, criando escolas de tempo integral, pagando melhor.
Isso leva 20 anos, mas alguém precisa começar. Se não, daqui a 20 anos nós estamos aqui falando a mesma coisa. Alguém faz? O grande problema está no ensino médio e fundamental. Não nos enganemos: é preciso professores competentes com uma carga horária razoável e escolas em tempo integral. É tarefa para uma geração. Para isso, precisamos enfrentar o corporativismo dos professores, o gigantismo das máquinas educacionais e fazer um grande esforço fiscal.
A regulamentação do ensino também precisa ser mudada, não?
Você vai ler na Constituição que as competências da educação são concorrentes, há municípios com universidade. Mas o que é isso? O currículo das escolas brasileiras é absurdo. Não tem nenhum país do mundo que tem física, química e biologia no ensino fundamental. Tem ciências. Foi para tirar os pobres da universidade que foi feito um currículo desses. Você faz um currículo desse tamanho, tem que saber quais são os 53 elementos químicos... Na Alemanha, você abre o livro, tem coisas elementares: por que eu aperto aquele botão e acende a luz, por que eu ligo carro e o carro anda, por que o avião voa. E assim por diante.
A escola privada é melhor?
O problema não é só no ensino público.
E as universidades brasileiras?
Hoje, a universidade pública brasileira está completamente obsoleta. Porque o modelo de universidade está obsoleto, não existe mais isso. Universidade com 90 mil alunos não é possível, não há como administrar isso. Na época da criação da Unicamp, O Zeferino Vaz me mandou calcular os custos. Eu sou um dos poucos sujeitos no Brasil que entendem de custos universitários. Ele dizia: "Você vai estudar custos aqui, ninguém sabe nada desse negócio". Eu não sabia nada também. A Unicamp foi projetada para ter 5 mil alunos de graduação e 5 mil de pós-graduação. Fiz todas as contas. Inclusive, depois de 10 mil alunos é mais barato fazer outra universidade. Em termos de economias de escala... para não dizer os custos pedagógicos. Eles quebraram as universidades. E fomos nós que inventamos esse negócio.
O que poderia ser feito?
As universidades públicas brasileiras são uma piada. Precisava haver uma reforma universitária. Hoje, existem dois modelos de universidade sendo discutidos. É uma discussão enorme no mundo e evidentemente não chegou aqui, por supuesto. No modelo francês, há a Sorbonne, que é uma universidade de massas. Da última vez em que estive lá com amigos, tinha um galpão. E perguntei que galpão era esse? "Aqui são as aulas de geografia." Quantos alunos têm? "Trinta mil." Aí tem as grandes écoles. Esse é um modelo. O outro é o americano, no qual dentro das universidades você tem ilhas de excelência, o resto é ensino de massa. Teve uma grande discussão na década de 30 nos Estados Unidos sobre isso. Foi quando eles massificaram a universidade. Faculdade de direito nos Estados Unidos não é graduação, é pós-graduação. Então, faculdade de direito de Harvard... [faz com a mão, mostrando que ela está lá em cima]. Agora, se você vai para outra faculdade... [faz com a mão, mostrando lá para baixo]. Aí tem 200 alunos na classe, um cara com microfone. Então, é uma catástrofe.
E as universidades privadas?
Instalou-se um segmento privado no país de compra e venda de diplomas!
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Constituinte, uma saída para desordem atual. Entrevista com João Manuel Cardoso de Mello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU