14 Junho 2014
"Minha jornada de fé também me fez perceber que a Palavra se fez carne na criação, que a Encarnação e a Ressurreição devem agora encontrar sua contínua incorporação em todos os membros do corpo de Cristo. Isso exige que nós continuamente evoluamos para uma consciência cada vez mais profunda de nossa necessidade de encarnar uma nova ordem cósmica (2 Cor 5, 17). A consciência dessa realidade nos convida a evoluir em nossos relacionamentos e instituições a partir da 'velha ordem' do sexismo, do etnocentrismo ou do classismo (Gálatas 3, 27), para formas mais igualitárias que reflitam a Trindade", escreve Michael Crosby, franciscano capuchinho, autor de diversos livros premiados pela Associação de Imprensa Católica do Canadá e dos Estados Unidos.
Pe. Michael vive em comunidade com outros freis numa paróquia do centro da cidade de Milwakee, onde trabalha com os mais pobres. O artigo foi publicado por National Catholic Reporter, 09-06-2014. A tradução é de Cláudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Tenho acompanhado com interesse as críticas do cardeal Gerhard Müller, em abril, sobre os recentes palestrantes nas assembleias da Leadership Conference of Women Religious (LCWR) e a sua decisão de homenagear a Ir. Elizabeth Johnson, da Congregação de São José, por seus escritos teológicos, alguns dos quais têm sido questionados pelos bispos dos Estados Unidos. De acordo com Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, "um intenso foco em novas ideias, como a evolução consciente, tem roubado das religiosas a capacidade de verdadeiramente 'sentire cum Ecclesia' [de pensar com a Igreja, ou abraçar seus ensinamentos]".
Embora eu seja um religioso, devo admitir que também me foquei (muito, mas não intensamente) na "evolução consciente". Quanto mais eu tenho investigado suas premissas, mais eu as vejo como úteis, especialmente à medida que eu enfrento as várias questões sobre a fé que a ciência levanta. Ela também me ajudou na minha busca de credibilidade (e confiabilidade) como religioso e sacerdote católico chamado a proclamar a nossa fé em um mundo que está sendo definido rapidamente por novas visões decorrentes da física, da neurociência e da cosmologia.
Quando eu digo a outros sacerdotes e religiosos que minha exploração dessas ideias tornou-me mais consciente de como a Trindade e Cristo constituem a fonte e o ápice de tudo na criação, às vezes, a primeira reação que eu encontro é o ceticismo ou o medo. No entanto, quando eles realmente examinam a ideia por si só, sua resistência se transforma em aceitação entusiástica. Um exemplo pode mostrar o que quero dizer. Trata-se de um grupo de mulheres religiosas, uma província dos Estados Unidos de uma congregação internacional cuja liderança pertence a LCWR.
Toda a comunidade decidiu estudar "a história do universo". No entanto, porque algumas das irmãs sabiam pouco sobre a evolução, enquanto outras temiam que a ideia não refletisse um catolicismo "sentire cum Ecclesia", as líderes experimentaram significantes "bolsões de resistência".
Já que eu tinha explorado algumas dessas ideias em meu recente livro Repair My House: becoming a 'kindom' catholic [Reconstrói minha Igreja: tornando-se um católico do reino, em tradução livre], fui convidado para a província. O livro tinha delineado três pontos relacionados a isso:
• A crise do catolicismo ocidental não é tanto uma crise de relativismo, mas sim a inadequação de um modelo de organização de Igreja que, muitas vezes, reflete um modelo histórico e patriarcal, recebido culturalmente, ainda baseado em uma cosmologia da "terra plana".
• Isso nos convida a voltar para o "Evangelho", proclamado pelo Jesus histórico, ou seja, o "Reino de Deus", que podemos interpretar hoje como a "governança da Trindade". Isso deve servir como o arquétipo de todos os nossos relacionamentos e estruturas na Igreja.
• A consequente demanda de "reconstruir a casa" nos convida a um catolicismo fundamentado em comunidades que são cosmicamente crísticas, conectadas conscientemente, contemplativas e compassivas.
O tema do seminário foi "Como podemos evoluir na consciência de nossa conexão com o Cristo Cósmico?". Eu usei um modelo desenvolvido por mim que mostra que a "economia da salvação" inclui o fato de evoluirmos em nossa consciência para perceber que o plano de Deus para o universo é que os padrões trinitários e cósmicos tornam-se consubstanciados na Igreja e no mundo de hoje.
Ao compartilhar minha fé e minhas ideias usando as escrituras e fontes franciscanas, senti pouca ou nenhuma resistência. Em vez disso, senti muito entusiasmo. Nosso tempo juntos, disse-me um membro do conselho provincial mais tarde, foi bem sucedido. Um sinal disso, observou, é que esse assunto foi, de fato, o tema principal durante as refeições subsequentes. Mais tarde, ela escreveu-me: "Nós na liderança notamos que as atitudes das irmãs se tornaram muito mais esperançosas e mais abertas".
Alguém poderia perguntar por que um padre como eu foi levado a avançar nessa direção de aprender mais sobre a evolução consciente. Resumidamente, foi uma entrevista no The Wall Street Journal. A edição milenar especial de sábado, 1 de janeiro de 2000, incluiu conversas com muitos especialistas em vários campos. Enquanto todas eram fascinantes, a que chamou a atenção foi a entrevista com Edward O. Wilson.
Wilson ganhou dois prêmios Pulitzer por seus trabalhos sobre natureza humana e comunidade, enquanto estava no Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard. Observando que Wilson já havia escrito que "a predisposição para a crença religiosa é a mais poderosa e complexa na mente humana", o entrevistador do Wall Street Journal perguntou-lhe: "Existe alguma possibilidade da religião sobreviver ao que a ciência está fazendo?". O preconceito do entrevistador era claro: a religião não é apenas irrelevante; ela tem uma vida útil curta para qualquer um que esteja realmente ciente do que a ciência está nos dizendo sobre nosso mundo.
Wilson respondeu: "Quanto mais compreendermos, através da ciência, sobre a maneira como o mundo realmente funciona, desde as partículas subatômicas até a mente e o cosmos, mais difícil fica o embasamento da espiritualidade em nossas mitologias antigas".
Ler suas palavras provocou algo visceral em mim: eu não vou fazer parte de algo que muitos consideram irrelevante. Ao mesmo tempo, porém, ele me fez perceber imediatamente que eu mesmo tive que repensar muito sobre como iria comunicar os princípios básicos da minha fé. Isso convidou-me a pensar profundamente sobre como as antigas verdades em que eu acreditava sobre o catolicismo poderiam ser compreendidas, acreditadas e testemunhadas em nosso mundo contemporâneo.
O que eu aceitei como um desafio pessoal daquilo que acabava de descobrir, convida a uma resposta repleta de fé semelhante sobre a evolução consciente por parte de todos os religiosos e sacerdotes em todos os níveis de nossa Igreja, se formos pregar o Evangelho e proclamar nossa fé católica de forma eficaz para o nosso contemporâneos.
O uso de Wilson da palavra "mitologias" não é pejorativo, especialmente se percebemos que tudo o que professamos no Creio, por definição, envolve noções de fé a respeito de Deus e da revelação. O reino da fé envolve mito; o reino da ciência envolve fatos. A ciência envolve o que é observável; a religião reflete o que não é observável, mas é, não obstante, crível.
Quando as religiões e os líderes religiosos insistem em equacionar artigos de fé e "mitologias antigas" da religião com fatos demonstráveis como se esses fossem objetivamente verificáveis, a fé, por definição, vai sofrer, e a religião se tornará cada vez mais irrelevante.
A afirmação de Wilson desafiou-me, como poucas outras, nos meus muitos anos de pregação e escrita. No entanto, ao invés de me sentir ameaçado ou de ficar na defensiva, fiquei inspirado para começar uma peregrinação única em uma compreensão mais profunda das verdades da minha fé. Isso envolveu uma revisitação dos dois grandes cânticos dos capítulos um de Colossenses e Efésios. Neles lemos sobre o Cristo Cósmico que é a imagem de Deus-Trindade e, como tal, a archē (arquiteto e arquétipo) de tudo no universo. Recentemente, os papas, especialmente o Papa Bento XVI, sublinharam a dimensão cósmica desses cânticos "gêmeos" muitas vezes atribuídos a São Paulo.
Minha jornada de fé também me fez perceber que a Palavra se fez carne na criação, que a Encarnação e a Ressurreição devem agora encontrar sua contínua incorporação em todos os membros do corpo de Cristo. Isso exige que nós continuamente evoluamos para uma consciência cada vez mais profunda de nossa necessidade de encarnar uma nova ordem cósmica (2 Cor 5, 17). A consciência dessa realidade nos convida a evoluir em nossos relacionamentos e instituições a partir da "velha ordem" do sexismo, do etnocentrismo ou do classismo (Gálatas 3, 27), para formas mais igualitárias que reflitam a Trindade.
Minha jornada também me fez revisitar todas as passagens sobre o "Filho do Homem", especialmente as do Novo Testamento. Aqui Jesus usa a imagem para se referir a si mesmo como a figura pré-existente, o representante que voltará em glória cósmica. Essa investigação levou-me a acreditar que uma interpretação contemporânea daquela expressão, consequentemente, poderia significar que Jesus foi e é "O Cósmico".
Minha jornada não aconteceu sem obstáculos, mas eu acho que estou me tornando mais crível na forma como articulo minha fé a partir daquilo "que sabemos da ciência sobre a forma como o mundo realmente funciona". Nesse processo, tenho sido alimentado imensamente pela humildade teológica evidenciada pelo Papa João Paulo II mais de 25 anos atrás, em sua carta ao padre jesuíta George Coyne do Observatório do Vaticano:
"Se as cosmologias do Oriente próximas ao mundo antigo puderam ser purificadas e assimiladas no primeiro capítulo de Gênesis, não pode a cosmologia contemporânea ter algo a oferecer para as nossas reflexões sobre a criação? Uma perspectiva evolutiva pode ajudar a lançar luz sobre a antropologia teológica, o significado da pessoa humana como 'imago Dei', o problema da cristologia - e também sobre o desenvolvimento da própria doutrina? Quais são, se houver, as implicações escatológicas da cosmologia contemporânea, especialmente à luz do futuro do nosso universo?"
João Paulo II, agora São João Paulo II, parece supor que uma consciência evolutiva é essencial para que a nossa fé católica seja crível hoje. De que outra forma se pode interpretar a sua pergunta sobre "uma perspectiva evolutiva", oferecendo "luz sobre a antropologia teológica, o significado da pessoa humana como 'imago Dei', o problema da cristologia - e também sobre o desenvolvimento da própria doutrina"?
Enquanto a "evolução consciente" continua a ser um enorme desafio para a teologia e para os líderes religiosos, eu também acho que a última parte da preocupação de Müller precisa ser abordada, ou seja, que "as teses fundamentais da evolução consciente são contra a revelação cristã e, quando tomada irrefletidamente, leva quase necessariamente a erros fundamentais sobre a onipotência de Deus, a encarnação de Cristo, a realidade do pecado original, a necessidade de salvação e o caráter definitivo da ação salvífica de Cristo".
Eu espero poder abordar a preocupação do cardeal em uma contribuição posterior ao NCR.
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A consciência evolutiva aponta para uma ordem cósmica trinitária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU